Entrevista
Nós, os próprios amigos,
foi quem matou Fernando
Fernando Falcão num comício no Ipiranga
Em um depoimento carregado de dramaticidade e emoção,
colhido pelo correspondente Álvaro Braga,
o ex-vereador Adalberto Leite Brasil, remanescente do clã dos Marimbondos, da Cajzaeiras BR
e do Clemente, revela com exclusividade para o TB:
“Nós, os próprios amigos, foi quem matou Fernando Falcão.”
– Quem era Fernando Falcão?
- O Fernando era uma pessoa do povo, um rapaz novo. Nasceu pra política. Um homem que tinha um coração muito bondoso. Tinha muito carinho pela família, esposa e filhos. Com ele não tinha banda não, estava sempre disposto a fazer alguma coisa pra ajudar a quem quer que fosse. Se uma pessoa o procurava, podia saber que não ia sair de lá com as mãos abanando. Ele dava um jeito, fosse o que fosse. Ele era tão prestativo para o povo, que tem razão ele ser filho de quem era, de dona Aurora, a mãe da pobreza da Barra e neto de seu Acrísio Figueira, que não podia ver um doente na rua, que levava pra dentro de casa pra cuidar. Então deu no que deu. Pra outras coisas ele puxou ao pai, seu Alberto.
- No dia a dia, como era Fernando?
- Uma vez, apareceu uma senhora que morava perto da rua do Arco, se queixando que os filhos dela passavam a noite nas janelas do pessoal rico que tinham televisão, na ponta dos pés, disputando com os adultos uma vaga pra ver se assistiam alguma coisa e que o sonho dela era ter uma televisão em casa. O Fernando escutou as lamúrias da senhora e disse: - Adalberto, vai lá na Pernambucana com ela e veja qual é a televisão que a senhora se agrada e depois voltem. Com meia hora já estávamos de volta dizendo o preço e ele já tava assinando um cheque com a mão esquerda conhecida, que ele era canhoto. A mulher saiu com lágrimas nos olhos, de alegria. Vi muitas vezes ele fazer isso. O Fernando se tornou popular assim.
- Há outra lembrança?
- Fernando para defender um amigo era capaz de qualquer ato de bravura, pois coragem física ele tinha demais. Quem não lembra da ocasião em que ele comprou briga com a polícia, com a camisa aberta mostrando o peito, para defender o seu amigo Bombardo?
- Há uma história que envolve um adversário político?
- Outra vez ele soube que um inimigo político tinha virado o carro, um fusca, e o bicho ficou a pura sucata. O Fernando soube e pediu pra alguém avisar ao opositor que queria falar com ele, e que viesse a seu encontro. O fulano, que não vou dizer o nome, veio,entrou na casa do Fernando, de cabeça baixa, mais amarelo que caçador quando vê onça. O Fernando foi logo dizendo: ô rapaz, entra aí, deixa de besteira, me conte como foi essa virada, e como ficou o carro! O rapaz contou os detalhes e o Fernando perguntou como ele ia resolver o problema. Então o homem disse que por enquanto não ia fazer nada, pois não tinha dinheiro pra mandar consertar o carro, pois ia sair muito caro e mesmo tinha ficado imprestável. O Fernando, após ouvir atentamente os detalhes chamou um auxiliar e disse: vá com ele pegar o carro, leva lá no Incra na oficina do Dêja (Djacir) e me traz a relação de peças que vai precisar, e o custo da mão-de-obra, e diga lá que quero o carro do homem novo, com se tivesse saído da fábrica. O rapaz saiu tão contente que nunca ia pensar que um inimigo político fosse ajudá-lo dessa forma. O Fernando pagou toda a despesa. Nem é preciso dizer que aquele ali passou pro lado dele com toda a família e vizinhança, além da propaganda que saiu fazendo pra ele, boca-a-boca. O Jaldo não gostava muito desses atos, e o Fernando só dizia: “Dom Jaldo”, deixa de coisa!”
- Quais são as lembranças de seus últimos dias em Barra do Corda?
- Rapaz, me dá uma tristeza muito grande relembrar isso (nesse instante seus olhos ficam marejados)... Na verdade fomos nós mesmos os seus amigos quem matou o Fernando Falcão. Ninguém deixava o homem descansar. Ele ultimamente tava fumando demais e tava com uma tosse seca, que não tinha fim. Também com relação à bebida tava uma coisa. No começo ele participava das rodas sociais e políticas e ficava só no whisky, depois, com o passar do tempo, passou a beber cerveja, e mais adiante, quando mergulhou mesmo no povão aí era cachaça mesmo, da braba. Com ele não tinha frescura não. E esse rojão foi um dia atrás do outro, semanas, meses e anos até que o coração não aguentou, mesmo para um homem de quase 38 anos. Quando tinha reunião ou comício nos povoados, o Joaquim Bílio, o Chico Natal e o Cipriano iam na frente, bem cedo, preparar o som. Quando o Fernando chegava ia visitar o povoado, casa por casa, abraçando todo mundo, falando com os moradores e perguntando sobre as suas necessidades. Quando dava a hora do almoço, iam pra casa do anfitrião e o Fernando mandava encostar outra mesa na dele pra caber todo mundo, e quando chegava mais gente, mais mesas eram juntadas. Comida tinha demais, o homem era farto. Quando ia começar o comício já era tarde da noite, e muitas vezes alguém tinha que encostar nele pra não deixar ele cair, pois já estava mais pra lá do que pra cá, tanto de cansaço, de sono e da bebida. Cansei de ver, quando a gente chegava na Barra de madrugada e todo mundo ia dormir, mas o Fernando ainda ficava bebendo numa mesa com os amigos mais próximos e os vereadores aliados, sempre com um cigarro nos dedos, comentando a política e os acontecimentos do dia e todos dando altas gargalhadas com as anedotas e pilhérias que um deles contava.
