Alto Alegre 
Uma interpretação possível
Uma pergunta: Quando iremos levantar o tapete?

jornal Turma da Barra

 


Escombros de Alto Alegre

 

*Eduardo Simões

            Nos anos 1970, durante visita ao convento capuchinho em Guaramiranga, no Ceará, vi o quadro com a imagem dos mártires do Alto Alegre. Aquilo me chamou a atenção e eu perguntei ao frade porteiro:
            - Quem é essa gente nesse quadro? Além de frades e freiras havia, na pintura, algumas crianças, um homem e uma mulher.
            - São os mártires do Alto Alegre, respondeu-me
            Fiquei curioso, pois nunca ouvira falar disso, eu, que me gabava de ser culto e bem informado, principalmente em história. Mais estupefato fiquei quando o frade afirmou que o massacre tinha acontecido no Brasil!?
            - Quando e onde foi que isso aconteceu? 
            - Não sei, disse o frei, acho que foi lá pras bandas da Amazônia.
            Mais intrigado eu fiquei, porque pelas roupas das crianças e dos leigos via-se que fora algo recente. "Como é que eu não sabia disso?" Como é que um "martírio" dessas proporções, que necessariamente supõe um massacre, não fosse sequer citado por nossos historiadores e jornalistas? Eu estava nesses questionamentos quando um amigo me interrompeu
            - Alguma coisa eles fizeram, senão não estariam aí, agora o que eu espero é que a nossa refeição esteja também na mesa, pois eu estou morrendo de fome. Rimos e fomos comer.
            Muitos anos se passariam ainda, até eu ter uma vaga informação sobre o que acontecera no Alto Alegre e, inclusive, saber que a mortandade fora muito maior que a pintada no quadro. Redimo-me da minha ignorância escrevendo esse artigo na esperança de que os jovens de hoje não cresçam desconhecendo esse episódio, e para aliviar um pouco a sujeira que está escondida sob o tapete que re-veste a nossa história.

            O resumo da obra

            Em 1893, frades capuchinhos (1) da Província da Lombardia (2), no norte da Itália, fazem uma sondagem para a instalação de uma missão no município de Barra do Corda, no centro do estado do Maranhão.
            Sempre com o apoio explícito das autoridades republicanas do estado, os capuchinhos dão início aos seus trabalhos missionários no centro do Maranhão, criando, em 1895, um colégio interno, com cursos técnicos profissionalizantes, para jovens índios em Barra do Corda, seguido da abertura de um núcleo missionário: a missão de São José da Providência, construído dentro de uma enorme propriedade, chamada Alto Alegre, que os frades italianos compraram de um fazendeiro local, próximo às aldeias dos índios guajajaras ou tenetehara, de etnia tupi, e canelas, de etnia jê, tornando-se logo o principal foco da atenção dos frades, que deram início a um trabalho missionário, com o intuito de converter os índios tanto para o cristianismo como para os usos e costumes dos não índios. Noutras palavras: "civilizá-los" ou "ocidentalizá-los". Nesse mesmo ano, 1896, chegam algumas freiras italianas, e é aberto o colégio feminino na missão.
            No início tudo correu bem, e os frades contaram com o auxílio precioso de um importante cacique guajajara, chamado João Manuel Pereira dos Santos, o Caboré. O apoio das autoridades também era incondicional: o governador do Maranhão fez-se presente ao casamento religioso de João Caboré, com sua antiga companheira, enquanto todos cantam e decantam o fervor religioso do cacique, apontado-o como cristão modelar. Mas a carne é fraca e a cultura é forte! Caboré se "enrabicha" por outra mulher (3), e por conta disso entra em atrito com os padres, que preferem tratá-lo "no braço", como a um cristão relapso, antes que a um cacique, mandando-o prender na missão - nessa época a "bigamia" era crime previsto na lei. Caboré, ofendido, abandona a missão dos padres, remoendo desejos de vingança.
            A missão,entretanto, ia de vento em popa, as humildes edificações iniciais de São José da Providência deram lugar a um conjunto de casario, à sombra da estrutura imponente do convento, abrigando um colégio interno para moças, oficinas diversas, salas de aula, depósitos para ferramentas e produtos diversos, hospedagem para frades, freiras e visitantes, uma explosão aparente de educação, cultura e progresso tecnológico no interior da floresta amazônica. O sucesso da missão atrai moradores de outras regiões e da vizinhança, que vão viver e trabalhar à sombra da missão, que absorvia, avara, toda a mão-de-obra disponível, garantindo uma boa renda ao educandário-missão.
            Havia, no entanto, alguns problemas: os índios eram explorados, de longa data, por comerciantes inescrupulosos, que ficaram irritados com a presença dos padres, e tudo faziam para sabotar a missão, jogando os índios contra os religiosos. Além disso havia uma elite intelectual, nas cidades, principalmente em São Luis, que assimilava e repercutia o forte movimento anticlerical europeu desde o início do século XIX, e principalmente a partir de 1870, quando a Questão Romana colocou o Papado e toda Igreja Católica contra o mundo moderno. Essa gente, maçons e positivistas, que estava em alta no advento da república no Brasil, não perdia uma oportunidade para criticar o trabalho dos padres, ao mesmo tempo em que estes acusavam aqueles dos piores crimes contra os índios, a fé e a moral do povo brasileiro. Era um diálogo de surdos, surdos raivosos.
            Os padres também cometiam equívocos. O seu método de abordagem, das populações indígenas era muito inexorável, rude e direto, causando ressentimentos e perplexidade - para piorar as coisas a missão foi atingida por um surto de varíola, em janeiro de 1900, que ceifou a vida de várias indiazinhas postas aos cuidados das irmãs capuchinhas, e mesmo nesse episódio foi preciso que pais e mães indígenas, assustados, insistissem e forçassem para que lhes fossem abertas as portas do internato, para eles realizarem os seus rituais mágicos de proteção para as sobreviventes, ante o horror das freiras italianas.
            Enquanto isso as tribos próximas e aparentadas - menos os canelas, inimigos jurados dos guajajaras - convocadas por Caboré, começavam a se unir para um ataque à missão, estimuladas pelo fato que o cacique, quando estivera com o governador Gualberto Torreão, conseguira armas e maquinário para o fabrico munição, a pretexto de usá-las na caça. Aparentemente o progresso avançava célere no sertão do estado, por isso, talvez, ninguém deu bolas para as notícias preocupantes que começaram a chegar aos padres e às autoridades, trazidas por índios que não concordavam com o ataque, e que foram sistematicamente ignoradas por todos. Outro acontecimento ocorrido, talvez, nessa ocasião, precipitou ainda mais as coisas: o assassinato de um velho índio, Salustiano Cupy, a mando de um não-índio.
            No dia 13 de março de 1901, um domingo de Páscoa, na primeira missa da manhã na missão, quando a capela estava lotada de pessoas, não índias, comemorando a Vigília da Páscoa, a maioria moradores que viviam nas terras dos padres e adjacências, índios fortemente armados atacaram a mataram todos a quem encontraram no caminho, ninguém foi poupado, exceto algumas meninas não-índias, das quais algumas, talvez, tenham sido resgatadas posteriormente (4). A seguir os índios se colocaram em pontos estratégicos nas estradas que passavam lá por perto, e eram frequentemente cruzadas por não índios, e todos os que passavam, fosse quem fosse, era imediatamente morto, sendo os cadáveres lançados no meio da mata - entre os mortos do primeiro ataque estava todo o staff capuchinho da missão: quatro frades, sete freiras, além de um leigo e uma leiga colaboradores diretos dos religiosos.
            O primeiro que denunciou o massacre em Barra do Corda foi um índio, naquele mesmo dia, mas ninguém o levou a sério - mais tarde o delegado prendeu esse informante e ainda o arrolou entre os envolvidos no levante - posteriormente dois sobreviventes não-índios da missão chegaram a Barra do Corda, às 20:00 do dia 16, com a notícia, deixando a cidade em polvorosa: foi montado, às pressas, um comitê de defesa, cidadãos comuns foram convocados e armados, e um pequeno destacamento de 80 homens foi enviado à missão, no dia 18, sendo porém rechaçado no meio do caminho. Outra expedição, de um certo capitão Raimundo Goiabeiras, que ganharia notoriedade na guerra que se seguiu, partiu de Grajaú com apenas 25 homens. Voltou do mesmo jeito: corrido. Os índios eram em torno de 500, bem armados e com farta munição.
            À medida que a notícia do levante indígena se espalha, o pânico toma conta dos não-índios da região, que abandonam suas casas e vão para Grajaú e Barra do Corda, apinhando as ruas de refugiados, comprometendo o abastecimento e o precário saneamento local. É uma loucura!
            No dia 26 de março chega à Barra do Corda o representante do governador: o Tenente-Coronel Pedro José Pinto, com a recomendação estrita de fazer guerra aos índios com a maior prudência e moderação possível, na melhor das hipóteses forçá-los pacificamente a voltarem para suas aldeias. No dia 14 de abril uma força de pouco mais de cem homens, bem armados e treinado, acompanhados de batedores canelas, investe contra o acampamento indígena e libera a missão - em um buraco, onde se escavava uma cacimba, são encontrados, amontoados, os cadáveres dos mortos em 13 de março.
            Segue-se então seis meses de intensos combates e escaramuças, envolvidos no mais profundo e inexplicável sigilo, findo os quais os índios são derrotados. No Alto Alegre aconteceu o maior massacre de não índios por índios e um dos maiores massacres de nossa história, e uma guerra de proporções consideráveis, quando comparada a outras que ocorreram em nosso território, tudo devidamente empurrado para baixo do tapete (não há fotos, gravuras, dados oficiais, etc. e os que existem, se é que ainda existem, estão muito bem guardados).
            Em fins de agosto, João Caboré e alguns dos principais líderes da revolta foram presos e levados para Barra do Corda, onde amargaram quase quatro anos de uma dura prisão antes de irem a julgamento. Nesse meio tempo a maioria dos prisioneiros morreu, entre eles Caboré, assistido por um frade capuchinho. Para que se tenha uma ideia das condições da prisão saiba-se que de 36 índios oficialmente presos, apenas 15 foram julgados.
            Todos os índios foram absolvidos, para grande júbilo da elite positivista, maçônica e mercantil local e mágoa dos simpatizantes da causa dos frades. Estes tentam retornar nos anos 1950, reconstruindo os prédios, mas são envolvidos numa pendência a cerca da posse das terras, que a FUNAI, e depois a Justiça Federal, definem como sendo área da reserva guajajara, forçando os frades a encerrarem definitivamente a missão em 1980. Os capuchinhos se retiram levando tudo o que podem, deixando apenas as paredes dos prédios. O sonho de empurrar a civilização goela abaixo aos guajajaras é hoje um montão de ruínas periclitante.
            Uma pergunta: como é que pode um acontecimento dessa envergadura passar completamente desapercebido na História do Brasil? Que interesses tão poderosos foram tão profundamente atingidos por essa catástrofe?

