Crônica
Encontrando uma onça,
pago minhas contas

jornal Turma da Barra

 


Carlos Borges

'O negócio era tão promissor que, em torno dele se criou à profissão de Matador de Onça
e a indústria de ferramentas para a caça. Nesse nicho de mercado surgiu o Tonheiro, 
o maior e melhor fabricante de aratacas pra pegar onças.
'

*Carlos Borges

            Na década de 60 as madames das altas rodas sociais, em qualquer cidade brasileira; eram consideradas "chick" se trajassem casacos de peles de animais silvestres. Isto equivale a dizer que os animais silvestres de pele nobre eram caçados e abatidos sem nenhum controle e nem tampouco havia preocupação com a preservação da espécie.
            Barra do Corda por ter uma área territorial  composta por dois biomas, possuía uma fauna que compreendia inúmeros exemplares de animais de peles nobres. O comércio de peles de animais silvestres no Brasil era um negócio altamente promissor e sem nenhum controle preservacionista ou ambiental.
            Foi aí, nessa época, que chega a Barra do Corda o casal Nonato e Mundica Madeira, com a profissão de "comprador de peles". Se instalou na casa onde hoje mora o cabo Marçal. Ali montou a sua compra de peles e Mundica Madeira monta um ateliê de costuras finas e bordadas, pois era uma exímia profissional de corte e costura.
            Seu Nonato comprava peles de cobra, jacaré, veado, onça, gato maracajá, lontra, ariranha, macaco etc...
            As peles mais caras eram as de onça, gato maracajá e ariranha. Não foi à-toa que seu Nonato se instalou na Barra do Corda.
            Onças e Gato do Mato nós tínhamos demais! Por sinal as peles mais caras daquele portfólio eram as de onça pintada e gato maracajá.
            O negócio era tão promissor que, em torno dele se criou à profissão de Matador de Onça e a indústria de ferramentas para a caça. Nesse nicho de mercado surgiu o Tonheiro, o maior e melhor fabricante de aratacas pra pegar onças. A arataca é uma armadilha composta de prato metálico dando sustentação a duas molas no formato de garra, com uma corrente atrelada a este conjunto tendo dois ganchos na sua extremidade com a função de, aos poucos ir minando as forças das feras!
            Com o sucesso deste comércio de peles, apareceu os matadores de onça, onde se tornou folclore na cidade o seguinte jargão: "Quero me encontrar com uma onça pra pagar minhas contas!" Se eu matar a onça, com o couro pago as contas! Se ela me comer; ‘tá paga do mesmo jeito...
            Com a prosperidade do negócio seu Nonato, também virou matador de onça. Mandou buscar seu Irmão Zé Madeira e foram à caça. Nesta época, o local com a maior concentração de onças e gato maracajá era a região da cachoeira Grande, Baixão dos Caneleiros e a Aldeia dos Índios Guajajaras. O Zé Caçador montava as aratacas nas varêdas certas e dois ou três dias depois ia só buscar as onças presas na arataca. Um dia o Zé se deu mal. Foi ver as armadilhas com um amigo caçador. Lá chegando, a onça tinha caído na arataca... Foram atrás, pela batida de fuga! Deram com a onça debaixo de uma moita. Ele estava com uma espingarda na mão e um revólver na cintura. Quando ele abaixou pra entrar na moita; a onça pulou nele! A onça com a arataca numa mão, mesmo assim, deu o bote nele lhe pegando pelo braço. Os cachorros do Zé partiram pra cima da onça! O amigo do Zé correu e subiu numa árvore. O Zé com um braço quebrado pela onça, deitado no chão com a onça em cima dele e o revolver dele debaixo do corpo. O companheiro trepado na árvore assistia à cena: "A onça dava o bote pra pegar a cabeça do Zé; e os cachorros agarravam ela por trás... A onça se viu tão atazanada pelos cachorros que resolveu sair de cima do Zé! Só aí que o amigo atirou na onça e matou-a.
            O Zé Madeira se tratou, mas ficou com sequelas irreversíveis, inclusive secou um lado do corpo! "Um dia é da caça e o outro do caçador".
            Nonato e Mundica Madeira se tornaram cordinos; criaram  e formaram os filhos todos; os quais saúdo em nome de Regina Célia e Gizeuda Madeira.

