História
Igreja Matriz faz 60 anos
Segunda Parte

jornal Turma da Barra


Pintura da cordina Primavera Cardoso
Antiga igreja Matriz no centro da Melo Uchoa
Acervo de Yolanda Nepomuceno Silva


A saída de frei Adriano,
a demolição do Paço Municipal e da antiga Igreja Matriz de Barra do Corda localizada no centro da praça Melo Uchôa

Por Álvaro Braga

Jornal “A NOITE”, do Rio de Janeiro
(matéria publicada em 28 de junho de 1946)

O jornal carioca A Noite, publicou, por ocasião da estadia de Frei Adriano de Zânica na cidade do Rio de Janeiro, onde ficou retido com sua valiosa carga na Alfândega, tentando a sua liberação, o seguinte: 


“UMA NOTÁVEL OBRA DE CIVILIZAÇÃO NO INTERIOR DO MARANHÃO
             – A obra dos Frades Capuchinhos de Milão, em Barra do Corda. 
            Os Frades Capuchinhos desde muito se acham radicados no Brasil. 
            No Rio é conhecida por demais pela população essa organização religiosa, desde o tempo, em que eles se estabeleceram no Morro do Castelo, com uma fundação composta por leis brasileiras.
            Muitos anos depois, com o desmonte do Morro, os Capuchinhos se foram estabelecer na rua Hadock Lôbo, onde ergueram a majestosa Abadia de São Sebastião. 
            Mas os Capuchinhos não ficaram só no Rio, foram se internando pelo Brasil.
            Chegam-nos agora, notícias interessantes do que eles fizeram e ainda estão realizando em Barra do Corda, no Maranhão, empreendimento completamente desconhecido do povo brasileiro. 
            Os missionários Capuchinhos da Província de Milão, mantém dois colégios seráficos para a formação do Clero Nacional Regular, no Estado do Ceará, situados em Mecejana e Guaramiranga. 
            Acham-se empenhados em abrir escolas e levantar igrejas no Estado do Maranhão, onde as suas raízes já são bastante profundas. 
            Em 1894 se estabeleceram os frades Capuchinhos de Milão em Barra do Corda, abrindo ali um colégio para os filhos dos índios em Alto Alegre, fundaram uma igreja e uma escola para os silvícolas. Mas essa iniciativa foi destruída pelos próprios índios, que, em determinado dia, no momento em que era celebrada a missa, invadiram o povoado e procederam um massacre completo, matando todos os seus habitantes e incendiando a escola, a igreja e as residências. Tudo havia acabado, mas os Capuchinhos não desanimaram e prosseguiram na sua obra benemérita. 
            Barra do Corda progredia. Um punhado de Capuchinhos ali estavam empenhados em não deixar perecer a obra iniciada em 1894. 
            Fomos, agora, visitados por um destes heróis, como os chamou o Papa Leão XIII. Frei Adriano.
            Acaba de chegar ao Brasil, de regresso da Itália, onde permaneceu durante a recente guerra, juntando-se à FEB. Ali desempenhou a missão de Capelão, espontaneamente, pregando com freqüência. 
            Frei Adriano é atualmente o único Frei sobrevivente, de um grupo que havia se estabelecido em Barra do Corda. 
            Recentemente, chamado à Itália, o superior da Ordem, frei Honório faleceu repentinamente, quando se preparava para seguir para Roma. Anteriormente haviam já perecido três frades visitados pela febre amarela, sendo que um deles morreu afogado por ocasião do naufrágio de uma lancha em que viajava. 
            Frei Adriano, quando veio da Itália teve como companheiros mais quatro frades, que como dissemos, não mais vivem. 
            Devido a tais fatos a Missão do Corda é conhecida como “Cemitério da Itália”.
            Havia um projeto com o propósito de serem construídas casas para os índios, idéia essa, que foi, ao que parece, abandonada, pelas exigências que são feitas, para empreendimentos dessa ordem.
            Frei Adriano seguiu para a Itália antes da guerra e ficou bloqueado, sem poder regressar ao Brasil. Fora em busca de material para uma grande igreja e outros empreendimentos da Missão. Com a sua tenacidade tudo conseguiu, sendo que uma parte desse material acaba de chegar (ao Rio de Janeiro) pelo paquete brasileiro “Duque de Caxias”, isento pelo nosso governo de fretes e impostos.
            O Governo italiano facilitou o transporte do material de Nápoles, onde foi embarcado, dando livre trânsito ao vagão que o conduziu através da Itália.
            Frei Adriano fala corretamente o português e com grande dificuldade se lhe poderá conhecer a sua nacionalidade italiana. Nascido em Milão, sempre foi um cultor da música. Em Barra do Corda, junto ao colégio que ali mantém existe um excelente conjunto musical. A matrícula do estabelecimento assinala atualmente 73 alunos.
            A obra educacional em Barra do Corda é alguma coisa que honra o Estado e a Missão dos Frades Capuchinhos de Milão. 
            Entre o material que vem da Itália e o conseguido por Frei Adriano pode-se destacar obras religiosas de esculturas, sinos magníficos para a igreja da localidade, além de uma Via Sacra de bronze, de autoria do notável escultor Giovino Castiglioni. Uma grande quantidade de mosaicos valiosos foi conseguida por Frei Adriano. Os alemães tentaram, durante a ocupação da Itália, arrestar esse material, só não o fazendo devido à habilidade de Frei Adriano. 
            Chegaram ontem, nada menos de 105 volumes, transportados pelo “Duque de Caxias” parte de 25 toneladas do material adquirido com grande esforço e tenacidade. 
            Uma nova igreja será levantada, utilizando-se nela grande parte do material. Nada menos de 5 sinos lavrados serão colocados no templo, que será o mais interessante da região”. 
            Frei Adriano havia conseguido na Itália doações de cerca de 400 mil liras e 56 toneladas de material, em sua maioria artísticos, que de tão belos fez a madre geral, Soror Terziarie, Capuchinha de Gênova exclamar: “Belíssimo Il progetto...” 
            O lendário padre dos Estigmas de Cristo, e amigo de Frei Adriano, Padre Pio de Piatralcina encoraja-o a não fraquejar em tão grandioso empreendimento. 
            Terminada a guerra faz o câmbio na Custódia do Maranhão e obtém 75.000 cruzeiros para iniciar a construção da Igreja Matriz Monumento. 
            Em valores atuais, algo em torno de R$ 272.000,00. 

