Entrevista: Antonio Soares
'Povoado que marcou muito a minha vida'
jornal Turma da Barra

 


Antonio Soares e esposa

O TB entrevista Antonio Soares da Silva, 50 anos, 
que nasceu no antigo povoado do Alto Alegre, hoje mora em Brasília, trabalha no Senado Federal e participa ativamente da vida socio-política de Barra do Corda, tanto que nas últimas eleições foi candidato a prefeito. Soares lembra como era Alto Alegre, o que havia no povoado, regras e comportamentos, produção agropastoril, escolas e a vontade de visitar o povoado novamente: Queria poder visitá-lo. 
Veja a entrevista:

 

- Como era Alto Alegre na sua infância? Como era o convívio entre a criançada e os adultos?

Antonio Soares: Povoado muito pacato. Típico de uma missão evangélica. Os padres e freiras controlavam bastante a vida das pessoas. Até o final da década de 60 o controle era muito grande. As festas não podiam passar das 11h e os habitantes eram quase obrigados a comparecer às missas especialmente as dos finais de semana. No inicio dos anos 70 (anos 72 a 74) – acho que tivemos o auge populacional – acredito que chegamos a ter aproximadamente mil habitantes. A partir daí houve uma abertura gradual, mas os padres não abriam mão da sua autoridade. Não era permitida nenhuma outra religião. Todos eram católicos. O primeiro evangélico que lá esteve foi sumariamente discriminado por todos. Os padres, freiras e população em geral. O convívio era bom e respeitoso, éramos uma grande família. Poucos casos de discórdia, de brigas. As crianças eram alegres – tinha grande convívio familiar. A diversão era restrita a jogos de futebol – tínhamos dois campos (um em frente a igreja e outro na saída para Barra do Corda. Os jogos só podiam acontecer após a missa. Ai daqueles que tentassem antes.

- Naquela Alto Alegre dos anos 60 a 70 havia escolas e posto de saúde? Parece que havia pequenas indústrias também?

Antonio Soares: Tínhamos somente um escola – Escola Paroquial Frei Reinaldo – que ficava anexo ao convento das freiras. O ensino era muito bom – ministrado pelas freiras. Todos os dias, na saída da escola, tínhamos que cantar o hino nacional. Os alunos eram cobrados veementemente. O “posto de saúde” se resumia ao atendimento prestado pelas freiras que faziam curativos, aplicava soro antiofídico e outros pequenos atendimentos, Os picados por cobras tinham ajuda do seu Manoel da Cobra, que reside atualmente no Araticum, Os partos eram feitos pela dona Adalgisa, uma senhora de aproximadamente 60 anos, que atendia a todas as mulheres. Quanto a industrias só lembro de fabricação de cachaça e rapadura – eram dois engenho
s – um pertencia a um senhor chamado Rodrigues (falecido), muitos dos seus familiares residem no Centro dos Ramos e Alto do Coco, o outro pertencia ao senhor Pedro Soares dos Reis, meu avô, (falecido) a produção de ambos era destinada ao consumo interno – Jenipapo, São Pedro dos Cacetes, Itaipava, Grajaú e BDC – tinha uma beneficiadora de arroz, do senhor Cardin (falecido), acho que os familiares moram em Imperatriz.

- Dizem que Alto Alegre se auto se sustentava. No seu tempo, havia produção agropecuária? O que se plantava nos arredores?

Antonio Soares: A produção agrícola era razoável. Milho era muito pouco. Feijão e fava supriam o consumo interno. Arroz dava para exportar um pouco, geralmente nos meses de julho e agosto os caminhões conseguiam chegar com os atravessadores para comprar. No inicio da década de 70 houve razoável produção de algodão. Tínhamos uma produção razoável de mandioca (consumo interno). Os padres tinham uma casa de farinha (aviamento). Uma parte – mínima – da produção de alimentos (arroz, feijão, fava, farinha) era destinada à igreja – não era obrigado, mas era meio obrigado. Sabe. naquela época pouquíssimas pessoas criavam gado, acho que umas cinco pessoas. Pouco gado, pouco mesmo.

– Onde estão seus amigos de infância, as pessoas que moravam no Alto Alegre onde estão residindo atualmente?. Eles migraram principalmente para qual cidade, qual estado?

Antonio Soares: A partir de 1977, começaram surgir os boatos de que os índios iam atacar novamente. Essa situação era apavorante, especialmente para as crianças e mulheres. Os boatos foram aumentando e a migração também. Muitos vieram para Brasília, outros Barra do Corda, outros Imperatriz, mas, a grande maioria aguardou o desfecho e se transferiu para São Pedro dos Cacetes, e, de lá foram transferido pelo governo do Maranhãop para o povoado Remanso. Tem muita gente no Alto Brasil e Alto do Coco.

– Você tem saudades do Alto Alegre? Quais as imagens recorrentes que lhes ocorrem com frequência?

Antonio Soares: Gostaria muito que aquele povoado ainda existisse. Queria poder visitá-lo, encontrar meus amigos lá. Os encontros que temos não é a mesma coisa. Falta algo que certamente é aquele território, que deveria continuar sendo nosso. Às vezes sinto vontade de ir lá, mas acho que vou me emocionar. Todas às vezes que passo na BR 226, fico tentando localizar onde era a entrada daquele povoado que marcou muito a minha vida e certamente de todos que lá viveram.

 

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(TB17mar2013)