*Carlos Trajano Borges – Borginho – barra-cordense, engenheiro civil, mora em Porto Velho (RO)

(TB26out2014 nº 45)

 

Crônica
Marica Parrião
Uma lenda viva na Barrinha

jornal Turma da Barra

 

'MARICA PARRIÃO é hoje viúva e avó de 26 netos e vários bisnetos. Não era alfabetizada, porém lutou e conseguiu dar instrução a todos os seus filhos. Hoje estar aposentada da táboa de lavar roupas, e só duas filhas (Maria das Neves e Maria da Paz, ambas professoras formadas), moram na Barra com ela.'

*Carlos Borges

            Maria Carvalho Parrião (MARICA PARRIÃO) é uma pernambucana de nascimento, nora de Hilda e Alexandre Parrião, que se casou aos 14 anos com o João Parrião que era "Tocador de Festas" nos sembal do município. O casal teve dez filhos, cujo primogênito (Almir) nasceu com 21 dedos; e por causa disto foi apelidado de "Almir vinte e um".
            Essa família toda morava na rua Luís Domingues em frente ao Grêmio Recreativo e Cultural Maranhão Sobrinho. Era um conjunto de casas parede meia que começava com a casa da Dona Alexandrina e Beliza, Dona Hilda, Marica Parrião e Raimundin Parrião (pai do Caburité). Esse conjunto de casas tinha a calçada altaque servia de camarote para o Sereno de Baile do Maranhão Sobrinho.
            João Parrião deixa a profissão de tocador de festas e passou a comprador e vendedor de bodes, abatidos na cidade. Almir Vinte e Um tinha um caso amoroso com Beliza por longo tempo e de certa feita foi aventurar a vida em um garimpo, lá contraiu uma doença e veio a óbito.
            Esse clã tinha uma particularidade: Todas as mulheres eram lavadeiras de roupas no rio Corda. E foi à custa de uma tábua de lavar roupas que Marica Parrião criou e educou seus dez filhos! Diga-se de passagem que não tinha na cidade lavadeira melhor que Marica Parrião. O seu local de trabalho era à beira do rio no beco do Zeca Trajano, onde existiam vários quaradores de roupas, para que com a ação do sol as roupas envolvidas numa solução de sabão e bosta fresca de vaca (a coleta desse material era feita no quintal de minha casa, onde funcionava uma vacaria de leite), exercesse o processo de desencardir. Após essa reação química era enxaguada e levava um banho de uma solução de anil, para alveijar e ficar cheirosa!
            MARICA PARRIÃO é hoje viúva e avó de 26 netos e vários bisnetos. Não era alfabetizada, porém lutou e conseguiu dar instrução a todos os seus filhos. Hoje estar aposentada da táboa de lavar roupas, e só duas filhas (Maria das Neves e Maria da Paz, ambas professoras formadas), moram na Barra com ela.
            No nosso tempo de adolescência eu convivia com Madalena, Nazaré e Vital. Madalena era gordinha e gostava muito de comer em demasia. Nós reclamávamos e ela dizia: "Eu como mesmo enquanto minha mãe é viva, porque depois que ela morrer, até um bocado de comida me vai ser negado"! Essa passagem ficou gravada em minha memória.
            MARICA PARRIÃO sempre foi a melhor amiga de minha mãe JOSEFA. Entre elas existe um amor fraternal de proporções inigualáveis. Estive lá na Barra em dezembro de 2013 e fui visitá-la. Ela com lágrimas nos olhos me disse: "Tiraram a Zefinha daqui da Barra, não tenho mais com quem conversar"!
            A sociedade cordina é feita e caracterizada também por essas passagens simples, de gente humilde, mas com um grau de nobreza não perceptível por uma boa parte de seus membros. MARICA PARRIÃO: Voce é uma vencedora! Sinto-me orgulhoso em compartilhar com o seu sucesso...

