Artigo
A Fila 
jornal Turma da Barra

*Urias Matos

            O caixa eletrônico não funcionava há dias. Pelo telefone, irritado exalto minha condição de cidadão consciente e antenado ligando do meio da enorme fila de reclamações e de descontentamento para o 0800 do banco. Do outro lado uma gravação me obriga a percorrer um verdadeiro labirinto telefônico até por fim encontrar, do outro lado da linha, uma voz viva e real.
            A moça pergunta docemente em que pode ajudar-me. Olho de imediato para o calhamaço de contas que se avolumam em minhas mãos a espera de serem quitadas pela luzinha vermelho-piscante do escâner, sem contar nas outras que esperam ávidas, nas gavetas dos armários e mesas a espera do mesmo ritual. Será mesmo que ela poderia?
            Afasto o pensamento e denuncio a vergonhosa situação do amigo eletrônico, por vezes inimigo, sim, inimigo. Quantas vezes nos maiores sufocos não sonhamos uma extensão milagrosa do limite do cheque e do cartão? Ou quantas outras não rezamos e oramos aos Deuses e até aos Orixás para que nossa contabilidade tenha sido falha e que reste um saldinho que seja para um saque providencial? Terrível inimigo eletrônico e mesquinho!
            A moça, com sua paciência treinada e parcimônia conveniente treinada me pergunta a situação. Respondo num princípio de irritação que ela é caótica. Que os caixas estão quebrados e descrevo suplicantemente que ao meu lado uma senhora idosa espera pacientemente a enorme fila. Ela então pergunta se a lei dos idosos não está sendo respeitada.
            Respondo com outra pergunta: Se a lei do consumidor não está sendo cumprido. Um silêncio sepulcral se faz do outro lado da linha.
            Quebrado o silêncio, pergunto à moça quando e se o problema será resolvido. Sou avisado pelo moço à minha frente - que atentamente ouvia a conversa - que o problema já se estende por longos quatro dias. Repasso a informação a infeliz atendente que agora já começa a esboçar certa displicência sobre o caso pois responde monocardiamente que o problema está sendo sanado.
            Insisto em perguntar uma data ao que ela responde que uma equipe deverá dirigir-se o mais breve possível ao local. Fico a imaginar o quanto tempo essa “equipe” levará para deslocar não sei de onde e por fim quase desistindo peço que ela se apresse em resolver o problema que não é apenas meu, mas de toda uma cidade.
            Fico daqui a imaginar sua face de desinteresse enquanto escuta um sujeito, talvez a cerca de 5 mil quilômetros de distância, sei lá, a reclamar sobre um caixa eletrônico quebrado numa pequena cidade do interior do Maranhão. Interesse: Zero!!
            Despeço-me agradecendo a atenção e ela do outro lado pede meu fone de contato, avisando que nos próximos quatro dias, úteis, receberei um retorno. Mais uma vez recorro à imaginação, se leva quatro dias, úteis, para eu receber uma resposta via telefone, imagine o tempo de reparação do caixa? Desligo o fone, desolado, enquanto o resto do povo que me ouvia atentamente, ao perceber meu desalento, recolhe-se.
            Por fim chega minha vez. Depois de quase uma hora chego finalmente ao bendito e único caixa eletrônico, o único em funcionamento que resta, o salvador da pátria, o herói que resta... Assim que insiro o cartão a mensagem: Caixa em manutenção dirija-se ao próximo. Que próximo?

*Urias Matos é poeta, cronista e escritor, mora em São Luís (MA)


(TB23mar2012/nº 129)