O IMPASSE E A PARTIDA DO FREI ADRIANO

            Como não se resolvia o impasse para a cessão do local em que seria erigida a futura Igreja Matriz e cansado de esperar, Frei Adriano se impacienta e joga a toalha dizendo: Consensum Omnium, ou seja: “Fiz tudo com o consentimento de todos”, se referindo ao não cumprimento da palavra empenhada pelas lideranças da cidade, quando ele se propôs, em 1939, a buscar recursos na Itália para a consecução de seu grandioso projeto. Em 1939 o prefeito era Joaquim Milhomem Sobrinho e muitos outros o haviam sucedido. 
            Parte de Barra do Corda à noite, para a localidade Santa Bárbara, com a alma em prantos, em 04.01.1950, para pegar no dia seguinte bem cedo a lancha Rio Corda, da empresa de Mundiquinho Guimarães, com destino a Pedreiras e posteriormente a São Luís. 
            Havia planejado sair silenciosamente, sem ser visto. Não que tenha saído fugido. Ele apenas não queria despedidas e nem queria pegar a lancha na Rampa Municipal, para não ser dominado pela emoção. Combinou com o amigo sacristão Odorico Ferreira Pinto, vulgo Maxixe, esposo de dona Dalila, o mesmo que tocava o sino, para ir com ele, de casco (uma pequena canoa usada pelos pescadores) até a localidade Santa Bárbara, distante uma légua da cidade, e assim o fizeram, ao cair da noite. 
            Frei Adriano, involuntariamente atrapalhava a política local, pois possuía enorme liderança e carisma junto à comunidade, o que atraía ciúmes e inveja por suas realizações. As intrigas palacianas levaram o governador Vitorino Freire a pedir sua cabeça junto aos seus superiores em São Luís. Fato esse que não se concretizou porque ele decidiu sair antes. 
            Um gesto de Frei Adriano, de tirar os sapatos, bater o pó do solado, antes de embarcar no porto da Santa Bárbara, entrou para a história e fez com que a imaginação popular criasse a lenda “de que ele havia rogado uma praga para que Barra do Corda nunca progredisse”. Também se falou, por causa do mesmo gesto, que o significado de bater o pó dos sapatos seria “espraguejar o maestro Moisés até a quinta geração”, e ainda de que “ele jamais poria os pés na Barra outra vez”. 
            Tudo crendices. Ele havia se desentendido com o maestro Moisés, meses antes, pois Moisés havia tocado nos bailes preparativos ao carnaval, no salão da velha prefeitura, contra as determinações do rígido frade, o que gerou discussões acaloradas entre eles dois, Aarão e o pai de Moisés, Caetano, mas tudo isso já havia sido relevado e possuía a característica de rusga passageira. 
            Com sua nobreza de caráter, Frei Adriano jamais amaldiçoaria ou rogaria pragas para Barra do Corda.  Ele saiu com o coração ferido sim, mas com altivez. Prova maior disso é que Frei Adriano retornou à Barra do Corda anos depois, para visitar os amigos e ver a Igreja de seus sonhos em pé, o que encheu de contentamento o seu velho coração. 
            Frei Adriano, saindo de Barra do Corda imprime a marca de seu trabalho, de operosidade dinâmica, por vários lugares do Brasil e retorna à Itália em 04.02.1958, quando saiu da Colônia Antônio Justa, Leprosário do Maracanaú, a 20 km de Fortaleza, estado do Ceará. Seu trajeto no Brasil foi: 

