Coluna do Urias

nº 108, quarta, 22 dezembro de 2010



Canção de Ninar

Para Iolanda e Almir Neto (in memoriam)

Mãe, 
Com os olhos em terrível pranto
e o coração partido em dores
prostro-me a teus pés
Quero teu afago
sentir tuas mãos me roçando os cabelos
levemente

Ah mãe,
Quero teu colo
Sentir-me teu menino
Ouvir teu riso
Tuas canções de ninar
E dormir
Embalado ao som de tua voz
Acolhido no calor dos teus braços

Quero sonhar mãe
Nunca quero acordar
Acolher-me em ti
Esquecer o mundo e suas dores
Ser apenas teu menino
Contar-te minhas histórias
Dos muros que trespassei
nas peraltices da vida
dos rios que atravessei

Mãe,
Toma meu coração
ele será sempre teu
Por onde andares estarei contigo
levarás minhas histórias que são tão tuas
E meu sofrer mãe, tão teu, leva não
Pega meu sorriso
sela-o junto a ti
guarda seu som
e lembra desse teu menino
teu eterno menino

Ah mãe...
Te espero
Com o coração aberto em flores
e a alma cheia de paixão
de amor
Tudo passa mãe
menos teu amor por mim
disso bem sei
E onde estiver
saberei que sempre estarás comigo
teu amor será meu eterno guia
por onde quer que eu possa andar

*Urias Matos é poeta e escritor, mora em Barra do Corda

 

 

Coluna do Urias

nº 107, quarta, 24 dezembro de 2008


Almir Neto:
Última homenagem


 


      Acordei atordoado na manhã desta terça-feira com a notícia da morte de Almir Neto. 
      Temos  por oficio receber noticias ruins com choques. Por frações de segundos elas parecem nos tirar desse mundo, primeiro vem a incredulidade, depois, quando a realidade prevalece, percebemos o tamanho da tragédia, da dor e do desespero.
      Algumas horas depois eu passava a agenda de meu celular a procura do nome de uma pessoa e vi o número de Almir, uma sensação estranha me percorreu o corpo, pensei em deletá-lo, mas mudei de idéia logo em seguida, pois para o pós mortem existe as lembranças, as alegrias compartilhadas, os risos, assim é a vida, um carrossel de lembranças que com a morte se tornam imprescindíveis a quem fica.
      Talvez por isso eu fuja sempre de velórios, perdi vários amigos, meu pai, uma sobrinha que amava como filha, e sempre prefiro guardar deles a lembrança vivos, nossa carne se dilui mas o espírito e as lembranças permanecem, como a nos querer lembrar que precisamos, nós que continuamos vivos a lutar e tocar a vida em frente, apesar da dor da perda.
      Nosso amigo se foi bárbara e covardemente, difícil crer que um ser humano foi capaz de arquitetar e executar algo tão monstruoso, mas o fato absurdo disso é que apenas os seres humanos, poucos é
verdade, são capazes de tamanha maldade, os animais matam para se alimentar, alguns homens matam por vingança, muitos apenas para demonstrar virilidade e macheza. Desprezível!
      Enquanto as lágrimas descem, queria fazer dessas palavras muito mais que um protesto, um clamor para que não nos calemos diante da barbárie, que não nos curvemos diante da morosidade e por vezes parcialidade da policia e da justiça. Barra do Corda perdeu mais que um filho ilustre, perdeu um amigo de todos, alguém que esbanjava uma alegria contagiante, mas perde também a cada dia o sentido de justiça diante da impunidade, dos casos escabrosos de criminalidade insolúveis e por vezes mascaradas pela propina, pela corrupção e pelo politicagem absurda de privilegiar os membros do séqüito político dominante em detrimento dos crimes que esses tenham cometido. È hora do basta.
      Que a barbárie que afastou nosso amigo/irmão de nosso convívio seja curada com o desejo de justiça. Que a vingança perpetrada pela banalização da vida alheia seja nossa bandeira por uma cidade mais justa e digna, onde quem comete crimes pague por eles na forma da Lei, e que sua lembrança, a lembrança de seu sorriso que a todos nos encantava seja a forma de o guardamos para sempre em nossos corações e mentes.

*Urias Matos é poeta e escritor, mora em Barra do Corda
urimatos@gmail.com

 

 

Coluna do Urias

nº 106, domingo, 6 dezembro de 2008


A mulher do espelho

 