            O ambiente na Europa

            Nessa época um frenesi científico-tecnológico sacudia o Velho Continente, como se forças criativas, culturais, tremendas, há muito tempo represadas, tivessem encontrado uma brecha na muralha que as mantinha cativas, por ela escoando e inundando o mundo ocidental, tendo à frente o culto às ciências da natureza, dentro de uma abordagem estritamente experimental, que aparecem tanto na física pura e aplicada quanto na psicologia, principalmente nos Estados Unidos, onde os laboratórios das universidades se transformaram em importantes criadouros de grandes ratazanas brancas, mestres na arte de ensinar o homem a se conhecer melhor, cujo resultado mais conhecido é o desenho animado "Pinky e Cérebro".
            Na área mais "antropológica", não podemos ignorar a sacralização da sociedade por Augusto Comte (1798-1857), provocada por uma perda pessoal, e quem sabe até da perda completa de uma religião revelada a partir de fora, antecipando o mal estar do homem moderno, o super-homem, de Nietzsche (1844-1900), acima do bem e do mal, que ascendia no final do século XIX. A ciência respondia a tudo, explicava tudo, de uma forma tanto necessária como suficiente. No início do século XX, a crença no poder da ciências e da razão humana, iluminada pelos estímulos realidade visível, era tamanha, que em alguns círculos universitários importantes acreditava-se firmemente que não havia mais nada de significativo para ser inventado ou descoberto. A arrogância dos principais mentores das ciências naturais estava no auge, e em muito pouco diferia daquela observada pelos velhos inquisidores da época em que só a religião podia dar respostas válidas aos problemas humanos.
            Entre essas novas correntes, doutrinas, etc., eu gostaria de me concentrar numa em especial: a Eugenia (5) de Francis Galton (1822-1911). Galton, um garoto prodígio, era primo de Charles Darwin (1809-1882), e entusiasmado pelas descobertas e conclusões do primo, inventou uma forma ou um modelo para criar uma super-raça humana: mirando nos axiomas darwinianos de que o homem era um animal como qualquer outro e nas técnicas de aprimoramento racial usadas em animais domésticos, criando uma espécie de versão "artificial" da seleção natural.
            Em seu livro "O gênio hereditário", de 1869, Galton diz: "Nesse livro, eu me proponho a mostrar que as habilidades naturais do homem derivam da herança, sob exatamente as mesmas condições que existem para as características físicas do mundo orgânico e, consequentemente, como é fácil... lograr, mediante uma cuidadosa seleção, uma raça permanente de cães e cavalos dotada de habilidades especiais para correr ou fazer qualquer outra coisa, da mesma forma seria bastante factível dotar uma raça de homens bem dotada, mediante matrimônios sensatos durante várias gerações consecutivas". Ou seja, o rapaz ou a moça deveriam escolher o seu parceiro (a) de olho apenas no tipo de gente, ou de "raça", que a sociedade, quiçá o Estado, achasse conveniente, como o proprietário de um animal escolhe com qual dos animais de sua espécie o seu bicho vai "cruzar".
            As ideias de Galton, ornadas com muitos números, "fatos", e interpretações forçadas (como acima) infestaram a Europa, principalmente a germânica, mais ao norte, e a América do Norte, acirrando e aprofundando a paranoia em torno da questão racial, criando muralhas intransponíveis entre as raças ditas "superiores" e as "inferiores", consideradas inferiores não apenas do ponto de vista tecnológico ou cognitivo, mas também no âmbito moral e afetivo, quando tomadas em comparação com o padrão consagrado da Europa Ocidental - nessa perspectiva, só um ignorante não veria que um índio é um ser estúpido, animalesco, moralmente pervertido, um ser humano degenerado, pois estava tudo provado com tabelas, gráficos, uma infinidade de números, medidas, pesagens, etc.

            A crise do Papado e da Igreja

            Durante o processo de unificação da Itália, o Papa Pio IX colocou-se frontalmente contra as forças liberais e anticlericais do Reino do Piemonte, que dirigiam esse processo, procurando preservar a parte da Itália conhecida com Estados Papais ou Pontifícios, sob o ocntrole de Roma. Ora; era questão de honra e até de lógica política para todos os italianos, que a cidade de Roma fosse considerada a capital de seu país, ao mesmo tempo que o Papa alegava, com certa razão, que se a cidade de Roma ainda era grandiosa isso se devia em grande parte a ação dos papas ao longo da história (6).
            Em setembro de 1870, porém, com a derrota da França, que sustentava as pretensões papais, para os prussianos, os piemonteses invadiram os Estados Pontifícios e tomaram Roma, após uma breve batalha. Os papas receberam mal a perda desse patrimônio, assim como a promessa de indenização, que colocava o papa como um cliente do estado italiano, e das "Lei das Garantias", que impunham um "protetorado colonial" ao Vaticano (Wikipédia em francês), ficando o Papa reduzido a uma pessoa comum, um grande proprietário, sujeito às leis da Itália. Pio IX (1792-1878) recusa a Lei das Garantias, como os papas que o seguirão, e se considerará um prisioneiro no Vaticano, instando os católicos a não participarem do estado italiano, sequer nas eleições, o que enfraqueceu muito as iniciativas político-sociais desse estado, mas também fez recair sobre os papas e os membros de clero a fama de intransigentes, de pessoas mais interessadas em seus bens econômicos e materiais, em que pese a doutrina que apregoavam. Muita gente previu o fim do catolicismo nessa ocasião.
            Os ataques à Igreja vinham das mais diversas direções: nas universidades os cientistas agnósticos e ateus pregavam a necessidade do homem ser classificado como um animal qualquer, considerando a alma e as emoções resultantes de reações bioquímicas internas, como pretendiam positivas (vertente francesa) e empiristas (vertente anglo-saxã); na economia e na política os liberais, herdeiros da Revolução Francesa e do iluminismo maçom, pretendiam reforçar o nacionalismo e certas práticas muito agressivas de exploração da mão-de-obra e de política internacional (imperialismo), colocando as religiões, devidamente expurgadas da transcendência espiritual, sob o controle do Estado; do seio da classe operária saía o grito da nova corrente, o marxismo, que buscava resistir ao rolo compressor da Segunda Revolução Industrial, enquanto produzia uma novo axioma:"a religião é o ópio do povo".
            Os papas e os membros do clero nesse período reagirão de maneira instintiva e desigual, mas de uma maneira geral tendiam a condenar o mundo moderno, o "século", em bloco - na História Geral das Civilizações de Maurice Crouzet, o autor que trata do século XIX lembra que o Papa Pio X alertou aos cristãos que a democracia moderna tinha um "vício de origem", por dizer que todo o poder emana do povo e não de Deus; um cardeal francês teria feito críticas às escolas públicas para crianças pobres, porque elas ensinavam as ciências agnósticas: seria preferível que elas, as escolas, não existissem. Era um mundo "mau", dominado pelo "demônio", mais ou menos como apregoam, hoje, certas correntes das igrejas evangélicas pentecostais e da Renovação Carismática Católica. Nesse quadro, qualquer um que se comprometesse com os valores tradicionais, "não modernos", teria o aval da Igreja (7).
            Mas a Igreja Católica não deixou de se posicionar frente às questões da modernidades, inclusive a da eugenia, condenando-a (8). Aliás as duas grandes correntes mundiais de pensamento que discordavam da eugenia e que podiam lhe fazer frente, e quem sabe unidas, poderiam ter evitado o florescimento do nazismo, estavam se digladiando em uma luta de morte: a Igreja Católica e a Internacional Comunista.

            A situação no Brasil

            A República existia há apenas 7 anos, quando os frades ergueram a sua missão de São José da Providência, e assim como a maçonaria antirromana dominara os bastidores da luta pela independência, em 1822, os positivistas, igualmente anticlericais, tinham uma forte presença no movimento republicano de 1889, mas enquanto a maçonaria conseguiu, graças a autonomia do clero católico brasileiro, um estado de acomodação bizarro, mas pacífico, com o positivismo, que aqui chegava com foros de religião civil, autônoma, a convivência foi mais complicada (9), mas da mesma forma como a república precisou dos políticos do Império para completar os seus quadros políticos os positivistas também precisavam dos padres para viabilizar a sua legenda na bandeira nacional: "ordem e.... ordem!" Mas se os acordos saiam fáceis nos palácios de governo nas ruas e nos púlpitos das igrejas havia uma luta renhida dos padres contra os maçons, os positivistas e a outra novidade: os espíritas.
            As mentes e corações ainda traziam as marcas do último grande confronto envolvendo a Igreja Católica e o estado imperial na Questão Religiosa, travada por conta da relação "estranha", para Roma, de leigos, padres e bispos brasileiros com a maçonaria, cujo clímax foi o recolhimento à prisão de dois bispos D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira, que por sinal era capuchinho, e D. Antonio Macedo Costa, em um conflito que se arrastou de 1872 a 1875, e teve como desfecho dramático a morte prematura de D. Vital, em 1878, em Paris, sob suspeita de envenenamento - isso foi colocado publicamente por um dos mais famosos personagens da Igreja Católica da época, Monsenhor de Ségur, mundialmente conhecido. Essas notícias calavam fundo na elite ilustrada brasileira e não raros viam nas determinações disciplinares internas do Papa, uma agressão à soberania nacional.  Debates na imprensa transcorriam acalorados, e o que menos se via era "elevação" e "caridade".
            Não é, portanto, de admirar que muita gente da elite cultural de Barra do Corda e de São Luiz visse com muita desconfiança, raiva e até ressentimento a vinda dos capuchinhos para a missão dos guajajaras. Mas havia outros interesses envolvidos.