- Sobre as festas, como eram?
- Não faltava gente pra convidar o Fernando pra festas em todo lugar, pois ele tinha dinheiro e pagava tudo, aí o enxame caía em cima do “home” pra valer. Se bem que nas visitas políticas o Fernando não gastava um centavo, ficava tudo por conta do povo e do líder político local, que só queriam a presença dele no povoado. O bicho era bonitão que só, e atraía aquele monte de gente que queria vê-lo e chegar perto.
- Há mais exemplos?
- Certa vez a Irene, esposa do Alberto dentista convidou o Fernando e os amigos para irem prestigiar uma festa que iam fazer na propriedade deles, no sertão, lá no Bacabal dos Maciel. O Fernando, no dia da festa tinha feito muitos contatos, viajado pro lado do Centro do Ramos e tomado umas pingas, e logo ao chegar à sua casa, foi se deitar, para descansar da fadiga. Pois não é que nós acordamos o homem, com dez minutos que estava dormindo? Acordamos ele, tiramos ele da cama...levanta, levanta, Fernando, ele ainda sonolento... ahn...ahn... ahn... e nós fizemos ele despertar. Rumbora, rumbora, que tamo atrasado pra festa lá no Bacabal, vambora! E lá se foi o Fernando com a tropa toda, em vários carros, nessas estradas de chão que só passava jeep. Hoje fico pensando no tamanho da maldade que fizemos com ele. Mas na época era isso mesmo. Era a euforia da política, de querer ganhar espaço, votos, a simpatia do povo, a gente ia mesmo, sem se importar com a distância. Ele, então se submetia e até gostava da folia.
- Como foi a viagem?
- Nessa viagem fomos em dois jeeps, um do Riba Bezerra e outro do Raimundo Pereira e me parece que a rural do Dorgival, que era branca com azul, se não me falha a memória. Também foram o compadre Reginaldo Gomes de Sousa, o compadre Zezico, o delegado sargento Borges e muitos outros..ah! também o Alcenor Almeida, do Incra. O Alcione, que o Fernando chamava de Chevrolet, e de Pisca, acho que não foi nesse dia. Chegando lá foi aquela alegria, o maior furdunço, um pegava um pandeiro aqui, outro com um violão ali, muita carne, muita bebida, muita animação. Acho que foi a última festa que ele participou. Depois disso ele não durou um mês.
- Como era o trabalho do Fernando?
- Trabalhador pelo povo igual a ele nunca vi, era dia e noite. Pode se dizer que torrou o que tinha na política. Me lembro de uma loja de peças ali onde era o hotel Falção e um posto de gasolina quase colado ali na rua Coelho Neto que a família vendeu. Ficou pobre na política, o Fernando.
- Sobre a saúde, o que se sabia?
- Uma vez, logo no início dos seus problemas de saúde ele fez um check-up, mas depois, em vez de se cuidar voltou pras mesmas andanças políticas, reuniões, comícios, e ao cigarro, festas e muita bebida, até quase de manhã.
- Depois ele foi a São Paulo se tratar?
- Quando ele adoeceu o grupo político fez uma contribuição de urgência para que ele fosse a São Luis e a São Paulo com a dona Aurora, que eles estavam praticamente sem recursos em espécie, pois casas e propriedades ainda tinham muitas. Um dia ele caiu no chão, estatelado, acho que foi a pressão que caiu de repente, os amigos se preocuparam... O que foi?... O que foi?... Mas ele se levantou, assustado, e dizendo: “Não é nada não, tô bonzinho, tá tudo beleza!” No outro dia tava em São Luís. Depois foi pra São Paulo e voltou num caixão pra Barra do Corda.
- Como se comportou o povo com a morte de Fernando?
- Quando ele morreu o povo não acreditou, disseram que era armação política ou invenção dos inimigos. Mesmo as pessoas que foram ver seu corpo na igreja Matriz, quando saiam diziam que tinham dúvidas se era ele mesmo, pois que estava com uma aparência mais escura. No dia do sepultamento quatro aviões trazendo figurões da política baixaram em Barra do Corda, coisa que nunca mais se repetiu.
- Qual a maior lição deixada por Fernando Falcão?
- Igual ao Fernando Falcão nunca mais vai dar outro na Barra do Corda.
(TB13fev2010)
Leia mais sobre Fernando Falcão: Clique aqui