                O quintal era cercado por tábuas, restos de madeira recolhida das serrarias das redondezas. Começavam pontiagudas indo aumentando de espessura até o meio, onde adquiriam o formato de um corpo barrigudo, depois, iam novamente afinando até a outra extremidade. As peças eram cravadas no chão, lado a lado, quatro fios de arame, com espaço de cerca de 60 centímetros entre elas completavam a armação.
                Debaixo de um frondoso pé de manga, ela fincou sua residência. Há muito tempo não entrava na casa. Durante o dia, se fosse de sol, acolhia-se na sombra da árvore, quando chuva, ia se recolher embaixo da armação plástica que a mãe improvisara. Eram varas finas de bambu. Dispostas de tal forma que formavam uma cabana sem paredes, indo direto da cerca ao chão. Mesmo nas tempestades resistia. Caso o abrigo não a protegesse, o abandonava e saia a rodopiar pelo terreno, a saudar a chuva, cantarolando feliz, como se os pingos que a refrescavam fossem descidos dos céus em sua homenagem.
                Num desses dias de sol a pino, um brilho estranho chamou sua atenção. Ao aproximar do clarão que vinha do outro lado da cerca maravilhou-se. Era um pequeno pedaço de espelho que reluzia os raios solares. No princípio, por receio do desconhecido não quis pegar, mas a curiosidade e o encanto foram tão grandes que logo em seguida sua mão já estava por debaixo da cerca, puxando o objeto. O reflexo do sol bate direto em seus olhos, a reação, joga longe o pequeno caco de espelho e se recolhe imediatamente ao abrigo.
                Quando chega a noite enluarada, ela continua escondida, recolhida. A mãe lhe traz o jantar, deixa-o no local de sempre, embaixo do pé de manga. Olha novamente o objeto que agora reflete a luz da lua, com seus raios prateados. Está uma noite linda. Perde o medo e novamente se aproxima. Ajoelha-se, o pequeno pedaço de espelho reflete a lua, as estrelas, todas as nuances de uma linda noite de verão. Ela finalmente toca o reflexo. Olha para o alto incrédula que aquele pequeno objeto possa trazer o céu, as estrelas e toda a beleza do infinito para tão próxima dela. Acaricia a superfície do espelho como se tocasse nos objetos nele refletido. Finalmente adormece.
                Acorda junto com os primeiros raios de sol. Percebe sua mão sobre o espelho que agora reflete a alvorada. Levanta-se e finalmente vê a imagem de uma mulher refletida no espelho. Uma bela mulher, tenta tocá-la, inutilmente, por certo ela está longe, assim como a lua e as estrelas que vira na noite anterior. Agora muito mais corajosa, pega nas mãos o caco de espelho. Para todos os lados que se vira com o objeto vê um mundo duplicado. O pássaro que canta na árvore é o mesmo da imagem, assim como as borboletas, as lagartixas...
                Mas a mulher, aquela mulher estranha sempre acompanha, está em todas as imagens. É uma figura triste, tem os cabelos feios, desarrumados. As roupas são surradas, desbotadas. Em nada se parece com a figura de sua mãe, sempre de branco, terna. Sim, a mãe sempre vem cuidar-lhe. Ela sabe que nela pode confiar. A mãe é a única que pode e deve se aproximar dela, mas nem sempre.
                Então, pela primeira vez na vida ela sorriu e viu que a mulher do espelho também ria, mas os dentes da mulher eram feios, um riso preto, sem graça. Começou a bailar pelo pequeno quintal, seu mundo, sentia o cheiro das folhas, das flores, da terra, ouvia o canto dos pássaros e todos os sons que a cercava. Então se lembrou da mulher do espelho e voltou pro canto onde o abandonara. Ela estava lá, mesmo olhar de sofrimento, mesmo abandono. Mas não poderia ser diferente. A mulher estava numa prisão, ela não, levantou-se e riu, riu de sua vida maravilhosa, e dançou, dançou até o fim dos dias, comemorando sua liberdade.

*Urias Matos é poeta e escritor, mora em Barra do Corda
urimatos@gmail.com

 

 

Coluna do Urias

nº 105, domingo, 30 novembro de 2008


Três poemas


Os três poemas abaixo fazem parte do livro "Pelos Caminhos da Poesia",
ainda inédito em edição final. Também em fase de edição,
o livro "Pequeno Universo das Letras",
são crônicas e artigos selecionados pelo autor.
Veja os poemas:


TALVEZ...

Talvez poderia dizer: TE AMO
Dir-me-á é cedo,
Como se o amor maturasse feito fruta “divês”,
Como se pudéssemos esperar a hora marcada para o sentimento brotar
Como flor rara com período marcado para nascer...

Talvez me dirás: TE AQUIETA POETA
Numa repreensão em forma de candura,
Uma defesa antecipada ante aos meus arroubos infantis

E eu te direi que esqueças tudo
Pedirei que feches teus lindos olhos azuis
Que abras mansa e discretamente a boca
Que sintas os sons do mundo...
O cheiro no ar...
O perceptível gosto da vida que pulsa e preenche tudo...

Então não poderás dizer-me mais nada...
Ao abrires os olhos sentirás que o amor, seja ele de que forma seja
transcende tudo, é indefinível e maravilhoso e, finalmente aceitarás
que eu PRECOCEMENTE TE AME...

 

REI BUFÃO

O rei bufão não se contenta
sequer argumenta,
não fala o rei bufão.
O vassalo recorre e corre
anda a pirilampo
sem porre
Ainda é santo

As princesas, vadias,
perambulam soltas.
Feras arredias,
brumas rotas.

O rei bufão recorre,
desfalece e come,
glutão o bufão, quase morre,
pedaço de homem

No reino bufão não há estrelas
nem paineiras.
Nem belo céu na madrugada
Diademas polares,
Não há nada.

Nem rei há no reino bufão,
há apenas um bufão,
no lugar onde estaria o rei

 

LAMENTO

Poeta, poeta...
Não te perguntas mais nada
É inútil
Sempre há de querer as mesmas respostas
Os mesmos desfechos
Nem todos os filmes (menos os americanos)
Tem final feliz...

Poeta, poeta...
Olha o sinal fechado do cruzamento
Percebes o céu fechado?
E as nuvens que anunciam chuva?

Ah, velho poeta,
Não te importas mais com nada
O ônibus passou, o trem passou, o barco passou
E a menina, a pobre menina de teus versos se perdeu
Enquanto tu sonhavas (mania de poeta)

Tua menina, aquela menina com seu sorriso infantil
Cresceu, virou monstro, virou lua, estrela...
E tu, aprisionado no porão do barco, sucumbiu
A olhar os astros celestes, cada vez mais distantes...
E tu cada vez mais submerso...

