Especial
Curiosidades sobre Maranhão Sobrinho
jornal Turma da Barra

 


Maranhão Sobrinho
 (1879 - 1915)


 

 

*Kissyan Castro

A APARÊNCIA

José Américo Olímpio Augusto Cavalcanti dos Albuquerques Maranhão Sobrinho era, segundo o descreveu o acadêmico Assis Garrido (1897-19), branco, de pequena estatura e ombros largos. Os cabelos, finos e longos, despenteados ao vento, dava-lhe um ar rimbaudiano. O falar tinha-o ligeiramente fanho. Por trás do comprido nome, Maranhão Sobrinho escondia uma personalidade tímida, retraída até. A condição precária em que vivia impedia-o de trajar-se com esmero, porquanto quase sempre era visto em roupas mui surradas e um chapéu de palha o tempo todo à mão. O que mais chamava a atenção, porém, era a gravata. O laço, frouxo e bojudo, emprestava-lhe, à revelia, o destaque que a anatomia lhe negara.

A POESIA

Ao que tudo indica, Maranhão Sobrinho iniciara suas atividades como poeta ainda muito cedo em Barra do Corda. O Dr. Olímpio Fialho, amigo de infância do poeta, conta que compunha ele mesmo seus poemas na tipografia do jornalzinho “Campeão”, de propriedade do seu irmão mais velho, José Fialho. A família Fialho era sabidamente monarquista e o nosso poeta, àquela época, também acariciava as mesmas ideias, posto que não visse com bons olhos os folguedos republicanos fomentados pelo jornal O Norte. A despeito do pomposo nome, o combativo “Campeão” tivera vida curta e circulação bastante restrita. Não obstante, veiculara os primeiros versos do nosso vate, que empregava o talento para rebater os insistentes ataques do adversário O Norte.
Josué Montello conta em O Imparcial, de 1º de janeiro de 1937, que as primeiras composições de Maranhão Sobrinho qualificaram-no de “condoreiro”, o que reforça a hipótese de que compunha versos engajados, participativos do cotidiano social e político da então Vila de Santa Cruz de Barra do Corda.

A INSPIRAÇÃO

Para Maranhão Sobrinho não havia mistério no versejar. Não ficava a esperar sofregamente o “belo dia” em que a inspiração decidisse visitá-lo. A Musa era-lhe muitíssimo generosa, acorria-o a qualquer hora ou lugar. Na verdade, escrevia onde quer que houvesse álcool, papel e tinta. Possuía tal experiência e domínio da técnica, impregnado como vivia das mais belas cadências, que podia escrever até no mais esconso dos antros, sem perder a elegância e a excelência próprias do seu gênio poético.

Era então nesses lugares que muitas vezes compunha seus versos, de improviso e sem quaisquer emendas, postando-os sob o copo vazio, em pagamento ao conteúdo etílico. Nunca os corrigia. Da forma como os concebia eram publicados nos jornais e revistas da época. Não à toa, a Antologia da Academia Maranhense de Letras (1958) denominou-o “um dos últimos grandes poetas maranhenses”.

A SUPOSTA FILHA

Enquanto lia os “Papéis Velhos” do nosso aedo, não deixou de causar-me profunda estranheza o poema “Anjo Morto”, em que se refere a uma filha morta. Ele a chama de “Celeste”, a “rosa-menina” em quem seu “peito de pai” se aprazia. Porém, ela “morrias pequenina”, na verdade, “um só dia me sorriste”, o que faz-nos pensar que morrera recém-nascida. Vi então a recorrência no livro do mesmíssimo assunto, sob os títulos de “Morte do lírio”, “Rosa morta”, etc (não só em “Papéis Velhos”, mas também em “Estatuetas” e “Vitórias-régias”, sob o título: “O enterro”), e concluí que talvez o poeta não estivesse dando uma de “fingidor”, que pudesse mesmo tratar-se de um fato ocorrido em sua vida. A propósito, cabe aqui transcrever as percucientes palavras do acadêmico Assis Garrido, contemporâneo do nosso poeta: “A vida material, tão cheia de privações e mesmo de misérias, porque passou, não lhe abatera tanto o ânimo como a morte da sua filhinha, que ele chorava constantemente, sentidamente, dolorosamente, nos seus livros eternos. Parece até que ele era um obcecado pela morte de Celeste, sua filha, e esperava a todo o instante que ela lhe aparecesse ressuscitada. É o que se depreende desta poesia:

Vem...