*Carlos Trajano Borges – Borginho – barra-cordense, engenheiro civil, mora em Porto Velho (RO)

(TB18out2014 nº 44)

 

Crônica
As boleiras cordinas
Saudades

jornal Turma da Barra

 

'Fabricar bolos caseiros para o café da manhã e as merendas, 
na verdade era uma profissão, que muito dignificava as famílias que exerciam aquela atividade; às vezes chegando a ser a principal atividade econômica.Citaremos aqui algumas das boleiras mais proeminentes da cidade'

*Carlos Borges

            Terceiro milênio, economia globalizada, inovação tecnológica, usos e costumes todos modificados, uma sociedade formada por comunidades, tribos e grupos organizados; tudo isso levou para o esquecimento os valores, as tradições e os costumes das sociedades provincianas e até mesmo as de características tribais.
            No processo de perpetuação da espécie humana, a alimentação é a base precípua da sobrevivência de nós seres humanos e o motor de propulsão, a cada vez maior, Indíce de Desenvolvimento Humano - IDH.
            As agitações dos tempos modernos fizeram com que os nossos usos e costumes, no que se refere a alimentar-se; sofressem transformações gigantescas capazes de mudar até o rumo da história.
            Nosso foco hoje é a primeira alimentação, "O quebra jejum", "O café da manhã", "O break fast". Fazer a primeira refeição hoje, em muitas comunidades, passou a ser um fator de desagregação familiar; uma vez que muitos dos membros de uma determinada família, pelo corre-corre do dia a dia, se vale das padarias, lanchonetes e lojas de conveniência. E como era isso no passado? Mais especificamente em Barra do Corda?
            Pois bem; nos anos 50, não tinha padaria. A base do quebra jejum era bolos caseiros! As comunidades mais pobres e/ou os sertanejos usavam o café com leite, farinha de puba, carne seca, batata, macaxeira, cuscuz de arroz ou de milho e diversas frutas. Já as famílias da nossa sociedade se valiam das boleiras cordinas!
            Fabricar bolos caseiros para o café da manhã e as merendas, na verdade era uma profissão, que muito dignificava as famílias que exerciam aquela atividade; às vezes chegando a ser a principal atividade econômica.
            Citaremos aqui algumas das boleiras mais proeminentes da cidade, sem demérito às demais. Para trazer um tom coloquial à nossa narrativa:
            TIA ADELAIDE, morava na rua do Ferro Velho, era esposa do velho Zé Lopes que tinha um sítio lá no Belo Horizonte. Produzia os melhores bolos de macaxeira e as petas que encantavam as crianças, além das broas.
            ANTONIA NEGREIROS, esposa de "Carro Lopes", na praça da Bandeira, fazia os bolos populares e vendia num quiosque no Largo da Matriz bem ao lado do Seu Fortunato que era sogro do Machadinho e Jaldo Santos. "Carro Lopes", já velhinho, tinha uma clientela especial: Os alunos do Diocesano. Aluno liso, tinha que ser criativo. Passamos a abrir um crediário com o Tio "Carro Lopes".
            Descobrimos mais tarde que ele se esquecia de anotar os fiados! A notícia se espalhou... Dona Antônia Negreiros quando soube, cortou nosso Barato.
            DONA DICA DO RAIMUNDO GATO, lá das Pedrinhas, que era mãe do Jayrton, Ney, Maria Neide, Jandira e Jairinha; fabricava além de ótimo cuscuz, várias iguarias onde se destacava o bolo queijo.
            DONA DALILA, esposa de Odorico e mãe do COSME e JOÃO, que mora ainda hoje na rua da Tripa. Dona Dalila tinha uma freguesia invejável. Todos os alunos do Pio XI, na hora do recreio, corria pra merendar na casa dela. As suas Iguarias eram inconfundíveis.
            DONA CHICUTA, de lá da rua do Giz, ditava a preferência do mercado. Tinha o título de a "Melhor boleira da cidade". Não tinha filhos, mas criava os sobrinhos João Apôs, Rosangela e Regina. Ela disputava a primazia da profissão sob a batuta de Guaracy e Zé Arruda, seus vizinhos.
            DONA ZELINDA, irmã de Dona Lionete, esposa do Benedito Pitiba, tinha uma particularidade de ter um cardápio variado e os melhores preços da praça.
            Esses tempos se foram com o advento do Mercado Público da cidade, onde a maioria das boleiras da cidade ganharam um espaçozinho pros seus negócios, que em nome de Maria Pretinha e minha comadre Lourdes (Sou padrinho da menina Sueylle), saúdo todas as minhas queridas e saudosas boleiras.