*Urias Matos é poeta e escritor, mora em Barra do Corda
urimatos@gmail.com

 

 

Coluna do Urias

nº 104, domingo, 9 novembro de 2008


O catador de latinhas


            A caminho de São Luís, no trevo da saída de Barra do Corda, um homem nos pede carona, diz que vai até Presidente Dutra.
            Os ossos já arqueados, efeito do tempo e os cabelos brancos indicam sua idade avançada.
            Cerimonioso, senta no branco traseiro. Resignado, pois queria na verdade era subir na carroceria da camioneta, idéia demovida após muita insistência.
            A viagem segue. Conversamos sobre assuntos triviais e ele quieto em seu canto, pelo retrovisor percebo seu olhar absorto, mirando a lateral do asfalto que passa rapidamente por nós.
            Deve ter cerca de 70 anos, traja uma calça de brim e uma camisa branca de mangas compridas, essas dobradas, calor imenso. No pés, uma bota cinza, já estragada pela ação do tempo, não há bigode em sua face, apenas um rosto fino coberto por alguns fios de cabelos.
            Desde seu pedido de carona percebemos um saco branco, limpo e vazio em suas mãos, nada de bagagem, o que nos causou receio antes de o aceitarmos, mas, resolvemos arriscar.
            O pergunto então se ele tem parentes na cidade vizinha, tentativa na verdade de abstrair alguma informação de nosso viajante, ele secamente responde que não, como forma de encerrar o assunto, não sem antes deixar escorrer pelo canto da boca um dissimulado sorriso.
            A viagem segue e puxo outro assunto, pergunto se ele é filho de Barra do Corda, diz que não, que é cearense e na seca da década de 40 teve de migrar com a família e finalmente se abre, relata que tem duas filhas casadas e que mora com uma delas, tem quatro netinhos, é viúvo e aposentado, o rosto se abre ao falar da família, como se a alma se inundasse de felicidade. Bingo.
            Não tem problemas de relacionamento com a família. Mas o saco, e o saco?
            Já passamos do povoado Cajazeiras, entre amiúdes genéricas citamos os buracos da estrada apesar de uma recente reforma, ele então se abre novamente, confessa que conhece cada palmo desse trecho entre Barra do Corda a Presidente Dutra, que ajudou muitos camioneiros e até pessoas transitando em carros de passeio com pneus furados e outros problemas causados pela terrível estado de conservação da estrada. Nesse instante, dobra cuidadosamente o saco branco de fibra e bruscamente se vira, olhar fixo novamente na lateral da estrada.
            Já cruzamos o rio Flores, divisa do município de Barra do Corda com o de Tuntum, ao ver o riacho quase seco ele se maldiz, afirma que viu o riacho limpo e caudaloso, cheio de peixes, conta que por várias vezes refrescou-se nele, naquele mesmo local por onde passávamos e que agora tem apenas um fio de água. Culpa as carvoeiras que devastam o sertão pela secura do rio, curva a cabeça e soluça, um choro da alma, choro de revolta.
            Diz lembrar-se de quando a estrada era de terra, dos vários dias de viagem de uma cidade a outra mas lembra-se do canto dos pássaros, dos animais silvestres que cruzavam a estrada, e por fim reclama do progresso, do preço de uma vida de pressas, de conforto que vira desconforto e do desamor do homem pelas coisas simples.
            Passamos por Tuntum e agora estamos há poucos quilômetros de Presidente Dutra. Ele pega mais uma vez o saco, dobra e redobra, olhar fixo na lateral da estrada. Não resisto e o questiono sobre a serventia do saco, ele abre um riso largo e responde que o saco serve para ele depositar as latinhas vazias de cerveja e refrigerante que são jogadas ao longo da estrada, conta que dia sim dia não pega carona, desce em Presidente Dutra e segue a caminho de Barra do Corda, por isso conhece tão bem a estrada.
            Nos entreolhamos, eu e o motorista num olhar assustado, nos perguntamos intimamente porque ele não cata as latinhas em Barra do Corda, demanda maior, etc, talvez imaginando nosso dúvida ele responde que não cata as latinhas para sobreviver, que o resultado da venda serve apenas para comprar doces, balas e presentes para as netinhas, mas que o trabalho lhe dá um enorme prazer, se sente livre e, ainda por cima, colabora para manter a estrada limpa, afinal, na cidade, já tem quem o faz.
            Na entrada de Presidente Dutra ele pede parada. Nos estende efusivamente a mão num gesto de agradecimento, mal sabe ele que nós na verdade é quem deveríamos agradecê-lo.
            Nossa viagem pareceu demasiadamente curta e o caminho a seguir até a capital deverá ser mais demorado que o habitual. Ele desce do carro e pelo retrovisor o vejo catando as primeiras latinhas, curvando-se jovialmente pra buscá-las pela borda da estrada, um caminhoneiro passa e buzina, ele responde também e assim segue seu caminho rumo a Barra do Corda, muitos que passarão por ele o chamarão de louco ou outras designações pejorativas...
            Continuamos nossa viagem e me vem à cabeça uma frase de Charles Chaplin, que talvez resuma o pensamento e as ações daquele velho e bom homem, cujo nome esqueci de perguntar, mas que marcará para sempre minha vida: "Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido".
            Chaplin está coberto de razão!...