1.     Barra do Corda; 
2.     Bahia; 
3.     Rio de Janeiro; 
4.     São Paulo; 
5.     Rio de Janeiro; 
6.     Ceará

           Volta ao Brasil em 1965 para passear. Visita amigos, conhece a Igreja Monumento; corta o cabelo com o barbeiro Crescêncio Mota; conversa animadamente com Justino Soares; e pergunta animadamente ao Ferreirinha: - Onde está aquele nosso vinho? 
            Retorna definitivamente à Itália em 14.09.1965 e falece em Bérgamo, Itália, aos 74 anos, em 22 de dezembro de 1971. 


AS DEMOLIÇÕES DA MATRIZ E PAÇO MUNICIPAL

           
Em 1950 com a saída de Frei Adriano, a população e parte mais conservadora da classe política não desejavam demolir os seus prédios históricos, formados pela velha Igreja matriz de Barra do Corda, construída em 1893, então no centro da Praça Melo Uchôa e o prédio do Paço Municipal, formado pela Prefeitura,  Câmara e Fórum que abrigava um  salão de danças para as festas da sociedade cordina. 
            Vendo a gravidade da situação, e também o perigo da iminente deterioração dos objetos trazidos da Itália por Frei Adriano a custa de muito trabalho, o prefeito Raimundo Ferreira Lima, vulgo Mundico Lima e Manoel de Melo Milhomem, presidente da Câmara, junto com um grupo de cidadãos católicos decidem enfrentar o problema. 
            Fazem a doação formal á Igreja, do terreno onde funcionavam a Prefeitura, Câmara e o Fórum. Em troca,  a prefeitura fica com a área da antiga Igreja Matriz, em área da Praça. 
            Em 16 de julho de 1950, o sucessor de Frei Adriano, como Superior em Barra do Corda, Frei Epifânio da Abadia inicia a demolição do Paço Municipal, visando a construção da Igreja Monumento aos Mártires do Alto Alegre, para ser comemorado o seu cinquentenário a 13 de março de 1951. 
            A demolição da antiga igreja-símbolo também foi autorizada e na data de 16 de julho de 1950 realizou-se ali, pela última vez, o Sacrifício da Santa Missa. 
            Para a realização das obras de edificação trouxeram o experiente frade e engenheiro italiano Frei Francisco de Chiaravalle, de Milão, vulgo Frei Chicão, que havia estado na Paróquia de Barra do Corda de 1944 a 1945 e que comandaria a obra com mão de ferro e ferrenha disciplina. 
            Frei Francisco trazia a experiência de haver construído as belas catedrais de Grajaú e Imperatriz. 

BIBLIOGRAFIA: No último capítulo da série comemorativa.

NOTA: Na próxima semana: Fotos da nova Igreja Matriz em construção.


Foto do antigo prédio do Paço Municipal
Funcionava Prefeitura, Câmara dos Vereadores e salão de dança
no local está erguida a atual igreja Matriz
Acervo de Guaracy Milhomem


Imagem atual do interior da igreja Matriz
Barra do Corda (MA)
Acervo da família Galdino

Atenção: Leia também a primeira parte do relato histórico: Clique aqui

(TB11dez2011)