            O Maranhão para além do tambor de crioula

            Para a maioria dos brasileiros que vivem fora da Amazônia, principalmente os do Centro-Sul, a marca do Maranhão é a beleza paradisíaca de suas praias e o exotismo de seus costumes - creio que, nos dias de hoje, perdeu-se um pouco daquela crença, cheia de admiração, que era aí onde se falava o português mais elegante e castiço do Brasil, que fazia com que o Maranhão fosse considerado a terra dos literatos e "bem falantes" por excelência, mesmo porque a grande maioria dos brasileiros, hoje, sequer sabe mais o que quer dizer "castiço".
            Tudo é muito original e diferente do habitual. O estado possui uma das três capitais de estado situada em uma ilha; a única capital erguida por um povo europeu não português, com o nome de um rei não português; seu casario colonial praticamente intacto, com seus azulejos portugueses únicos; o jeito despreocupado e alegre da sua gente de característica bem festeira, etc., mas a sua história, em grande parte oculta ou indisponível aos olhares digitais do navegador comum, mostra lutas sangrentas pela sua pertença ao império português, contra os franceses (1612-15) e holandeses (1641-44), e em sua busca de auto-afirmação, como na Revolta de Beckman, contra os desmando de uma companhia privilegiada e o intervencionismo, economicamente danoso, para as condições da época, dos padres jesuítas. Nesse episódio, ocorrido em 1684 estão as sementes de um mal estar latente entre setores importantes da sociedade civil e o clero católico, que no caso do Alto Alegre atingiu o seu ápice - naquela época, porém, os padres puderam contar com o prestígio do grande Antonio Vieira e a força do estado português, e voltaram vitoriosos, após breve expulsão.
            A tensão social, hibernado nas raízes da planta maranhense, mostra suas garras no tormentoso processo de adesão do Maranhão à independência do Brasil e explode em toda sua virulência na revolta da Balaiada (1838-41), travada ao arrepio em massa das mais elementares normas de uma guerra "civilizada", onde saques, incêndios, assassínios, estupros, etc. se seguiam à vitória - atingindo sua maior visibilidade na primeira tomada de Caxias - fruto das desavenças políticas da elite agrária local, da arrogância do elemento português e do desespero do povo, principalmente índios e negros, cujos abusos espontâneos foram punidos com abusos "legais" após a derrota do movimento, obtendo-se assim a "pacificação" dos ânimos, depois de mortos todos os que discordavam.
            O Maranhão cai então sob o domínio de oligarquias familiares que administram a província de acordo com os seus interesses imediatos, é um período de fausto e sofisticação cultural que atrai a São Luis muitos políticos importantes do Império atrás de experiência administrativa. Nas relações interclasses permanece a violência racial e social, cujo melhor exemplo e símbolo é a controvertida fazendeira Dona Ana Jansen, tão odiosa no trato com os mais pobres e escravos - que a mandaram para o inferno em uma carruagem assombrada - como amada e reverenciada pelas elites, em monumentos públicos (10).
              Na área indígena pontuava um comércio desigual de trocas travadas entre índios e comerciantes fluviais, que se deslocavam em grandes barcaças chamadas "regatões". Nessas trocas os índios recebiam utensílios manufaturados diversos em troca de produtos valiosos da floresta e trabalho - nesse esquema também entravam os grandes proprietários próximos às aldeias, vilmente esbulhadas pela Lei de Terras de 1850, cuja aplicação era controlada pelas autoridades estaduais e locais, o que dava azo aos maiores abusos, obrigando os indígenas a trabalhos excessivos. Em 1861 ocorreu um episódio sangrento envolvendo os guajajaras: cansados de tanta exploração sete índios atacam a matam nove não-índios; o polícia intervém, espanca os índios e sequestra nove crianças índias para serem criadas por não-índios. Algo do tipo "peças de reposição".
            Com a grande seca de 1887-90, muitos caboclos e não índios, se deslocam para os sertões do Maranhão em busca de sobrevivência por meio da extração e beneficiamento do óleo de copaíba, ocupando caoticamente terras indígenas em meio a contatos precários e conflituosos. Escorraçados pelas doenças os índios buscam refúgio cada vez mais dentro da mata fechada. 
            Devia haver uma de sensação de encurralamento enorme. Veja-se, a seguir, um trecho escrito em 1862 por Francisco Carlos de Araujo Brusque, o que deu o nome à cidade de Brusque (SC), à época em que era governador do Pará: "O índio [em sua aldeia] acolhe benigno aquele que o procura. Certo disso, não faltam aventureiros, que... mediante o adiantamento de alguns objetos... dentro em pouco ganham império sobre a tribo, a qual governam ao seu bel prazer... ninguém mais ali entra, e a vontade de regatão é a lei... E o pobre índio lhes obedece cegamente... [entretanto] é o regaço da família, o terreno, em que o regatão exerce, às vezes, a sua mais brutal ferocidade. Quando não seduz a esposa, rapta a filha e quase sempre arranca do grêmio da família tenras crianças que em seu regresso ao povoado reparte entre seus comparsas [como escravas para o trabalho e para o sexo]..." (http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/17637/17637_5.PDF, acesso em 19/04/12)  
            No final do século XIX, devia ainda estar viva na memória dos maranhenses mais cultos e antigos a feroz resistência que a Junta Governativa opôs, no Maranhão, a adesão da Independência, junta essa presidida pelo bispo franciscano Frei Joaquim Nossa Senhora de Nazaré. Com ele não tinha conversa: quem conspirasse era preso e mandado direto para a metrópole; as cartas que Dom Pedro e José Bonifácio lhe mandaram ele remeteu direto para D João VI, em Portugal. Obcecado, ele recusou-se até o último instante a reconhecer que a sua causa estava perdida, o que lhe valeu a sua expulsão do Maranhão, e a tentativa dos patriotas de também expulsar os franciscanos, como se havia feito com os jesuítas no tempo de Beckman (11).
            Em 1895, devia haver muito maranhense, culto ou não, em Barra do Corda e em São Luis que, fosse por razões históricas, razões sentimentais ou razões econômicas, estava falando para seus botões: "mais uma leva de franciscanos para ficar atravessada na nossa garganta".

            A postura dos frades e freiras

            Tirando os elementos mais radicais, decerto minoritárias, a missão dos frades foi recebida com satisfação e esperança pela maioria da comunidade não índia, uma vez que o empreendimento significaria mais investimentos, mais escolas e cultura para a região, e os antigos brasileiros deviam ver a educação, como os atuais ainda a veem: uma panaceia; é só por o menino lá dentro que ele sai, do outro lado, homem culto, profissional eficiente, cidadão consciente, sem que seja necessário, sequer, dar bom exemplo. Convenhamos, se a nossa concepção de educação formal, hoje, é muito ingênua, imagine-se numa época em que era muito mais rara!
            Como vimos anteriormente a Igreja Católica, como instituição, era firmemente contrária ao darwinismo e à eugenia dele decorrente, mas é difícil aquilatar até que ponto essas ideias não interferiam na mentalidade de uns e outros de seus membros isoladamente. Como sabemos os frades e freiras que vieram para Barra do Corda eram da Lombardia, região ao norte da Itália, fortemente germanizada e varrida pelas novidades cientifico-tecnológicas oriundas do resto da Europa, logo boa parte da postura dura em relação às raças "inferiores", típica das correntes eugênicas devia sacudir um pouco a fé desses religiosos - na carta de um frade, aparentemente capuchinho, chamado Celso, de abril de 1889, reproduzida em um documentário sobre o Alto Alegre, o religioso compara os nossos índios aos africanos, objetos diletos do horror eugenista, dizendo que aqueles, como estes, são "indolentes, mentirosos e traidores" (http://www.youtube.com/watch?v=-61pldLpa1k). Descobertas fantásticas recentes, como os primeiros ossos de animais gigantes, recém-descobertos colocam em cheque a noção de inspiração divina da Bíblia. Se a Bíblia é um texto inspirado e infalível como pode ignorar a existência de animais tão grandes? E se esses animais existiram e extinguiram sem deixar lembrança entre os mais antigos, então o mundo deveria ser muito mais velho do que supunha o texto bíblico. Foi necessário que papas como Leão XIII e Pio XII escrevessem orientações minuciosas sobre o assunto, para dirimir a confusão que se formava na cabeça das pessoas, por causa dessas descobertas e de outras mais. É possível que muitos membros do clero duvidassem sobre algumas normas da Igreja.
            Um texto sempre citado, e eu não fujo à regra, sobre a forma como os frades viam os índios é o de Frei Bartolameo da Monza: "[os índios levavam] vida brutal, entregue à dissolução, à crápula, à mais terrível lascívia; fatal prerrogativa da humanidade corrompida que desce abaixo do nível dos brutos privados de razão. Eles viviam num estado de antinatura..." (citado por Isabel Missagia de Mattos. "Missão religiosa e violência: Alto Alegre, 1901". Texto online; acesso 21/04/12), de 1908, sem considerar que foi escrito sob o impacto da morte recente de antigos companheiros e a confirmação da paranoia de que todo mundo estava contra a Igreja, sem considerar que ela também se virara costas ao mundo, ao recusar diálogo com o mundo moderno.
            Feita essa ressalva, porém, eu creio que os poucos extratos de cartas dos frades e das freiras escritos para seus parentes na Itália demonstram uma certa prevenção e preconceito contra os índios - bem visíveis no descaso de frades e freiras quanto às notícias, relativamente abundantes, de que a missão corria perigo, antes do ataque - embora ninguém cite trechos que demonstrem outros sentimentos, nem afirmem claramente que outros sentimentos, mais benignos, não existiam. Ficamos na dúvida por falta de mais informações.