*Urias Matos é poeta e escritor, mora em Barra do Corda

 

 

Coluna do Urias

nº 103, quinta-feira, 22 outubro de 2008


Barra do tem nada a ver


            A taxa de inflação dos últimos doze meses não ultrapassa 10%. Bem, se levarmos em consideração esse índice, o preço da carne bovina em Barra do Corda, nesse mesmo período, teria de sofrer reajuste semelhante... Certo? Nem tanto...
            Bem, se levarmos em conta a questão da sazonalidade, da entressafra, do período de estiagem e outros fatores, poderíamos até aceitar um reajuste de 15%. Isso elevaria o preço da carne de primeira para R$ 8, 05. Em pleno período chuvoso, porém, a carne saltou para 8 reais, menos de dois meses depois subiu para 9 reais e agora, 10 reais.
            Os aumentos, segundo os donos de açougue,
se justificam pela subida do preço da arroba no período de estiagem. Mas como escrevi antes, a carne subiu na época das chuvas, depois, subiu de novo e agora mais uma vez. Dessa vez, um silêncio sepulcral se abateu na cidade sobre o aumento, aliás, como quase sempre, algumas poucas vozes se levantam, esbravejam, mas depois, a população aceita passivamente e pronto, tudo continua como dantes, na casa de Abrante
s, um exemplo disso é a falta de água.
            Sobre esse assunto, numa deliciosa crônica, Murilo Milhomem descreveu muito bem nossa agrura, mas adianto o seguinte nobre Murilo: assim como você, também não me iludo, temos a terrível mania da parcimônia, de aceitar calado e solfejado o que o destino ou o que os governantes nos impõe. O abaixo-assinado só terá adesões enquanto faltar água na torneira, quando voltar, mesmo dia sim, dia não, bate a preguiça e cada um se recolhe. Quanto ao esgoto... Bem, pobres rios Corda e Mearim...
            Aliás, na semana li outro fato interessante no TB, que foi a notícia da transferência da Receita Federal de Presidente Dutra para Pedreiras, por conta d’uma reforma no prédio. O TB deixava claro que apesar de termos o maior PIB e a maior população da região central do Maranhão, somos esquecidos. Pura verdade. Certa vez, conversando com um morador de Presidente Dutra, ele me dizia que "eles" não levariam os rios Corda e Mearim para lá por falta de "possibilidade", numa alusão à Receita Federal e ao INSS, que lá estão instalados e funcionando. O INSS que da Barra apenas resolve questões de segurados e nada mais.
            Aliás, aos desavisados é necessário informar ainda que tanto a CEMAR quanto a CAEMA daqui são subordinadas a Presidente Dutra. Nada contra a cidade, mas tudo contra nossos representantes, que infelizmente é preciso partir de uma máxima: se aceitamos tudo, se não cobramos, se tudo está bem, mesmo estando mal, se nada funciona, mas ninguém reclama, por que nossos representantes hão de agir?
            Nossa histórica pacatez talvez um dia nos dará algum fruto, afinal, nem sempre brigar é o melhor caminho, mas por outro lado, enquanto aceitarmos passivamente todas as mazelas que nos são impostas,. enquanto não nos dermos conta do nosso real poder de cidadão, do poder do nosso voto e de nossas atitudes, seremos a cidade do "já teve", mensalmente teremos aumento de carne bovina, suína (sem peste), nossas torneiras continuarão cheias de vento da Maravento e, por fim, perderemos o Corda e o Mearim, não para Presidente Dutra, mas para as carvoarias, que criminosamente desmatam as margens dos nossos riachos, córregos e rios, porque também não temos nada a ver. Mas até quando não temos nada a ver?...

*Urias Matos é poeta, mora em Barra do Corda

 

 

Coluna do Urias

nº 102, quinta-feira, 14 agosto de 2008


Cara a cara com o professor


            Caríssimo professor Nonato Silva,
            Em algumas culturas, principalmente as orientais, o respeito a velhice é total, e o resumo dessa atitude se reflete na simbologia dos cabelos brancos, estes, quanto mais abundantes mais inspiram respeito, denotam sabedoria.
            Quem o conhece pessoalmente o professor sabe da abundância deles em sua vasta cabeleireira, isso seria mais que suficiente para que o respeitássemos da forma que o fazemos, mas os cabelos brancos inspiram muito mais que isso.
            A raiz incrustada no couro cabeludo se pudesse ser transformada em dados e informações, traria a luz um cabedal de histórias, ricas em detalhes, em fatos, em situações que lhe conferem tamanhos títulos e honrarias.
            Por sorte, não precisaremos recorrer a esse expediente capilar, por sorte e ventura, seus escritos e sua história de vida, tão cantada e decantada são uma prova mais do que plausível do seu tamanho significado tanto para Barra do Corda, sua terra mãe, quanto para Brasília, a jovem capital-mãe de todos nós, cidades que foram transformadas, sem nenhum exagero, com largos pitacos de tamanha sabedoria, perseverança e porque não dizer alegria, uma alegria esboçada na simplicidade de seus gestos, embora que eles por vezes escondam um ritual quase místico.
            Nesses 90 anos, nobre mestre, nada mais conveniente do que, entre tantos títulos, a palavra "Professor" tenha se tornado um adendo a seu nome próprio, justa simbiose, Professor Nonato, nome "artístico", tornou-se mestre de tantas e tantas gerações, inclusive a nossa, que sorveu e sorve sempre que possível suas palavras e ensinamentos.
            Evidentemente, é preciso reconhecer as pedras do caminho, parafraseando o decantado poema de Carlos Drummond, aliás, tendo a poesia como amante, somente o mais belo dos poemas, preferencialmente um perfeito soneto poderia descrever a vida, a luta e a história desse homem que já não requer adjetivos para sublimá-lo, pois seus atos, sua história e sua vida já o puseram no panteão-mor dos maiores homens já emanados da terra de Maranhão Sobrinho.
            Aceite meus mais sinceros parabéns, e obrigado por tudo nobre Professor, desse mesmo distante seu admirador e dileto amigo.