*Carlos Trajano Borges – Borginho – barra-cordense, engenheiro civil, mora em Porto Velho (RO)

(TB11out2014 nº 43)

 

Crônica
Os sonhos mais lindos
Marcas do que se foi!

jornal Turma da Barra

 

'Passaram-se os anos, as distâncias que os separam; aumentaram de forma considerável, transpondo até fronteiras Internacionais; porém o Amor Cordino permanece o mesmo, mas recheado de um ingrediente que o casamento não tem: "Saudades "!'

*Carlos Borges

            As manifestações de sentimentos com profundidade de amor são incomensuráveis. Transcende qualquer escala de valores e atropela qualquer regra de conduta social. Sobre essa ótica, vamos embalar nossos sonhos simplesmente dizendo que nós cordinos amamos com todas as forças do coração! Daí nasceu a máxima de que os verdadeiros cordinos vivem felizes, alegres e satisfeitos e continuam a cultuar os sentimentos amorosos brotados na juventude.
            Esta constatação reside nas características físicas, culturais e sociais de Barra do Corda. Em outras oportunidades já fizemos referência a esta singularidade calcada nas características físicas e geográficas, bem como do relevo da cidade composto de contrafortes e vales e uma bacia hidrográfica (Corda e Mearim) invejável. As águas do Corda e Mearim têm toda uma sinergia capaz de fazer brotar e alimentar o mais puro amor entre um homem e uma mulher.
            Nesse contexto, vamos ressaltar os protagonistas desse Amor Cordino, que brotaram nos anos 60, 70 e 80 e venceram a linha do tempo, mantendo-se vivos e saudosos. Citaremos um grupo de rapazes que de uma forma ou de outra teve a capacidade de sensibilizar, motivar, envolver e comprometer as namoradinhas doces e angelicais.
            Fazem parte dessa lista com primazia os rapazes : Luiz do Mica, Alvim do Zé Pompeu, Rubens Mangangá, Arnaldo, Croinha, Chico Ribimba, Antonio Machado, Xixito, Wilson Hossoe, Haymar, Zé Hipólito, Ornilo, Noquinha, Nezildo, Pinguim, Zé Americano, Paulo Rogério Azevedo, José da Marina, Ednan Moraes, Alan Kardec, Paulo Falcão, Bernardo, Gilvan, Antonio Jaldo E Borginho. Todos nós, não éramos nenhum exemplar de símbolo sexual. Porém, tínhamos predicados e requisitos que nos diferenciava dos demais.
            Dessa árvore frondosa nasceram famìlias belíssimas que são exemplos de dignidade para toda Barra do Corda. Há que se ressaltar, portanto, que a maioria não teve a sorte e/ou oportunidade de casar e compor família com suas amadas!
            Passaram-se os anos, as distâncias que os separam; aumentaram de forma considerável, transpondo até fronteiras Internacionais; porém o Amor Cordino permanece o mesmo, mas recheado de um ingrediente que o casamento não tem: "Saudades "!
            As amadas deverão se manter no anonimato! Curtam as saudades do tempo que se foi; mas o tempo não apagou as chamas!

*Carlos Trajano Borges – Borginho – barra-cordense, engenheiro civil, mora em Porto Velho (RO)

(TB27set2014 nº 42)

 

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