O que é ser indígena
jornal Turma da Barra

 


Rhennoyro Pompeu é índio Guajajara
estuda Medicina na Bolívia

 

“Por isso falo que ser indígena é ter um orgulho muito grande do meu povo,
pelo simples dele existir até hoje. Saber que, por minhas veias, corre um sangue que fica calmo quando estou em minha aldeia…”

*Rhennoyro Pompeu

            “Por isso falo que ser indígena é ter um orgulho muito grande do meu povo, pelo simples dele existir até hoje. Saber que, por minhas veias, corre um sangue que fica calmo quando estou em minha aldeia…”
            Hoje vivem no Brasil, em média, 800 mil indígenas. Isso nos dá 0,4% da população brasileira, com cerca de 180 línguas diferentes. Você pode até achar muito, mas se formos comparar com a quantidade de outrora, quando da chegada dos colonizadores portugueses – onde tínhamos entre 3 a 10 milhões de indígenas e mais de 1.300 línguas diferentes- verificamos uma grande diferença.
            Por isso falo que ser indígena é ter um orgulho muito grande do meu povo, pelo simples dele existir até hoje. Saber que, por minhas veias, corre um sangue que fica calmo quando estou em minha aldeia… [Sangue esse que também ferve em momentos de descaso, discriminação e humilhação contra meu povo.] Saber que tenho a natureza e parentes que transmitem tanta inocência, respeito, humildade e amor pela vida, apesar de tantas dificuldades, é de se orgulhar. Dói só de imaginar quantos perderam suas casas, suas tribos… Quantos foram mortos, escravizados e torturados para se construir o Brasil.
            Na minha infância, fui ensinado por meus pais a não abaixar a cabeça para ninguém, pois era igual a todo mundo. Acho que já estavam me preparando para o que eu iria ter que enfrentar quando fosse estudar na cidade. Estavam certos: em uma de minhas primeiras aulas, como não estava acompanhando o ritmo dos outros alunos, a professora me perguntou onde eu tinha estudado. Ao responder “Na aldeia, professora!”, ela olhou e falou: “Só pode!”. Fiquei sem entender naquele momento. Hoje, entendo. Isso serviu para estudar mais e, com o incentivo de minha mãe, meses depois a própria professora veio me elogiar pelo desempenho adquirido. Daí para frente tive muitos outros exemplos de discriminação, a maioria, infelizmente, na escola - e de professor! Graças a Deus não guardo mágoas e até agradeço, pois me deixaram mais forte.
            Barra do Corda tem um histórico não muito bom na relação de brancos com indígenas. Antes, era frequente alguém falar: “Eu tenho medo de índio” ou “Você é índio ou é cristão?”. Se for cristão não pode ser índio? Acho que todos somos filhos de Deus e feitos por ele da mesma forma, essa é uma questão religiosa. Fugindo dessa discussão, posso falar que hoje melhorou muito, apesar dos pesares. Já somos mais reconhecidos na sociedade, fruto de muitos anos de trabalho e luta por nossos direitos! Graças a Deus sempre tivemos a coragem de correr atrás e não esperar cair do céu uma solução para nossos problemas.
            Tive a oportunidade de conhecer a Bolívia. Chegando aqui, além da língua diferente- castelhano e espanhol - vi uma coisa que me chamou atenção: era como se fosse uma enorme aldeia evoluída, bem desorganizada, mas evoluída. Olhava pra um lado e via como se fosse um parente indígena trabalhando de policial, um atendendo no aeroporto, outro taxista, achei interessante. Mais à noite fui lanchar com um amigo. Ele falou com o dono da loja: “Olha, ele é índio!”. Aí o dono olhou meio esquisito e respondeu: “Não, não é!”. Então, fiquei sem entender e falei: “Sou, sim, com muito orgulho!”... E fui para casa intrigado com aquilo. Somente depois fui saber que ser chamado de “índio” aqui é uma ofensa muito grande. Igual ou maior que ser chamado de “filho da puta”. Fiquei triste, mas deixei para lá.
            Um dia, andando em uma lotação (como é muito desorganizado o trânsito, sempre tem “fechadas”), aconteceu uma fechada e a senhora do carro do lado baixou o vidro e xingou o motorista da minha lotação: “Seu índio de merda!”. Eu fiquei muito zangado, mas me contive. Fui procurar saber o porquê de tanta revolta. Então descobri que, com o governo do Evo Morales (ele próprio é índio), os povos indígenas da Bolívia foram levados, em maioria, para as cidades. Mas não deram condições para eles sobreviverem e a maioria virou mendigos. Com isso, estão nas ruas pedindo esmolas, uma triste e cruel realidade. E, hoje, ser chamado de “índio” aqui na Bolívia é como ser chamado de mendigo, essas coisas…
            Acho que quem tem descendência indígena deveria ter orgulho. Muitos descendentes, que se parecem com índio muito mais do que eu, chegam a renegar sua origem. Quando são perguntados “Você é índio?”, respondem: “Quem, eu? Não, eu não, sou mestiço!”. Sendo que, pra mim, a pessoa pode ter “tataravó índia”, mas, se ela se considerar índia, vai ser.
            Hoje, com certeza, tem muitos brancos quem amam mais os indígenas que eles mesmos. Existem muitos índios que, ao invés de usarem os conhecimentos do homem branco para melhorias e ajudar seu povo, se aproveitam da inocência e do respeito que os parentes tem por eles para se beneficiarem pessoalmente com luxos e mordomias.
            Infelizmente, muitos estudiosos querem os indígenas como há 500 anos atrás, pelados no meio da mata, isolados do mundo para serem objetos de estudo… Para mim: temos que evoluir, mas sem nunca perder nossos costumes e crenças.
            Tenho um pensamento: pela capacidade e inteligência que tem os indígenas, queria que seguíssemos o exemplo dos japoneses, que evoluíram e são modernos, mas nunca perderam seus costumes e crenças.
            Terminando, queria deixar as homenagens a algumas pessoas que admiro muito na luta pela causa indígena e são lideranças de Barra do Corda - MA:

Rita de Cassia Carneiro Pompeu (Kassi): Vereadora, minha mãe, meu orgulho, um exemplo de pessoa guerreira e batalhadora na vida. Amo muito.

Valdir Pompeu (Soriano): Meu Pai, que ao lado de minha mãe, lutou muito na vida. Eles me educaram e me ensinaram a amar, respeitar e ter orgulho de meu povo indígena.

Alderico Pompeu: Um tio querido, que me ensinou muitas coisas. Cacique da Aldeia Cachoeira, uma pessoa forte que já lutou muito, e até hoje luta, por seus parentes.

Ornilo Amorim: Sempre calmo, mas firme em sua palavra, uma grande liderança das comunidades indígenas.

Velho Amorim: Cacique que já faleceu. Respeito muito, sempre vai ser lembrado por sua vida de luta e palavras fortes pra defender seu povo.

Suluene: Indígena de Grajaú, umas das mais guerreiras que tive o prazer e a honra de conhecer, um exemplo de força e garra, infelizmente, já se foi e hoje tenho certeza que luta por seu povo ao lado de Deus no céu “Tupã”.

Avô Zequinha: Uma lenda vida, acho que quase uns 90 anos ou mais. Um reprodutor nato que ajudou a crescer a comunidade indígena, em um tudo. Não existem dados, em números confirmados, que comprovem sua historia, mas diz a lenda que teve sete mulheres, 20 filhos e netos que não se pode contar.

*Rhennoyro Carneiro Pompeu é barra-cordense, estudante de medicina em Cochabamba – Bolívia

 

(TB19abr2013)