*Urias Matos é poeta e escritor, mora em Barra do Corda

 

 

Coluna do Urias

nº 101, quinta-feira, 7 agosto de 2008


Respeitem nossos ouvidos



 

      Começou a corrida eleitoral. Pela cidade espreitam a mil decibéis milhões de carros de som a enaltecer as qualidades dos candidatos.
      A tarefa parece ser simples. Os "jingles", a maioria deles versão parodiadas dos forrós que estufam nossos ouvidos diariamente num berreiro imbecil e ilúdico norteiam que o moço, o candidato é honesto, trabalhador, competente, jovem e experiente.
      
Claro, a conjugação desses valores, ou apenas um deles já seria um alento para a maioria, mas... É importante perceber como se cria tal situação. Com a facilidade tecnológica, engembrar um "jingle", usando uma melodia alheia com uma letra mambembe e esdrúxula é simples, pobre de nós, eleitores, das 7 da manhã até as 10 da noite, ou até mais, quando os mais afoitos se acham no direito, temos que conviver com a mesma cantilena diabólica e, em 90% dos casos mentirosa, numa evidente falta de criatividade.
      A novidade desse ano é a chegada do funk. Pasmem, o funk carioca, primo paupérrimo da música dos guetos americanos pós 90 veio parar aqui como música de campanha eleitoral.
      Se num funk a letra é quase um acessório, sendo bondoso, imagine nessa situação. Resta a interprete repetir sempre: "ele é da Barra... Ele é da Barra", ai está mais um rico exemplar de nossa cultura eleitoral.
      Sei que pareço chato com esse assunto, mas o que me vem a cabeça é a seguinte questão: Quem encomenda e aceita essa pobreza apenas demonstra quem de fato é? Quem faz poluição sonora atazanando nossos ouvidos o dia inteiro com a mesma chatice, que propostas têm a nos apresentar? Que espécie de comportamento poderemos calcular desse nosso futuro representante?
      O fato, infelizmente, é que vivemos um ocaso político e cultural, um talvez em função do outro. Perdemos a referência na escolha, porque aparentemente nossos padrões de referência chegaram a um nível crítico o que resulta no que vemos aí, uma pantomima, uma dança generalizada do crioulo doido.
      O ponto que se questiona é onde poderemos chegar, e não me refiro especificamente a Barra do Corda. Se Lula no campo federal coloca o país finalmente no caminho certo, nas esferas inferiores o trato com a coisa pública se deteriora, a explicação pode estar exatamente na forma como é concebido o processo eleitoral, principalmente nos estados e municípios mais pobres.
      Há que se observar por exemplo a campanha eleitoral para Presidente, essa se baseia em propostas apresentadas num horário eleitoral gratuito, em debates, não há a influência dos currais eleitorais nem dos famosos "cabos".
      E talvez essa seja o centro da questão. Nas eleições estaduais, o prefeito ou o deputado tem como mercadoria o voto que o elegeu, então, ele vende a "mercadoria" ao candidato a governo, nem sempre em troca de obras, claro, já o cabo eleitoral, que em tese vendeu os votos de sua base para o prefeito ou deputado recebe de recompensa uma nova compra e assim o ciclo segue, mesma coisa na eleição municipal, o que prevalece de fato é o dinheiro, travestido de uma série de interesses e por ai vai, a cidade? Essa continuará a existir.
      A pergunta que fica é se um dia acharemos a solução. Na verdade ela existe, mas está distante de nossa realidade. Nos grandes centros onde a propaganda quase se restringe à tv, a influência dos currais eleitorais é minimizada e o voto, mesmo que influenciado por um palco midiático, é em tese livre o que poderia também minimizar a corrupção pois, diferente de nossos rincões, a possibilidade da compra do voto é quase incomum, apesar de ainda permanecer, portanto, o custo da eleição seria menor, isso em tese.
      Difícil porém é explicar porque numa eleição municipal onde o salário é de cerca de 3.000 reais, se investe 100, 200, 300 mil reais e por ai vai, no caso de candidatos a Prefeito a coisa ronda a casa dos milhões, incompatível com o salário recebido, é inexplicável, e sim, é incompreensível, é sim, mas... Alguém aí se candidata?