            Uma metodologia desastrada

            Os velhos jesuítas havia ensinado o caminho real da catequização das comunidades indígenas na América: "comece pelas crianças". Ao fundarem um internato de meninas em São José da Providência, os capuchinhos aparentemente, seguiam as pegadas de seus precursores. Repito, "aparentemente".
            A perspectiva dos missionários, porém, era outra. No início do século XVI, a Igreja Católica, passava por maus pedaços por conta do movimento da Reforma Protestante. Quando os jesuítas vieram para a América, a postura era de encontrar nas populações autóctones uma nova leva de fieis que ajudasse a equilibrar o jogo de poder, compensando as perdas na Europa; os índios seriam a "salvação" da Igreja Católica, ainda que vistos com certa desconfiança - a Igreja demorará a aceitá-los como padres.
            Assim sendo os jesuítas, em geral, assumiam uma atitude de cautela respeitosa, procurando não forçar a conversão, ainda mais que havia uma certa tensão entre eles e o Estado, uma vez que sua pretensão era tornar os índios, antes de tudo, fieis adeptos da Igreja e do Papa que ao estado colonial - o que acabou gerando a sua expulsão em 1756 - embora não recusassem a ajuda, por vezes bruta, desse mesmo estado. Daí proveio as dissensões tremendas, e por vezes violentas, entre eles e as frentes de colonização.
            Ao interná-los em missões os jesuítas queriam protegê-los tanto da exploração econômica por parte dos colonos como da heresia religiosa e dos maus costumes, que também poderiam advir da parte de colonos revoltados com a intromissão dos padres em seus objetivos econômicos. Seria uma forma de melhor prepará-los para serem "bons cristãos" na perspectiva do catolicismo. Eles. os jesuítas, descobriram que, na maioria dos casos, a conversão dos curumins era varinha de condão para a conversão de toda a tribo, e eles trataram de trazer essas crianças para junto de si, mas sem isolá-las da família, conservando a unidade familiar indígena. A fidelidade e a crença dos jesuítas no seu ideal missionário foi tamanha que eles não hesitaram em entrar em conflito aberto com o primeiro bispo do Brasil que exigia a europeização dos nativos antes de qualquer coisa. Entre os capuchinhos de Barra do Corda foi diferente.
            Os índios, no final do século XIX, eram vistos pela lente de uma sociedade cada vez mais marcada pelo racismo cientificamente comprovado e  por uma percepção de um clero traumatizado pelos últimos acontecimentos na Europa, que tendia a colocar tudo o que estava fora do "corpo", a Igreja, como "inimigo" declarado ou potencial. Nesse sentido os índios eram apenas só mais um elemento que comprovava, pelos seus hábitos "rudes", ou muito diferentes do padrão europeu, o pecado que dominava o mundo. Gente precisada de salvação, decerto, porém mais por uma questão de caridade, uma concessão, um dever de ofício, só isso.
            Como os jesuítas os capuchinhos também centraram seus esforços nas crianças; mas fizeram-no de uma forma diferente: seguindo o que havia de mais moderno e "chique" resolveram educar as indiazinhas em regime de internato - uma escola onde as crianças são isoladas da família e passam a viver e estudar na escola, uma verdadeira comunidade infanto-juvenil - cuja disseminação tinhas ares de pandemia naquele período. Era o que havia de mais avançado em matéria de educação, vista principalmente como um mecanismo de controle sob as futuras gerações. O problema é que dadas duas sociedades tão diferentes, a civilizada e a indígena, o que era vantagem para uma significava, necessariamente, perda ou crise para a outra, pois o internato das meninas significava a desestruturação da família indígena, com a criação de um passivo emocional imediato e de gravidade difícil de aquilatar.
            Mas os frades tornaram ainda pior o que já era ruim, pelo método usado para atrair as meninas para o internato: o rapto ou sequestro, puro e simples: um frade, acompanhado de três a quatro homens da missão, ia até a aldeia e simplesmente pegava as meninas que estavam em idade de entrar para o internato, de nada adiantado os rogos e protestos das mãe - o curioso dessa atitude é que a Igreja Católica da época reforçava muito o papel da família e dos laços familiares, até como uma forma de combater a liberal-ética capitalista que superexplorava o trabalho de mulheres e crianças, pagando baixos salários, desagregando a família trabalhadora, o que nos faz suspeitar mais ainda de uma contaminação cultural da parte dos frades. Quando o pai chegava de sua caçada ou de seu afazeres nas fazendas dos não índios encontrava a esposa "de caldo", em uma rede, chorando a perda de parte de seus filhos, levada "na marra" por aqueles que diziam querer melhorar a sua vida e protegê-los da exploração dos regatões.
            De fato, ao agirem daquela maneira os frades copiavam, inconscientemente, os desmandos dos regatões contra os quais tão firmemente se colocavam, fazendo uma mixórdia na cabeça dos índios. E o que era pior: os regatões levavam as crianças para longe e nunca mais seus pais as viam, dando-as como mortas, trazendo à baila mecanismos psicológicos de resignação, mas nessa  caso era diferente, pois as meninas estavam ali próximo separadas deles só pelas paredes da missão, as quais eles não podiam atravessar para vê-las, só em datas específicas e raras. O único sentimento que poderia lhes advir disso tudo era o de impotência.
            Mas não há nada que não esteja tão ruim que não possa ficar pior. Em 1900, uma epidemia de sarampo se abate sobre a missão e mata várias alunas internas. Os índios, em polvorosa, acorrem ao internato, levando seus pajés, afinal a mágica dos padres não era tão poderosa como eles diziam. As freiras recebem muito mal aquela manifestação natural de terror "primitivo", e pelo que se pode ler das cartas de uma freira, elas se sentiram bastante incomodadas pela presença dos índios na missão, com suas demonstrações tão vívidas de dor, pelas que morreram, e de medo, do que possa acontecer às que ainda vivem. E fazem de tudo junto às mães, para manter as internas, sendo, aparentemente, bem sucedidas. Esse episódio parece mostrar que em meio à mais pungente tragédia humana as freiras não conseguiam se desligar do institucional. Coisa de europeu curtido por uma infinidade guerras sem sentido.
            Os índios passaram a sinalizar, e o fizeram várias vezes, que a sua paciência estava no limite. Algumas cartas dos religiosos revelam que havia um clima de hostilidade aberta e de agressão só a custo reprimida nas últimas visitas dos frades às aldeias, mas eles preferiram atribuí-las somente às intrigas e insinuações espalhadas pelos comerciantes e fazendeiros que exploravam aos indígenas. Não se viam como pertencentes àquele mundo; se existia o mal, o mal era só dos outros.

            O estranho Caboré

            O cacique João Manuel Pereira dos Santos é o personagem mais central dessa história. Logo no início da missão ele foi o elemento chave de contato dos frades, graças a sua posição de cacique reconhecido entre os índios e pela piedade com que assistia à missa e aos ofícios religiosos, sempre muito concentrado, o mais perto possível do altar. Um beato, enfim, e, aos olhos mais superficiais, um cristão modelar, pelo menos assim o viam os frades que não cessavam de "rasgar seda" para o cacique Caboré, sem considerar que ao assumir a frente de todos no ritual litúrgico dos frades o cacique estivesse apenas reafirmando, dentro da nova realidade da presença inexorável dos frades, a sua proeminência de cacique, sem esquecer que o cacique, entre os tupi, é também o pajé, médico e elo de ligação com o mundo dos espíritos, muitos mais do que por uma aceitação apaixonada da doutrina cristã. Mas foi assim que os frades quiseram vê-lo, até um fato fortuito levar tudo de roldão e armar o gatilho da mortandade.
            O cacique, fazendo uso das prerrogativas do seu posto, e fez subir à tona a sua cultura originária, abafada pelo fino verniz do cristianismo, e assumiu a sua crença na máxima popular nordestina: "para cavalo velho o remédio é capim novo", ligando-se a outra mulher, desprezando a "oficial", a cujo casamento acorreram as mais altas autoridades do estado. Os frades, acionados pela esposa desprezada, reagiram como um touro em uma loja de cristal: mandaram trazer o cacique impenitente e o expulsaram da missão, e como ele começasse a fazer propaganda contrária aos frades, estes o mandaram prender e ele esteve durante um mês recolhido a uma cela, acorrentado. Era uma humilhação imperdoável para um homem de sua posição, depois de um mês ele foi libertado e voltou para a sua aldeia, planejando vingança.
            Com muita inteligência e "manha", Caboré faz chegar às autoridades o seu desejo de armar seus homens com armas de fogo, para facilitar, senão "modernizar", as atividades de caça e de agricultura. Caboré é recebido pelo governador João Gualberto Torreão da Costa, que lhe nomeia chefe supremo dos guajajaras, e, confirmando o prestígio deste, presenteia-o com espingardas, rifles, munição abundante, uma maquineta para fabricar munição, facas, tesouras, ferramentas agrícolas, etc. Caboré sai armado até os dentes, enquanto as autoridades exultam: era a civilização chegando ao interior do Maranhão, onde índio caça com arma de fogo. Arco e flecha já era!
            Várias coisas estavam azucrinando a cabeça dos índios que habitavam aquela região: a exploração antiga, desumana, mas muito matreira, dos regatões, que ao menos fingiam assimilar a cultura dos índios, vivendo no meio deles por uns tempos, enquanto os frades deixavam bem claro o seu desejo de ver sua cultura desaparecer;  a redução da sua área de caça, pela chegada contínua de não índios, acelerada depois da instalação da missão; a guerra verbal constante de padres, comerciantes e fazendeiros, falando mal uns dos outros e culpando-se reciprocamente dos males que se abatiam sobre os índios; o violento rapto das crianças para o internato; a humilhação de Caboré, que agora, fortalecido, começou a levantar todas as aldeias próximas para dar cobro a tanta humilhação, arrasando São José da Providência.