Vem, minha filha, que esta saudade
diante das outras almas me humilha.
Faze-me ao menos esta piedade!
Vem, minha filha!

Choram meus olhos como os orvalhos,
por entre rosas, por entre abrolhos...
Por sobre as relvas, por sobre os galhos
choram meus olhos...

Ah! se viesses... Voando as mágoas
todas se iriam das minhas preces...
e cantariam canções as águas...
Ah! se viesses!

Vem, minha filha, que esta amargura
que a minha sombra constante trilha
abre-me em sonhos a sepultura...
Vem, minha filha!

Por que deixaste, pomba de neve,
o ninho estreito, que perfumaste,
feito das plumas do sonho leve!
Por que o deixaste?

Recordo o outono de amor despido,
que traz as tristes tardes de sono...
E este meu peito que é teu, dorido,
recorda o outono...”


A SURRA POR ENGANO

Talvez em busca de fortuna fácil prometida pela borracha, Maranhão Sobrinho, logo após ter publicado “Estatuetas”, transfere-se para Manaus, entre os anos 1909 e 1910. Lá revê antigos colegas, entre os quais Theodoro Rodrigues (1873-1913), poeta com o qual tivera contato em Belém, e que ali acabaria por se tornar seu mais chegado amigo; e o também maranhense Nunes Pereira. Este foi quem acabou por metê-lo numa terrível enrascada.

Como os literatos da Manaus daquele decadente período viviam se digladiando mutuamente, Nunes Pereira, apontado acima e que nutria desavenças com o jornalista Generino Maciel, publicou em jornal esta quadra ofensiva:

“Genebrino, Genebrino,
que escreves coisas fecais,
onde anda esse suíno
que se chama Th. Vaz?”

Thaumaturgo Sotero Vaz (1869-1921), comparsa de Generino e a quem também fora dirigida a afronta, ferido em seus brios, arquiteta uma vingança particular. Como era mui amigo do chefe de polícia, solicitou-lhe alguns homens a fim de darem uma lição no petulante versejador, já que acabara de receber informações sobre o seu paradeiro. Maranhão Sobrinho, alheio ao que se passava, hospeda-se com sua amada no quarto em que na véspera fora visto seu amigo Nunes Pereira.
Os policiais, em lá chegando, alta madrugada, caíram vorazes sobre aquele que juravam ser o autor da malfadada quadra, dando-lhe baita surra e atirando-o na prisão. O nosso poeta, assim, acabou pagando por um crime que não cometera.

A MORTE

Depois da humilhação pública que sofrera, a vida de Maranhão Sobrinho nunca mais foi a mesma. Não frequentava mais os lugares habituais em que discutia literatura e política. Seus últimos dois anos foram quase de completo isolamento em seu casebre de barro coberto de zinco, à Avenida Urucará, bairro Cachoeirinha, subúrbio de Manaus, onde raramente era visitado. Tal como aquele rei que passara a vida procurando o pássaro azul – segredo da felicidade e vida longa – e, sem o ter encontrado e já prostrado, vendo aproximar-se a morte, pede aos seus que o levantem e o conduzam até a janela a fim de ver pela última vez o pôr-do-sol, assim o fez o nosso bardo. Às três da manhã do dia 25 de dezembro de 1915, cala-se o grande bardo, aquele menino Zeca que brincava nas ruas poeirentas de Barra do Corda, que se escondia embaixo de rumas de algodão após alguma travessura, e que se tornaria depois o “poeta maldito de Atenas, o maldito Mallarmé maranhense”, como dizia de si mesmo. A ele aplica-se a assertiva – parafraseando o conhecidíssimo verso de Camões –: Para tão longo nome tão curta a vida. Mas ao contrário daquele rei, Maranhão Sobrinho vira o seu pássaro azul nos pequeninos olhos de Celeste, como “dois brancos pares de travessas asas”, nas “almas virginais das borboletas”, nos perfumes que adejam qual “invisível asa”, no amor que abre suas asas de luz como manhãs que nascem do nosso peito. O pássaro azul adeja em seus belos poemas enquanto os lemos. Debruçarmo-nos em seus livros é sentir a lufada intérmina de suas asas – a “asa imortal do Artista” – a percorrer “um mundo de alvoradas”.

*Kissyan Castro é poeta, escritor, mora em Barra do Corda (MA)

(TB9jan2013)

 

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