Filme: Resenha-crítica
Xingu: A saga dos irmãos Villas Bôas
jornal Turma da Barra

 


Xingu

Há mais de dez anos, li “Marcha para o oeste”, livro de Orlando e Cláudio Villas Boas, 
que narra a grande aventura dos irmãos Villas Boas pela região centro-oeste, principalmente do rio Xingu. 
O livro, que me foi emprestado pelo amigo e conterrâneo Gilvan Pacheco, 
de tão real que parece que estamos lendo uma ficção, ao qual recomendo leitura. 
Agora, com o lançamento do filme “Xingu”, baseado na obra dos Villas Boas, fui assisti-lo. 
Abaixo, meu resumo sobre o filme que está em cartaz em todo país

Por Heider Moraes

            Quando se termina de assistir ao filme “Xingu”, que está em cartaz em todo país desde o início de abril, a impressão que se tem é que desconhecemos o Brasil amazônico e, particularmente, a história e a beleza pujante da região do Xingu, atualmente no centro do debate nacional devido a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Mas o filme é, antes de tudo, a história dos irmãos Villas Boas – Orlando, Cláudio e Leonardo -, que iniciaram uma aventura na década de 40, numa expedição que se transformou numa saga, culminando com a criação duas décadas depois, em 1961, de um grande parque, um território totalmente indígena.
            Misto de documentário e drama, o filme trafega bem pelas duas vertentes da cinematografia. De início, mostra a partida, dentro da mata, da expedição Roncador-Xingu, em 1944, que tinha o objetivo de desbravar parte da região Centro-Oeste e Amazônia, praticamente desconhecida até então. A lente do diretor Cao Hamburguer faz tomadas abertas e passa a mostrar a beleza da região, também a dificuldade da expedição, que enfrenta índios arredios, que tentam, na calada da noite, surpreender a equipe dos Villas Boas, como tentativa de expulsá-los do seu território. O ápice é o primeiro contato feito com índios à beira do rio, numa praia, onde, de um lado, as flechas em riste, prontas para o combate, e, de outro, os irmãos Orlando e Cláudio, que conseguem contatar e pacificar a primeira das tribos dos índios Kalapalo sem uso de armas.
            A partir de então, o recheio que se passa a mostrar é a convivência pacífica entre os homens da expedição e os índios. Uma coparticipação. Com ajuda dos indígenas, a expedição consegue abrir picadas para construção de pistas de aeroportos. Mas de repente, um surto de gripe assola a aldeia e extermina quase a metade da população. Fica a lição para os Villas Boas de que a doença, o vírus da gripe, levada por eles próprios, pode exterminar uma tribo inteira. Mas por outro lado, de uma vez para sempre, os irmãos passam a defender os indígenas em seu território, a fim de mantê-los longe de doenças.
            O filme passa, então, a mostrar a defesa e a luta para a criação de um parque indígena. A ideia era juntar várias tribos num só parque, onde, inicialmente, ficariam protegidos do contato com a cultura dos grandes centros urbanos. Os militares, por sua vez, queriam construir uma base militar na Serra do Cachimbo, onde também havia tribo indígena. A negociação tratou de ceder a Serra dos Cachimbos para que fosse criada a base militar e, em compensação, uma grande área, com 27 mil quilômetros quadrados, comparável ao tamanho da Bélgica, estaria definitivamente sacramentada como Parque Nacional do Xingu, para abrigar os índios da região.
            No tempo e no espaço dessa negociação, que também envolveu fazendeiros que resistiam sair da área do parque indígena, a câmera passeia novamente pela região em tomadas aéreas, em voadeiras que cruzam rios e belas cachoeiras que enchem os olhos. Mas um acidente aéreo em um pequeno avião, um teco-teco que sobrevoava a Serra dos Cachimbos com a equipe de sertanejos dos Villas Boas, foi feito um pouso forçado em que todos sobreviveram por sorte, são episódios que diz o quanto foi difícil vivenciar a saga na região do Xingu.
            O filme Xingu demarca a atuação dos irmãos Villas Boas entre as décadas de 40 e 60, mostrando as diversas dificuldades enfrentadas pelos irmãos em sobreviver por décadas na região. Leonardo, um dos irmãos, é desligado do trabalho depois de envolvimento com uma índia devido a gravidez. Praticamente igual fato acontece com o irmão Cláudio, que também se envolve em uma aventura amorosa com uma índia com reflexo na geração de uma criança. Orlando, ao contrário, casa-se com a Marina, que trabalhava no posto do Parque como enfermeira no meio de um ritual indígena, que salta os olhos devido a beleza da cerimônia.
            Outro destaque é a atuação de indígenas no filme. No set participaram indígenas de 20 aldeias de sete etnias diferentes e uma grata revelação, o ator Maiarim Kaiabi, além da escolha de Felipe Camargo, João Miguel e Caio Blat nos papéis de Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Boas. Uma trinca que a tudo lembra os velhos herois pacificadores do Xingu. Sobre o diretor Cao Hamburguer, ele tem no currículo o longa “O ano que meus pais saíram de férias” e o premiado “Castelo Rá-Tim-Bum”.
            O filme ‘Xingu’, enfim, agrada plenamente como documentário, por revelar fatos que deveriam povoar as salas de aula de todo país. Também quanto a beleza do rio Xingu, que entre os grandes rios da Amazônia é tido como o mais bonito. O que o filme não convence totalmente é no aspecto dramático, pois as histórias pinçadas de amor pode se resumir a apenas uma: A paixão sem medida dos irmãos Vila Boas pelo Xingu.
            Nas cenas finais, Xingu mostra o contato dos Vilas Boas com os índios gigantes, os Kreen-akarore ou Panará, que habitavam o alto Xingu. Por suas terras cruzaria na década de 70 a rodovia Cuiabá – Santarém. Resultado: de uma população de 400 índios, a gripe reduziu-os a 79. A saída foi levá-los de avião para se abrigarem no Parque Indígena do Xingu. Uma diáspora. Mas 20 anos depois, eles que não conseguiram esquecer a terra prometida, retornam ao antigo território, reconstroem aldeias, numa verdadeira volta para casa.
            Mas o que o filme Xingu deixa registrado com letra maior é a história dos irmãos Villas Boas que abriram 1.500 quilômetros de picadas, andaram mais de 1 mil quilômetros pelos rios, abriram 19 campos de pousos, fundaram 43 vilas, algumas transformadas em cidades e contataram 14 tribos. Além da criação do Parque Nacional Indígena do Xingu. O que era para ser somente aventura, os irmãos Villas Boas a transformaram numa saga. É aquela façanha histórica que o filme nos revela. Uma façanha que jamais pode ser esquecida, principalmente neste país chamado Brasil.

*Heider Moraes é jornalista

 


Xingu

(TB4mai2012)