            O massacre e a reação das autoridades 

            Com certeza, o que aconteceu em São José da Providência foi um massacre, cujo momento e detalhes foram cuidadosamente combinados.
            a) o momento do ataque foi a primeira missa de Domingo de Páscoa, de manhã cedinho, a solenidade maior entre os católicos. Com certeza nessa missa se congregaria o maior número possível de gente, todos desarmados. Essa gente não teria nenhuma chance de defesa.
            b) durante a noite e pela madrugada os índios acercaram-se das casas dos moradores e mataram, envenenados, os cães que costumavam fazer a guarda da família e poderiam, com seus latidos, denunciar a presença dos índios precocemente.
            c) o ataque foi repentino e ninguém foi poupado, exceto umas meninas não índias que estudavam na missão, em uma resposta recíproca ao rapto dos meninos índios em 1861, para repor os regatões mortos, ou o rapto que os frades faziam quando iam pegar crianças para levar para a missão.
            d) todas as estradas que davam para as cidades de Barra do Corda e Grajaú foram fechadas, e todas as pessoas que foram pegas, nos dias seguintes, cruzando essas estradas foram mortas e seus corpos jogados na mata.
            Uma matança fria e terrível em todos os sentidos, mas na mais absoluta legítima defesa, uma vez que tanto autoridades, como comerciantes e frades não estavam dispostos a dar a mínima atenção aos reclamos dos índios. Agiam como se eles fossem animais brutos ou crianças ou retardados mentais. Foi uma ação de desespero de quem foi encurralado por todos os lados até o último grau.
            A pífia reação das cidades próximas no primeiro momento, mostra que se os índios quisessem ir mais fundo na revolta poderiam ter feito muito mais estragos. É típico da nossa administração pública: todo mundo sabe que a situação é explosiva, que pode causar uma tragédia, mas nenhuma providência séria é tomada, e quando a desgraça mais que prevista ocorre é um Deus nos acuda! 
            O governador Torreão agiu com cautela em relação aos índios, mas com presteza em relação à imprensa e à sociedade, enviando para a região o tenente-coronel Pedro José Pinto, com ordens expressas de "pegar leve", de agir com muita moderação em relação aos índios, o que da parte do Tenente-Coronel parece que aconteceu. A posição do governador era de fato muito delicada pois apoiou as iniciativas dos frades, apesar da oposição boa parte da elite econômica e cultural do estado; ele deve ter ouvido muito "eu não te disse..." 
            Outro fato que complicava muito a vida do governador era a farta distribuição de armas e munição para os guajajaras, material esse que foi usado no massacre, o que tornaria o governador um co-autor da chacina, uma vez que quem entrega uma arma na mão de um irresponsável, e o índio era visto assim pela nossa legislação, responde pela besteira que o irresponsável fizer. E não só! Ele foi clara e publicamente ludibriado por uma pessoa que quase todos tinham na conta de "selvagem" e "sub-humano". Sabendo como era pesada a disputa política entre as oligarquias da Primeira República, não seria demais supor que seus opositores começassem a apresentá-lo como o governador mais "trouxa" da história do Maranhão, "enganado por um índio!"
            Sobram razões, enfim, para que a elite política maranhense pusesse mão à obra para ocultar tudo o que pudesse desse episódio, apesar do seu alcance e gravidade, no que foi muito bem-sucedida. Quem, de fora do Maranhão, sabe do que aconteceu no Alto Alegre? Quantas pessoas, índios e não índios morreram nessa guerra - o jornal O Norte calcula uma duzentas pessoas massacradas na missão? Quantos soldados e recursos foram usados para debelar a revolta? De quanto foram as baixas entre as tropas do governo? Em que circunstâncias morreram os índios que tombaram ao longo dos meses de guerra que se seguiram ao massacre da missão? Todos cairam lutando, os prisioneiros foram respeitados, não combatentes (mulheres e crianças) foram poupados? Enfim um relatório circunstanciado de um dos maiores conflitos armados da história do Brasil, mas não há nada, nada, nem fotos, nem gravuras, nem números, pelo menos disponíveis. Oficialmente, não aconteceu nada digno de nota no Alto Alegre em março de 1901!
            Em agosto de 1901 a sociedade de Barra do Corda recebe, em festa, a coluna do capitão Raimundo Goiabeiras, trazendo o Caboré vivo e preso para a prisão, para se juntar a outros líderes da trama já capturados. Seria feita justiça?

            A guerra ideológica

            Passado o susto inicial, quando todos se uniram para lamentar o trágico fim dos frades, das freiras e dos moradores da missão, e muitos se questionavam, de um lado e de outro, se não haviam exagerado na concordância ou na oposição aos frades, voltaram as rixas antigas, com toda aquela pletora de superficialidade e biles que marcam as grandes divergências nacionais.
            Dois jornais se destacaram marcando posição contra e a favor dos índios: O Norte, de Barra do Corda, e o Diário do Maranhão, de São Luis, mas não creio, contrário do que diz Miramny Guedelha - cujo artigo,disponível em http://www.turmadabarra.com/histo6.htm, eu usei como base - não creio que o fator geográfico, proximidade x distância dos acontecimentos, tenha servido para dar um posicionamento mais, ou menos, parcial a um que ao outro. Mesmo não conhecendo bem a história da imprensa no Maranhão eu creio que ambos os jornais apenas expressaram, naquele momento, posições tomadas previamente.
            Ao jornal O Norte, que desde o início, segundo o texto de Guedelha, apoiou a missão dos frades, saudando-a como o sinal de novos tempos, tomou o partido dos frades e pediu punições severas àqueles que inviabilizaram essa "profecia", chamando-os de "selvagens", "facínoras", etc., lamentando deveras o resultado do julgamento.
            De fato, ao terminar o julgamento, em 27 de julho de 1905, os índios sobreviventes foram absolvidos, após amargarem quase quatro anos de uma dura prisão que matou a maioria. É O Norte quem denuncia a ação da Maçonaria, "mexendo os pauzinhos" por trás do julgamento, para conseguir a absolvição dos indígenas, bem no estilo em que se dava a disputa feroz entre o clero católico e os maçons, e que se arrastava desde a questão religiosa, fruto da romanização acelerada da Igreja Católica no Brasil. Guedelha, entretanto, "força a mão" ao sugerir que O Norte, ao pedir punição exemplar, dentro da lei, para os matadores dos frades estaria querendo estabelecer uma "Lei do Talião", e que seja "partidário de uma nova matança desenfreada, mas desta vez contra os índios" - a autora abandonou, aqui, os afazeres de historiadora para fazer uma declaração tipicamente "partidária", não hesitando em "forçar" a interpretação de palavras descontextualizadas, o que não ajuda na discussão do tema, mostrando inclusive desconhecer que nessa época não havia pena de morte no Brasil.  
            Já o Diário do Maranhão, de São Luis, mais próximo da elite intelectual maranhense, repercute previamente, sem surpresas, os ideais positivistas e maçons, tipicamente anticlericais, que por uma série de razões históricas, parcialmente apresentadas no início desse artigo, combatia veementemente a interferência da missão dos padres na vida indígena. A crença de que o elemento indígena, mas primitivo, seria gradualmente absorvido pela sociedade "civilizada", mais complexa e influente tem tanto a ver com o ideário positivista como com a ideia de que o indivíduo é produto do meio, tão cara ao pensamento científico mais avançado da época. Os meios de comunicação e as máquinas dobrariam, mais cedo ou mais tarde as mente "ingênuas" dos índios e tornaria as religiões anedóticas lembranças do passado.
            É sintomático que para defender a causa dos índios o Diário do Maranhão busque ajuda dos típicos comentários anticlericais, comuns na Europa da época, sem esquecer o "mantra" da inquisição, usando termos castiços como, "guante férreo do ideal catholico", estamos no Maranhão, "torturas inquisitoriaes" sobre os índios, aos quais também se impõe "a crença de um torquemada", seguido de números inflados sobre as vítimas da inquisição - o jornal não hesita em chamar a atenção para algo caro aos antigos brasileiros, o xenofobismo e/ou melindres nacionalistas, que apareceram também durante a Questão Religiosa de 1872, quando os jornais do Rio acusavam o Papa de ingerência na "soberania nacional", impondo restrições aos maçons dentro da Igreja, lembrando que os frades eram "alienígenas" -  mas não se referindo muito às condições locais, reais de existência e trocas entre índios e não índios, talvez pelo temor de tocar em questões tão substantivas quanto delicadas, como a posse da terra. Em um arrazoado tão elevado como este, semelhante ao que era publicado, na direção oposta, pelo O Norte, tanto o índio como a realidade são apenas um detalhe.
            Em sua arenga contra o resultado do julgamento, O Norte, segundo trechos transcritos por Miramny, coloca as coisas de uma forma muito curiosa. Primeiro denuncia que os 12 jurados eram "partidários do governo", depois de dizer um pouco antes que a maçonaria teria conseguido excluir 24 jurados publicamente contrários aos índios, já com opinião formada antes do início do julgamento, o que, convenhamos, perfeitamente razoável, para em seguida entrar no mérito da absolvição conseguida pelo governo e a maçonaria, que argumentaram que "os selvagens, sendo imbecis e cretinos [no sentido técnico, não pejorativo], deviam ser considerados menores incapazes e, portanto, não responsáveis por suas ações! Declarados imbecis e cretinos, foram colocados em liberdade, não por que inocentes, mas porque, pela Maçonaria, os selvagens que destroem Missões e Colônias não são gente, mas bichos irresponsáveis por seus atos".
            Mas o que este jornal está querendo dizer? Se os índios são tecnicamente imbecis não podem, de fato, responder por seus atos, a não ser que o articulista, em meio a um processo de desmoronamento mental não reconheça a clara consciência como algo indispensável ao julgamento moral de uma ação, supondo que o ato em si, independente da intenção,  traz glória e desdouro para o seu autor, como fazem os povos que ainda vivem em uma compreensão mágica na natureza, como os índios, que o jornal combate (!), e aquela gente que, não sendo índio, se cumprimenta dizendo "anahuê!" E se eles, os índios, são pessoas maduras, responsáveis por seus atos, etc., então não só a missão mas toda política em relação aos índios, do Brasil imperial e republicano, deve ser considerada um crime hediondo, pois ninguém nunca os escutou, respeitou e deu voz, e a ação deles se torna a mais legítima defesa.
            Creio que tanto os "anticlericais" do Diário do Maranhão, como os "clericais" do O Norte, estão mais interessados em discutir as suas diferenças ideológicas do que entender o que realmente aconteceu, e o fazem, cada um ao seu modo, expressando o mais esculachado racismo.