 

 

Coluna do Urias

nº 100, quinta-feira, 3 abril de 2008


Conjuntivite ou a penitência
do 'sapatão'




           
A recepcionista me olhou assustada quando disse que precisava urgentemente de um oftalmologista, afinal sentia dores no caroço de um dos olhos (ao falar caroço, fiz penitência verbal imaginando estar ou não certo o termo).
            Nada mais normal do que pedir no balcão do maior hospital da cidade "um médico de olhos", definição que escuto freqüentemente na cidade, até nos meios de comunicação, pasmem, aliás, nada de pasmar, eu mesmo nunca me dei conta se é certo chamar alguém de médico de olhos.
            Por outro lado, comecei a imaginar outra coisa, que não é fácil a profissão de um médico de olhos, leio sempre que as vagas são disputadíssimas nas faculdades de Medicina, nos diversos ramos da medicina, mas nunca com referência ao oftalmologista, no serviço público e, só agora, no balcão ao ver a cara de espanto da balconista, enfermeira, atendente, sei lá, me dou conta disso, ainda que tardiamente.
            A moça me olha e pergunta o que sinto, são quase três da tarde e não paro de me preocupar, as 21h45 começa o jogo do Flamengo e preciso ter ao menos um olho em boas condições, explico-lhe então que um dos meus olhos pela manhã começou a doer, depois, avermelhar, quando me olhei no espelho vi que havia uma enorme diferença, aliás, a coisa parecia grave, meu olho diminuíra.
            Ela me olha novamente, agora já sem susto, mas com aquela expressão corriqueira, tudo voltando ao normal como a explicar a ausência do médico diante de uma fila quilométrica de pobres coitados ávidos por um atendimento e me diz que sofro de conjuntivite, que terei de esperar o médico, que me aplicará uma injeção e que em seguida serei liberado e em seguida pede licença, pois outras pessoas, aparentemente com os olhos menores, assim como o meu, esperam para serem atendidos.
            Resta-me então o desconfortável banco de madeira e os lamentos sussurrantes dos outros pacientes. Aliás, talvez uma das adequações idiomáticas mais adequadas para quem espera numa fila de hospital público seja essa: Paciente.
            Primeiro a gente espera pacientemente ser atendido pela moça da recepção, depois, antes da famosa triagem, ficamos a esperar, pacientemente, que ela entregue as fichas que ela recebe em seguida, por ultimo, o paciente espera pela medico, mas convenhamos, para um doente melhor esperar o médico que o padre, sarava extrema unção.
            Depois, quando se tem sorte, você finalmente é atendido pelo doutor que te olha por alguns minutos, pergunta o que você sente, como se você soubesse, daí não necessitaria ter de ir vê-lo e, em seguida, te receita um medicamento, que você segue o caminho inteiro de volta para casa sonhando que ele realmente funcione e que não tenha novamente de enfrentar o calvário.
            Do meu banquinho, espio (com um olho só) o entra e sai de enfermeiros, médicos (não o que iria me atender), atendentes, serventes e muita, muita gente com os mesmos sintomas que eu, a conjuntivite, ou melhor, "sapatão", como diziam alguns na espera do hospital.
            Falando nisso, que tem a ver uma inflamação da conjuntiva ocular, que é a membrana transparente e fina que reveste a parte da frente do globo ocular (o branco dos olhos) e o interior das pálpebras com um sapato grande ou homossexualidade feminina? Coisa esquisita!...
           
O tempo passa e nada do médico, mas algo agora me aflige, a moça falou injeção. Bem, se conjuntivite é uma inflamação ocular, será que a dita injeção será nos... Olhos? Por sim, por não, ainda me resta o olho direito ainda em boas condições, com ele ainda posso muito bem ver o jogo do ‘Mengão’, amanhã quem sabe volto para uma segunda tentativa, isso se ainda enxergar algo pois até o olho reservado a ver meu ‘Mengo’ em campo começa a dar sinais de que também perdeu a guerra para o sapatão, não é fácil.

*Urias Matos é poeta, mora em Barra do Corda

 

 

 

Coluna do Urias

nº 95, quinta-feira, 19 abril de 2007


Universidade: 
a hora e a vez é agora




                Há muito tempo atrás este jornal Turma da Barra iniciou uma campanha para trazer uma universidade para Barra do Corda, a campanha tinha um nome: "Barra, cidade universitária".
                Nosso editor, junto com alguns colaboradores, usou de todos os expedientes para tal empreitada, mas, como tudo nessa cidade, estado, país só funciona quando há vontade política, e como tal vontade nunca foi manifestada pelos nossos representantes, a coisa nunca seguiu adiante, salvo uma Lei estadual do final do ano de 2002 assinada pelos "deputados da cidade", reivindicando um pólo da UEMA (Universidade Estadual do Maranhão) para Barra do Corda. O resultado: um prédio na escola CAIC com os letreiros identificando que ali existem faculdades da UEMA, apenas o letreiro, mas um elefante branco assim como a enorme escola de segundo grau logo na entrada da cidade, na Altamira.
                Grajaú, cidade vizinha, ostenta em outdoors espalhados pela cidade os cursos oferecidos pelo pólo da UEMA de lá. Cada vez a diversidade aumenta, a memória me falha sobre quando o pólo de lá começou a funcionar. Mas, convém lembrar o outro lado da moeda: Grajaú não tem um deputado eleito pela cidade na Assembléia Legislativa. Barra do Corda há muitos anos tem dois, chegou a ter quatro e, apesar disso, somos a única cidade dita grande do estado que não tem um pólo em funcionamento da universidade estadual, vivemos de promessas a cada nova eleição.
                Semana passada, sábado 14, numa entrevista concedida a TV Jitirana, o prefeito Manoel Mariano de Sousa anunciou a vinda de uma universidade federal para Barra do Corda, indicando até os valores já disponibilizados para a empreitada: 8 milhões de reais. Todos receberam a notícia com efusividade, mas, os senões começaram a surgir. Estranhamente, os sites "oficiais" da cidade não noticiaram a entrevista e a notícia que deveria ser uma bomba de efeito positivo, foi solenemente esquecida propositadamente. Uma das explicações talvez seja a de que a entrevista foi concedida à emissora de tv que não tem um "site" oficial, mas, apesar de todo egoísmo e egocentrismo de nossa "mídia" não justificaria tal silêncio para uma notícia tão alvissareira.
                Bem, a razão pode estar num equívoco cometido pelo Prefeito: ao invés de uma Universidade Federal o que poderá vir para Barra do Corda é um CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica, que não muda em nada o valor da notícia, assim como é impossível deixar de destacar que tal empreitada tem por trás a ação do deputado federal Gastão Vieira (PMDB), presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados e do deputado estadual José Lima (PSB), que incluíram Barra do Corda como uma das 18 cidades maranhenses a receberem um CEFET. Equívocos à parte, o processo parece estar em andamento, fontes informam que o prefeito "Nenzim" ao retornar de Brasília e, segundo afirmou na entrevista, já iniciou o processo de doação da área para a construção da futura universidade tecnológica.
                Mas os riscos existem, por isso precisamos nos unir. Todos. Meios de comunicação, sociedade organizada, pais, alunos, enfim, toda cidade, vizinhos, oposição, também temos que nos mobilizar porque a hora é essa. Seria desnecessário enfatizar os benefícios de uma faculdade, de cursos superiores, na verdade um novo marco para o desenvolvimento da cidade sob todos os aspectos e dessa vez não podemos perder o bonde da história. Mobilização, essa é a palavra chave, precisamos nos unir e agir rápido: a hora e a vez é agora.