            O fim do Caboré e dos "mártires"

            Caboré foi preso no final de agosto de 1901 e levado à cadeia de Barra do Corda, entrando na cidade em cadeias, em meio ao júbilo popular, com direito a foguetório e banda de música. Porém a 14 de novembro daquele ano ele finava, na cadeia, vitimado oficialmente de "morte natural",  provavelmente de febre palustre, um tipo de malária, que, naquele ano, abaterá outros mais, deixando em aberto a questão: como pode um homem tão curtido pelo vida, "osso duro de roer", ter morrido tão rápido e jovem? Alguns autores defendem a tese de que, ao contrário do que diz o atestado de óbito, ele teria morrido de maus tratos na cadeia, isso verdadeiramente é possível, uma vez que ele foi mantido em Barra do Corda, próximo às pessoas que haviam perdidos amigos e parentes na missão e que teriam todo o interesse em se livrar do Caboré, inclusive com a ajuda, voluntária ou não dos carcereiros. Até hoje muita coisa "misteriosa" acontece em nossas delegacias e prisões.
            É possível também que a morte de tantos líderes indígenas, principalmente os mais destacados, que conseguiram ser capturados, alguns poucos, fugiram e se internaram nas matas que só seriam conhecidas na Expedição Roncador-Xingu. Não afirmo que a morte dessa gente tenha se acontecido com a autorização e o consentimento das autoridades locais e até estaduais, como uma compensação pela absolvição da "arraia miúda", já em andamento ou decidida nos bastidores, como sugerem os articulistas do O Norte, mas que a morte desses chefes veio a calhar, veio!
            E quem era o Caboré? De onde veio? Ninguém sabe. Não ficou sequer uma foto ou uma gravura desse homem que deixou metade do Estado do Maranhão em polvorosa. A operação "apaga memória" foi muito bem feita. Talvez muitos documentos e  ilustrações valiosas tenham se perdido na invasão da missão, o que não impediria nova leva de gravuras e documentos no momento seguinte, se houvesse interesse das autoridades. E a única descrição que se tem dele é de que era um homem relativamente baixo, troncudo, com idade em torno de quarenta anos - qualquer índio pode ser ele - que foi criado por uma família de não índios, a quem abandonou repentinamente, na adolescência, sinal que podia estar sendo maltratado, para voltar aos seus. Será que o Caboré fazia parte daquele grupo de crianças que foi sequestrada dos guajajaras para compensar a morte dos nove regatões de 1861, exatos quarenta anos antes, se foi é uma incrível e simbólica coincidência.
            E, de fato, ele não era bobo, e quando viu que as coisas não iam bem para o seu lado e que nada mais podia esperar dos seus, tratou de arranjar-se novamente com os brancos e o seu deus, aceitando, ou fingindo aceitar, o retorno à Igreja Católica, morrendo dois dias após receber a extrema-unção, atual unção dos enfermos, dada pelo padre capuchinho Roberto Castellanza. A parte dele ficou resolvida e os "brancos" agora que se entendam - o caso de Caboré ilustra, como poucos, a inutilidade das conversões forçadas, conseguidas pela força, pela pressão ou pelo engano, e isso era uma lição tida como certa, para quem não vivia isolado do mundo, desde o século XVIII. 
            Dizem que quando o Papa Leão XIII, o da Rerum Novarum, recebeu a notícia do massacre teria dito que os frades eram os "primeiros mártires do século vinte", e não seriam os únicos, muitos mais morreriam de forma muito mais numerosa, trágica, cruel e gratuita do que os que tombaram em Alto Alegre, e os seus carrascos não seriam a "crápula" ou as "bestas da floresta", mas civilizadíssimos europeus de sangue superior durante a Guerra Civil Espanhola, nas mãos da esquerda, e durante o Nazismo, nas mãos da direita. A Igreja Católica não conseguia entender os "sinais dos tempos".
            Tomados pela emoção do acontecimento os frades, na Itália, mandaram confeccionar um belo e dramático quadro, onde aparecem os 4 quatro frades e as setes freiras mortos, com o leigo e a leiga também assassinados, tocando de leve várias crianças, de cabeleiras bem pretas como são as dos índios, que olham para o céus vendo-os como que se ascendendo à Deus, coisa que só as crianças, por serem puras de coração, podem ver. Algo bem tocante de se ver, e eu vi uma reprodução desse quadro no convento de Guaramiranga, sem falar que na frente da igreja matriz de Barra do Corda, erigida pelos capuchinhos, foram afixados discos sobre a porta principal com as efígies dos frades e feiras mortos. Seriam de onze a treze santos canonizados de uma vez só, trazendo prestígio para a ordem.
            Mas à medida que os detalhes da história iam sendo  conhecidos e as práticas dos frades vinham à luz, configurando a lamentável, mas inequívoca participação dos frades em toda aquela tragédia, a campanha arrefeceu, e ninguém mais pensa em pleitear a canonização daqueles homens e mulheres, que ingênua, mas conscientemente, levaram tamanha desgraça à tanta gente a quem se dispunham ajudar. 
            Em um documentário recente sobre o massacre, o quadro original dos mártires foi filmado,  pegando poeira no porão, um depósito de velharias inúteis, de uma igreja de Milão. Bispos e padres católicos rezam missa e homenageiam os capuchinhos mortos, mas não falam no assunto.             Virou tabu. 

            O fim do Alto Alegre

            Depois do episódio de 1901, os capuchinhos abandonaram provisoriamente o Alto Alegre, para voltarem, em 1959, alimentando a mesmas disposições de ampliar a colonização não índia das terras da missão, apesar de todas as lutas e outros massacres, dessa vez de índios, que ocorreram na região causada pela disputa das terras. E não só isso; vieram animados de um certo espírito de revanche, fazendo com que, após a recuperação do prédio da capela onde começara o massacre, fossem afixados nas paredes estojos de vidro contendo as vestes dos frades e freiras mortos naquele evento. 
            Uma verdadeira provocação, que sinalizava a não compreensão real do fenômeno - como vimos antes a disputa ficou toda restrita aos aspectos mais ideológicos vulgares impedindo uma compreensão mais objetiva do que acontecera, mostrando o não reconhecimento da participação dos frades no que acontecera. A culpa era só dos índios e dos não índios anticlericais. As coisas se arrastaram até o início dos anos 1970, quando, em resposta às mudanças ocorridas tanto na sociedade como na Igreja, não percebidas pelos frades, os índios, com o apoio da FUNAI e do CIMI, órgão da Igreja Católica, começaram a reivindicar a posse da terra onde estava a missão. Os capuchinhos se recusam a abandonar as terras da missão e levam a questão para a Justiça Federal, onde o máximo que conseguem é uma indenização pelo abandono de sua propriedade.
            Afinal eles dão-se por vencidos e abandonam os prédios da missão, agora em terras guajajaras, levando tudo que puderam carregar, deixando apenas as paredes enormes, formidáveis, do antigo prédio que um dia fora a sede de seus sonhos e a capelinha dos "mártires" - Miramny Guedelha acha que isso foi um crime contra o patrimônio histórico, mas eu prefiro refletir que se as nossas gradas autoridades são as primeiras a destruir o patrimônio histórico, principalmente o documental, nós podemos cobrar a padres estrangeiros que cuidem dele, afinal uma parte dos recursos usados para levantar São José da Providência vieram da Itália? Os índios teriam interesse e condições técnicas para conservar essas construções, sem falar que elas também seriam a lembrança de algo que trouxe tanto sofrimento para eles, afinal os seus líderes foram absolvidos pela justiça, mas não pelo povo local, que a partir daí acirrou a tradicional hostilidade que alimentava pelos teneteharas, inclusive em conflitos sangrentos na década seguinte? Sem manutenção essas paredes, um dia, vão desabar, e talvez ferir alguém, melhor seria demoli-las. 
            O sonho de progresso unilateral, autoritário, oportunista, previsto pelas autoridades para os sertões do Maranhão acabou em um espetacular e esquecido banho de sangue e cascatas de mágoas que se arrastam até hoje. Passeando por uma praça, creio que de São Pedro dos Cacetes - uma localidade que os não índios tiveram que abandonar quando a área foi demarcada pela FUNAI como sendo da reserva tenetehara - um velho cacique, no documentário acima citado, reclama, desconsolado, que enquanto na matriz de Barra do Corda estão estampados a imagem dos frades mortos pelos índios "ninguém se lembra de nossos mortos".
            Pelo que pudemos ver, os índios perderam, os frades perderam, a comunidade não índia das imediações perdeu. E quem ganhou com tudo isso? Creio que foram os de sempre. Eles. Aqueles que desde o começo de nossa história tiram vantagens às custas de índios, escravos, brancos pobres; que são hábeis em apagar os vestígios de seus crimes ou de sua falta de juízo; que aparecem todo dia nas telas de nossa TV inundando a nossa sala de estar com lama de sua corrupção incurável; e os seus eternos sócios e corruptores; e que continuaram tirando vantagem da ignorância, da pobreza e da perplexidade dos envolvidos nos anos que se seguiram e até hoje.

            A infeliz Perpétua memória efêmera

            Podem dizer o que quiserem, mas mesmo reconhecendo que a explosão de desespero, sangue e dor do Alto Alegre teve muitos fatores combinados, entre os quais destacamos a luta pela posse da terra e pelo direito à sobrevivência cultural por parte dos índios, mas para onde quer que nos viremos nessa história damos de cara com um acontecimento envolvendo crianças.
            Quando os índios atacaram o Alto Alegre, sabe-se que algumas crianças não índias foram poupadas e levadas por eles, o seus nome e o seu número são controvertidos, assim como o seu destino - segundo o frei Bartolameo da Monza as meninas raptadas foram: Guilhermina Moreira, Benedita Mourão, Perpétua Moreira, Petronila, Tunica, Celestino, Petronilia Ribeiro e Ursula Ribeiro, enquanto outros citam três: Perpétua Moreira, Úrsula Ribeiro e Isabel. Vá saber!! O certo é que, pelos registros mais, só uma, Ursula, foi recuperada pelas forças policiais-militares, "deixada para trás por ser muito pequena", segundo o frei (12).
             O destino das outras é controvertido. O frei preferiu exarar a opinião mais "piedosa" de que todas, "presume-se", foram mortas, mas para a imaginação popular era preferível algo mais angustiante e cruel, típica daquilo que os não índios costumavam esperar dos índios, quiçá projeções das maldades que eles mesmos faziam, há muito, com as indiazinhas, ou da raiva que tinham contra o pai de uma garota, a adolescente Maria Perpétua dos Reis Moreira, a Perpetinha, dileta filha de um importante fazendeiro local - não se esqueçam que entre os não índios era muito chique, nessa época, poder manter um filho ou filha em um internato de padres e freiras, ainda que misturados com índios e ou alunos pobres bolsistas, uma vez que a religião ajudava a atenuar as diferenças de classe e o "capital" não tinha o status que tem hoje. 
            Em torno de Perpetinha surgiu a tradição de que ela tinha sido tomada por um cacique particularmente feroz, chamado Jauahauru, que se apartou de Caboré logo nos primeiros momentos - os caciques são muito zelosos de sua honra e de sua posição na aldeia, e por isso não aceitam fácil se manter, por muito tempo, sob o comando de outro cacique - e se internou nas matas da Amazônia, levando Perpetinha com ele, na condição de "concubina", que na cultura não índia não passava muito de um "objeto sexual". Dizem que anos depois, décadas até, caçadores da região encontravam, riscada nos troncos de árvores da floresta, a seguinte mensagem: "por aqui passou a infeliz Perpetinha". Trágico, muito trágico!! Será verdade?
            Como dissemos antes, quase tudo que diz respeito a esse evento tão chocante é incerto em virtude da escassez de fontes e informes, principalmente das autoridades que passaram a controlar os acontecimentos seguintes ao massacre, dificultando, quando não impedindo, que se conhecesse todas as suas nuances e, por conseguinte, as lições passiveis de serem aprendidas por ele.
            Empurrando a história para baixo do tapete ou destruindo-lhe os vestígios sonega-se às futuras gerações a possibilidade de não repeti-los, e se marca a história do Brasil não como um acontecimento do interesse coletivo de longo prazo de toda uma sociedade, reduzindo-a a um assunto interno de interesses privados de curto prazo. Mas não dá para anular o coletivo, mesmo fazendo de conta que ele não existe, como frei Joaquim Nazareth fez com a independência do Brasil e os frades do Alto Alegre fizeram com os avisos de perigo que lhes vinham de toda parte.            O velho cacique de São Pedro dos Cacetes, lá até santo anda armado, reclama da falta de memória de longo prazo, eterno problema para alguém ou comunidade que ainda não domina a língua escrita, e tem uma percepção cíclica da história, mas que dizer de nós, não índios brasileiros, que dominamos a língua escrita e ainda assim não temos memória ou a temos tão efêmera e compartimentalizada em função de nossos interesses imediatos, que a repetimos ciclicamente, ainda que, em teoria, discordemos dos ciclos.
            A educação enciclopédica, verborrágica que se praticava no início do século XX continua no século XXI, com uma diferença, tornou-se menos verborrágica para ser mais imagética, culto da informática, exatamente como os bichos brutos fazem para reconhecer os sinais imediatos que lhes provem do ambiente tendo em vista a satisfação dos instintos, e dos quais nos aproximamos cada vez mais, enquanto políticos e autoridades educacionais só pensam em acrescentar novas rubricas ao currículo dos estudantes. As discussões jornalísticas dos acontecimentos de 1901 mostra o quão equivocada é essa formação; é só mais um pretexto para não nos envolvermos na realidade, como se alguém temesse que o povo brasileiro começasse a refletir sobre coisas concretas, denunciada pela enorme carga horária de português e matemática, e não existe concretude que não seja historicamente condicionada, algo que os historiadores precisam atentar.
            Não adianta fugir à realidade. No momento em que escrevo essas linhas sou informado que no sul da Bahia uma mulher é assassinada gratuitamente, em circunstâncias misteriosas, em uma área disputada por fazendeiros e índios, e que cinco fazendas foram incendiadas por índios impacientes com as demoras e protelações da justiça dos "não índios". Até parece que Alto Alegre foi ontem! Será que entraremos o século XXII com essa mesma impressão?

Notas

(1) A Ordem dos Frades Menores Capuchinhos (OFM Cap) foi fundada entre 1520 e 1528, dentro do espírito de renovação e enfrentamento do protestantismo, pregado pela Reforma Católica. Eles seguem a regra de Francisco de Assis, e embora tenham sido criados dentro de uma proposta de vida mais retirada, em contemplação e estudos, a sua evolução se deu no sentido inverso, de uma comunidade muito ativa e missionária, criando aquela imagem do capuchinho como "pau pra toda obra", nem um pouco intelectualizado. São conhecidos também pela sua enorme barba e elogiados como incansáveis, fortes, mas às vezes rudes, trabalhadores. No anedotário popular brasileiro são famosos pelo apetite e o pouco apreço à higiene pessoal, inevitável a quem, por opção, quer se fazer pobre entre os mais pobres. Mas antes que alguém se apresse em alguma generalização, é bom saber que o atual pregador do Papa Bento XVI é um capuchinho, Raniero Cantalamessa, por méritos intelectuais reconhecidos. 

(2) A Lombardia é uma região do norte da Itália, habitada desde a início da Idade Média por um povo de etnia germânica: os lombardos, diferentes dos habitantes do centro-sul da Itália, latino-mediterrâneos. Menos passionais e expansivos que os italianos do sul, os da Lombardia são mais "concentrados" e por razões que talvez a geografia, proximidade do centros econômicos mais dinâmicos do norte como França, estados alemães e império austríaco, onde o capitalismo floresceu mais cedo, e a cultura, um menor controle dos Estados Papais, expliquem, eles tornaram a sua região a mais próspera da Itália. Mas pelas fronteiras entravam não só créditos e débitos, mas também ideias, inclusive a da eugenia.

(3) Entre os tupis, a poligamia era uma marca de distinção. Era um dos principais fatores externos que marcavam a identidade de um grande líder, pois os pais das moças - o casamento entre eles eram acertados entre as famílias - preferiam casar suas filhas com um grande guerreiro, que lhes traria prestígio também por tabela. Quanto maior o séquito de esposas de um cacique, maior o seu prestígio e honra. É bom não esquecer que mesmo morando na missão, Caboré tinha que interagir também, e com moral, com outros caciques ainda não tão "civilizados". Jogo de "bicho grande". 

(4) Não sei dizer com segurança se as crianças índias que eram alunas da missão também foram mortas, pois várias delas aparecem no quadro que representa os mártires. Se foram é porque os índios achavam que elas já estavam contaminadas, enfeitiçadas, demais pela cultura dos brancos ou talvez elas tenham reagido muito mal à invasão da missão. Havia um choque marcadamente cultural.

(5) O termo "eugenia", "bem nascido", em grego, foi cunhado por Francis Galton para designar a sua teoria de melhoramento racial. Seguindo Galton eugenia seria "
 o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente" (cit. por Renata Negri Barbado. In, http://www.uscs.edu.br/simposio_congresso/congressoic/trabalhos.php?id=0506&area=Trabalhos%20da%20%C1rea%20de%20Humanas ), e o espírito desse movimento poderia muito bem ser definido pelas palavras do pensador uruguaio José Ingenieros: "os homens do futuro, educando seus sentimentos dentro de uma moral que reflita os verdadeiros interesses da espécie, possam tender até uma medicina superior, seletiva; o cálculo sereno desvaneceria uma falsa educação sentimental [de cunho essencialmente cristão], que contribui para a conservação dos degenerados, com sérios prejuízos para a espécie". Como prática, entretanto, a eugenia é muito mais antiga e disseminada, no infanticídio sistemático de crianças doentes ou aleijadas praticadas desde a Antiguidade, em todos os continentes, inclusive pelos povos indígenas da América do Sul e do Brasil.