*Urias Matos é poeta, mora em Barra do Corda
(urimatos@gmail.com)

 

 

Coluna do Urias

nº 92, sábado, 24 março de 2007


O Maranhão sempre esteve dividido

 



                Escreve Jorge Murad em seus “Breves apontamentos sobre a economia do Maranhão no século XVII”, no prólogo do livro “A revolta de Bequimão”, de Milson Coutinho: “Para dificultar ainda mais o desenvolvimento do Maranhão, os governadores, as autoridades civis e militares. Ficavam com o monopólio do comércio, deixando aos colonos o comércio do retalho”. Em outro parágrafo pergunta: “Como construir um estado sem que os seus habitantes e naturais pudessem dispor de liberdade de empreender, tivessem os seus parcos recursos, fruto de árduo trabalho, confiscados pelas autoridades, e onde as leis, que deveriam garantir os direitos individuais, estavam a serviço de uns poucos privilegiados?”
                Bem, talvez o próprio autor tenha as respostas, se as tem ou um dia as teve, preferiu acolhê-la no recôndito e sombrio interior de suas entranhas. Murad se refere ao Maranhão do século XVII. Do abandono português que aqui, como nas outras partes do país pilhava. Mas as observações parecem mais que atuais, aliás, quando as postulou há qual tempo Murad se referia? Com tamanho conhecimento da máquina estatal poderosa capitaneada pela família Sarney, da qual é um dos mentores, talvez Murad apenas relatava os dias atuais, uma mea-culpa com traços atemporais.
                Dito isto, é necessário agora analisar o que escreveu o brilhante jornalista Antonio Carlos Lima ao jornal Turma da Barra, em seu artigo, o ‘Maranhão não se divide’. Antes de qualquer coisa, e basta uma volta rápida pelas ruas de São Luís, para percebermos que o Maranhão sempre esteve dividido. O Estreito dos Mosquitos não separa apenas a capital do continente, ele torna os moradores da “ilha do amor” em ufanistas, olhando apenas para o barrento oceano que os cerca, nunca para dentro, para suas entranhas. Então, de início estamos divididos sim nobre jornalista, mas, essa divisão física se reforça num cabedal de outras situações.
                O Maranhão, esse Maranhão uníssono, só existe entre São Luís e a ilha de Pericumã, por vezes passando por Pinheiros. O outro Maranhão sobrevive dos restos, prova disso são os números: somos pobres, paupérrimos, mas temos energia, terras férteis, água, inteligência, o que falta? Talvez a resposta Jorge Murad e o grupo Sarney saibam tão bem: liberdade de empreender, respeito às leis e que estas não estejam a serviço de uns poucos privilegiados.
                Nós aqui, distantes da capital de Daniel de La Touche cansamos e esse é o termo, pois justo agora o império dos Sarney parece começar a ruir, será? Os mais bem informados sabem o quanto de tentáculos, alimentados por anos ininterruptos de poder, continuam entranhados por toda parte. Não há como fugir disso. Impossível não perceber o volume da engrenagem e o preço que pagamos por isso.
                De todas as justificativas para a criação do estado do Maranhão do Sul essa talvez seja a mais evidente, porém, claro, a menos externada. Dissimulados, os políticos sabem da necessidade desse rompimento brusco. Talvez tenhamos sorte, talvez não. O futuro dirá. Mas é inquestionável o nosso desejo do aparte. Sem sentimentalismos baratos, estamos sendo práticos, numa tentativa desesperada e quase última de sobrevivência. Perderemos o mar barrento, a “ilha do amor”, o reggae e o bumba-meu-boi, mas recomeçaremos do zero, sem sombras viturinistas, sem ilhas encantadas e sem amarras. Queremos a chance de construir um novo estado com nossa identidade, nossos sonhos e esperanças. Pode parecer utópico, xenófobo e até mesmo ufanista, mas tudo vale a pena quando se deseja sair dessa escuridão, essa dinastia terrível que tanto mal fez ao sul e ao norte, que infelizmente ainda não estamos livres totalmente.