            A questão que se colocava em fins do século XIX e início do XX, tinha muito a ver com a crença generalizada, mais pelas pessoas comuns que pelos cientistas, embora estes também houvessem adeptos, de que os caracteres de uma pessoa, que seria o modelo acabado da raça, de onde a busca do modelo padrão de cada raça no indivíduo isolado e na tipologia, seriam transmitidos para a geração seguinte por meio do sangue. A essa crença ajuntava-se a da estabilidade estrutural das raças, construídas e reforçadas por milênios de isolamento geográfico, como apregoava a melhor teoria evolucionista da época: a de Charles Darwin. Dessa estabilidade estrutural se evoluiu para o conceito de "pureza racial", com todos os mal-entendidos daí dedutíveis, associados imediatamente aos de raça "superior" e "inferior".
            A superioridade e a inferioridade de uma raça não eram causadas pelo querer e/ou pela maldade humana, mas era causada simplesmente pelos mecanismos naturais de evolução, por conseguinte seria um grande erro tentar misturar raças diversas, pois, seguindo o critério da transmissão, via tecido sanguíneo, dos caracteres dos pais nos filhos, se um cônjuge de "raça superior" se misturasse a um de "raça inferior", o que ia haver seria a "diluição" do "sangue superior" pelo "inferior", e vice-versa, com a perda de caracteres específicos às duas raças, com graves prejuízos para a  descendência do casal e sério risco à integridade das raças - os descendentes, "híbridos", teriam em si apenas de uma parcela enfraquecida as melhores características encontradas isoladamente, em estado puro, na raça de seu pai e na de sua mãe.
            É certo que era assim que a questão da "transmissão do caracteres adquiridos", defendida por darwinistas e lamarckianos, era compreendida pela maioria das pessoas comuns, letradas ou não, de onde toda uma série de analogias, figuras e símbolos associados ao sangue, como "sangue azul", associado aos membros da monarquia e o "sangue branco", associado tanto às "raças superiores" como a um tipo grave de câncer. Foi certamente em respeito à resistência de elementos não índios, ricos e pobres, a que suas filhas se casassem com curumins tecnologicamente competentes, mas racialmente inadequados, que fez com que os frades se animassem a criar um internato de meninas na missão de São José da Providência, evitando o transtorno futuro de uma massa de índios diplomados, mas solteiros, em uma cidade em fase de crescimento e efervescência progressista.
            Que ninguém se iluda, por mais repugnante que nos pareça hoje uma proposta como a da eugenia, naqueles tempos ala arrastou multidões de crentes apaixonados após si, inclusive pessoas do mais alto calibre intelectual e social da época, como Winston Churchill, o político inglês mais famoso do século XX, Alexandre Graham Bell, o inventor do telefone, Theodore Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, etc. Homens de uma grandeza intelectual incontrastável, socialistas e filantropos do mais alto gabarito, como o dramaturgo George Bernard Shaw e o economista John Maynard Keynes, abraçaram, entusiasmados, a eugenia. Os maiores ricaços americanos como Rockefeller, o magnata do petróleo, Averell Harriman, o magnata do setor bancário e das ferrovias, Andrew Carnegie, o magnata da indústria pesada, etc. faziam chover dinheiro em centros de pesquisas dedicados à eugenia. O próprio Galton fundou uma organização internacional para divulgar a eugenia, que teve como um de seus presidentes um dos filhos de Darwin, Leonard.
            No Brasil, por influência do pensamento de Lamarck e da cultura francesa em geral, no início do século XX, nós experimentamos um tipo mais "suave" de eugenia, uma vez que o pensamento lamarckiano, ao contrário de Darwin, creditava uma certa iniciativa ao indivíduo perante o "determinismo casual" das forças evolutivas, permitindo a espécie dirigir, com limites, o processo evolutivo, e a partir desse viés vingou mais, entre os nossos intelectuais, a ideia de que se se juntassem os elementos mais bem dotados de uma "raça inferior" com elementos da "raça superior" no final haveria vantagem com absorção dos elementos positivos dos dois indivíduos, transmitidos à sua descendência: "viva o mulatismo", tão caro aos portugueses! Atirávamos no que víamos e acertávamos no que não víamos.

(6) Quando a cidade foi saqueada pelo rei ostrogodo Totila, em 546, após permaneceu cerca de 40 dias desabitada depois do saque. No século IX a população da "cidadezinha de Roma era em torno de 10 mil pessoas. Durante muitos séculos, a única atração de Roma era ser a sede da Igreja Católica.

(7) O sentimento de perseguição injusta fez o discursos da Igreja ganharem, ora tônus de intolerância agressiva, como os anátemas que se seguiram a cada artigo de fé explicitado nos documentos do Vaticano I (1870), ora um tom melodramático, asfixiante, como observável no texto do livro "História de uma alma", de 1898, da monja carmelita Teresinha de Lisieux, que calou fundo no gosto das pessoas da época, mostrando toda a extensão do sentimento de perseguição, calvário e martírio, causado pelos pecados do mundo, que passava na mente dos católicos, e que fez o livro se tornar um dos maiores best-sellers de todos os tempos. 

(8) Na Inglaterra, por exemplo, menciona-se a luta bem sucedida travada pelo escritor, jornalista e filósofo inglês de orientação católica, Gilbert K. Chesterton (1874-1936), um dos gigantes da literatura inglesa, contra uma iniciativa do notório Winston Churchill, então Ministro do Interior, que quis, em 1913, aprovar uma lei que obrigava a esterilização compulsória de doentes mentais, a Mental Deficiency Act. Contra a eugenia Chesterton travou debates épicos com outra sumidade da época, o dramaturgo George Bernard Shaw, que, apesar de socialista e homem benemérito, era um entusiasmado eugenista.

(9) Em 1822 havia um clero-Igreja Católica visceralmente unido ao estado imperial graças ao acordo do padroado que tornava os padres virtuais funcionários públicos, devendo mais obediência ao governante que ao Papa, de onde o catolicismo meio "torto" que vingou em nossa terra, nada amigo da ortodoxia romana - o padre Antonio Feijó, enquanto deputado do Parlamento Imperial, tentou fazer passar uma lei na casa, abolindo o celibato sacerdotal. No ano de 1889 estava em curso o processo de romanização do catolicismo brasileiro, provocado tanto pela iniciativa de Rui Barbosa de separar a Igreja do Estado como pelo rescaldo da Questão Religiosa. Com a República o catolicismo brasileiro perdeu a sua principal fonte de receita e autoridade social. A acomodação à nova realidade foi muito mais dolorosa e desconhecida do que se pensa. É nesse contexto que ocorre o Alto Alegre.

(10) Gilberto Freyre, em seu "Casa grande e senzala" faz uma observação "estranha", afirmando, categórico, que os senhores de escravos do Maranhão eram os mais crueis do Brasil. A causa dessa crueldade, segundo Freyre, seria o contato mais estreito, quando comparado com outras províncias, que os maranhenses mantinham com a Europa, e que tanto os distinguiam dos outros brasileiros, e que, provavelmente, é o responsável por toda essa fama de gente culta e refinada. Freyre chega a citar um caso extravagante: como os senhores não permitiam que suas escravas se afastassem de seus trabalhos externos, como dar apoio aos homens na lavoura, para cuidarem de seus filhos, elas os levavam para o campo e os deixavam enterrados na areia até o peito, em um buraco próximo de onde elas ficavam! A afirmação acima de Freyre é muito generalista, no mínimo, mas eu não tenho elementos agora para a contestar.

(11) Em 29 de outubro de 1823, quando já não havia mais qualquer resistência ou resquício de dúvida que D. Pedro era o governante de um país independente, D Joaquim escreve-lhe uma carta com o seguinte teor: "Ah, Senhor! Independência e desgraça são palavras são palavras sinônimas, entendidas no seu verdadeiro vigor. Elas se identificam e vêm a significar a mesma coisa... Estas províncias estão todas regadas de sangue de europeus, que a paixão e o furor da baixa plebe, atiçada pelos revoltosos demagogos, têm derramado impunemente para se apossarem dos seus bens, que tantos suores lhes custaram". (citado por Marcelo Cheche Galves. "Entre os lustros e a lei: os portugueses residentes na cidade de São Luís na época da independência do Brasil", no XII Encontro Regional de História da Anpuh texto online, acessado em 21/04/12). Precisa comentar?

(12) Segundo o frei Úrsula faleceu sete anos depois desses acontecimentos, por causas naturais, sendo assistida por ele mesmo. Era grande a mortalidade infantil no interior do Brasil naquela época, mesmo entre famílias abastadas, vítimas em geral de doenças e dos péssimos hábitos de higiene e alimentação. A higiene melhorou, a alimentação piorou, mas o que mata mais crianças e jovens no Brasil de hoje é a violência dos adultos não índios.

Bibliografia
FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 50ª edição. São Paulo: Global,2005
http://imirante.globo.com/oestadoma/especial/13032000/ ; acesso 18 abril de 20
http://www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/GT48Adalberto.pdf ; acesso 21 de abril de 2012
http://www.nucleohumanidades.ufma.br/pastas/CHR/2007_1/izabel_mattos_v5_n1.pdf ; acesso 20 de abril de 2012
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2006000100028 ; acesso 15 abril 2012

http://www.turmadabarra.com/histo2.htm; acesso 26 de abril 2012
http://www.ufrgs.br/bioetica/eugenia.htm ; acesso 17 de abril de 2012

Wikipedia em espanhol: "Francis Galton", "Eugenesia"
Wikipedia em inglês: "Eugenics"

 

Nota: Leia artigo de Antonio Carlos Lima: Clique aqui

 

(TB17mar2013)