*Urias Matos é poeta, mora em Barra do Corda
(urimatos@gmail.com)

 

 

Coluna do Urias

nº 88, quinta-feira, 11 maio de 2006


Nas ondas do rádio
e da TV barra-cordense


 



            Como um produto qualquer de consumo ou mais adaptável à nossa realidade, um anúncio de loja surge nos intervalos comercias da emissora local, que retransmite a programação da TV Mirante/Globo, o jingle “Me chamo Ana, Juliana, Roseana e sou a mulher”... Roseana, o nome a que a canção se refere é uma alusão à senadora Roseana Sarney, pré-candidata ao governo do estado pelo PFL.
            A cada novo programa (ou por vezes repetido no mesmo conforme a audiência), o sorriso de Roseana e a canção que virou marca registrada de sua frustrada campanha para tentar tornar-se presidente da República, surge nos intervalos, confundindo-se com os anúncios das lojas da cidade. É a mesma música que lembra o caso da Lunus. Para os de parca memória, Lunus é a empresa de Jorge Murad, marido da senadora, que na sua sede, foram apreendidos mais de um milhão de reais, de origem desconhecida, o que acabou por tornar-se a pá de cal dos planos da então governadora.
            Para o cidadão comum, que não percebe a mensagem subliminar, tudo normal, afinal, a emissora é de propriedade da família Milhomem, tradicionais cabos eleitorais da família Sarney ao longo dos anos. Mas o que espanta mesmo é a falta de ação da justiça e a que ponto as instituições ou as leis neste pedaço de mundo passaram a ser ignoradas tão absurdamente sem que nenhuma providência seja tomada.
            Basta um único dia, passeando pelos veículos de comunicação da cidade, para se perceber que por aqui a definição de imprensa livre passou a ser uma mera definição. Dos canais de TV, que produzem programação local, à exceção do recém-inaugurado canal da igreja Católica, todos tem vínculo com esse ou com aquele grupo político. Obviamente que não há como negar que isso é uma realidade mundial, por mais que a própria mídia tente passar o papel de independente, há sempre questões financeiras ou interesses políticos que acabam por refletir uma certa tendência. Mas aqui a situação torna-se cada vez mais insustentável.
            Na maioria dos casos chega a se compreender uma parte da dependência. Estamos numa cidade pobre do estado mais pobre da federação. Não há como se sobreviver apenas de publicidade propriamente dita com índices de pobreza tão alarmantes, o que acaba tornando nossos homens (e mulheres) da mídia, reféns do poder público, seja ele em qualquer escala. O mais grave, porém é a medida dessa dependência. Não há como se conceber imprensa, jornalismo, informação, sem liberdade, sem se desvincular fonte, origem e destino da informação.
            Três dos seis canais existentes estão nas mãos do poder público municipal. O quarto está nas mãos da família Milhomem, que por sinal restransmite o sinal da TV MIRANTE que é da família Sarney. O quinto, a TV JITIRANA, que retransmite a TV DIÁRIO, tem vínculos com a Câmara Municipal que por sua vez tem em sua maioria vereadores que apóiam a atual administração municipal. Apenas o canal da Igreja Católica ainda consegue se permanecer isento.
            No caso das rádios comunitárias a situação não é diferente. A rádio Rio Corda tem como principal locutor e diretor Comercial o assessor de Imprensa da Prefeitura. A Rádio Jitirana pertence ao mesmo grupo da TV Jitirana e pelos mesmos motivos anteriormente citados não pode considerar-se isenta. A Alternativa FM mantém estreitos vínculos com o grupo político que apóia o candidato a governador Jackson Lago. E por aí seguimos nessa situação terrível.
            Para o caso das rádios FM’s a situação é ainda mais grave (se é que se pode imaginar algo mais grave). Por serem comunitárias, não podem emitir opiniões políticas e devem, na teoria, receber apenas “apoio cultural”, uma maqueada forma de se definir propaganda. Mas a realidade é outra, salvo raras exceções, como no caso do radialista Zequinha Bocão, essas rádios sequer abrem seus microfones para as reclamações da população. Ao contrário, há casos explícitos de apoio total e irrestrito a esse ou àquele grupo político, um escândalo.
            Inconformada, a população tenta encontrar alternativas. O reflexo disso está no excessivo número de antenas parabólicas espalhadas pela cidade. Algo em torno de 60% dos lares barra-cordenses as têm, se antes elas se propagavam pela falta de opções hoje esse número ainda continua crescente apesar da oferta de canais locais que poderiam barrar tal crescimento. Politicagem, baixa qualidade de programação e má-produção de comerciais acabam por afugentar os telespectadores.
           
No caso das rádios a situação é mais complexa, como não há parabólicas para estações de rádio, resta ao ouvinte um único consolo, mudar de estação quando os níveis de bajulação ultrapassam os limites normais, coisa que se tornou comum nas ondas de rádio e de tv que pairam sobre os lares barra-cordenses. É nossa imprensa dita livre cada vez mais presa ao poder econômico e político, fechando os olhos aos nossos cada vez mais graves e corriqueiros problemas.

*Urias Matos é poeta, mora em Barra do Corda
(urimatos@gmail.com)
Nota: Poemas de Urias Matos podem ser lidos no blog: (http://matosurias.blog.uol.com.br/)