Memória
O centenário de Dona Petinha
jornal Turma da Barra


Dona Petinha em sua casa

Por Álvaro Braga

            Se fosse viva dona Petinha estaria fazendo neste dia 31 de maio de 2012 exatos 100 anos.
            De personalidade marcante, dona Petinha com sua maneira de ser, sempre acolhedora e gentil, cativava a todos e sua lembrança ainda é uma presença entre a família e amigos.
            Aquela esquina da rua Magalhães de Almeida canto com a Praça Getúlio Vargas ficará eternamente viva na memória dos barra-cordenses como o Hotel de Dona Petinha.
            Convidamos para dizer para nós quem foi aquela mulher, o seu filho, o advogado e juiz aposentado Fernando Eurico Lopes Arruda: 


“PETRONILHA LOPES ARRUDA,
mais conhecida por PETINHA ARRUDA, era filha de Victor Lopes e de Cândida Lima. Nasceu no dia 31 de maio de 1912 na cidade de Balsas – MA.

Casou, primeiramente, com Manoel dos Reis, também conhecido por NEZIM no dia 3 de março de 1938, em Balsas. NEZIM era boiadeiro. No dia 30 do mesmo mês e ano partiu de Balsas conduzindo uma grande boiada, com destino a Bacabal. Na época, Barra do Corda era passagem obrigatória para quem estivesse no alto sertão e se dirigisse ao baixo Mearim ou a São Luís. Em Barra do Corda, NEZIM tinha alguns amigos, dentre os quais Deodoro Martins de Arruda e Juca Barbosa. Juca era farmacêutico e natural de Balsas, conhecia muito bem Petinha e seus familiares. Era casado com Dona Iolanda Nava, irmã de Dona Aurora Nava Falcão.

NEZIM, depois de vender a boiada em BACABAL, empreendeu a viagem de volta a Balsas. Em meado de maio, chegou muito doente em Barra do Corda a bordo de uma lancha. O amigo Juca Barbosa diagnosticou “pneumonia dupla” e telegrafou para Petinha comunicando o grave estado de saúde de NEZIM e solicitando a sua vinda imediata.

Como o estado de saúde de NEZIM requeria cuidados especiais, Juca e outros amigos conseguiram hospedá-lo na casa atualmente pertencente à dona Oclair Queiroz, viúva de Moreno Queiroz, situada na rua Irmã Helena, no centro.

Depois de três dias de cavalgada forçada, enfrentando chuvas, dificuldades e perigos diversos, PETINHA chegou e logo foi ver o marido enfermo. Ao vê-la, após os cumprimentos de estilo, disse para a pessoa que estava cuidando dele: “Passa um café, pois ela gosta muito de café”. Foram as suas últimas palavras. Era o final da tarde do dia 22 de maio de 1938. Na madrugada do dia seguinte NEZIM faleceu.

Barra do Corda era para PETINHA um lugar distante e desconhecido. Apesar da pressa para ver o marido enfermo e ter aqui um amigo que era Juca Barbosa, PETINHA trouxe cartas de recomendação para pessoas influentes dentre as quais Deodoro Martins de Arruda.

Depois do sepultamento de NEZIM, PETINHA ficou hospedada na casa de Deodoro e permaneceu em Barra do Corda por mais ou menos quinze dias, tempo necessário para receber créditos e valores deixados pelo falecido em poder de terceiros, no que foi auxiliada por Juca e Deodoro.

Na véspera de retornar para Balsas, PETINHA recebeu das mãos de Deodoro um envelope lacrado, a ela endereçado, com a recomendação de abri-lo somente em Balsas. Mas não resistindo à curiosidade, Petinha abriu o envelope e leu o seu conteúdo. Era um discreto pedido de casamento no qual ele lembrava que ambos eram viúvos e nada os impedia de realizar esse objetivo. Depois da leitura da carta, PETINHA procurou Deodoro para fazer algumas ponderações, dentre as quais, de que ele não a conhecia direito. Diante da insistência dele, ela prometeu pensar sobre o assunto e no futuro dar a resposta.

Chegando a Balsas, PETINHA foi passar uns dias com a mãe biológica que também era viúva e morava na fazenda deixada pelo marido, no lugar chamado Soém, distante de Balsas aproximadamente 100 quilômetros.

PETINHA tinha sido criada desde tenra idade, por sua madrinha e tia a quem chamava Madim. Madim morava em Balsas. Muito cedo, por incentivo da mãe de criação, PETINHA aprendeu bordar, costurar, depois fiar, tecer no tear manual, cozinhar e várias outras prendas domésticas. Estudou até a 4ª série do antigo primário.

Era julho e como PETINHA ainda não tinha dado a resposta prometida, Deodoro entrou em contato, por telegrama, com uma pessoa aparentada chamada Luiza Leda, residente em Balsas, solicitando notícias de PETINHA. Com as informações de que precisava, Deodoro despachou o seu vaqueiro de confiança chamado Marcelino da Zizuína, a cavalo, para levar uma carta para PETINHA, na fazenda situada no lugar Soém. Era agosto de 1938. No final do mesmo mês PETINHA voltou para Balsas, onde ficou na companhia da mãe de criação.

Marcelino quando retornou do Soém, trazia a resposta da carta que havia levado. NA resposta PETINHA dava o ‘sim’. Em cartas trocadas no final de setembro, foi oficializado o noivado e marcado a data do casamento para o dia 27 de dezembro daquele ano, dia do aniversário de Dona Eunice Bastos Salomão, esposa do Dr. José Benedito Salomão.

PETINHA saiu de Balsas pelo dia 20 de dezembro. Chegou ao povoado Porcos, já no município de Barra do Corda véspera de natal, tendo sido acolhida por um sobrinho de Deodoro por nome Nilo de Arruda Cravo. Na fazenda de Nilo, já se encontrava, dentre outras pessoas, Antônio Martins, que além de amigo, trabalhava com Deodoro e foi o encarregado de trazer a noiva a tempo para o casamento. A noiva foi acompanhada até Barra do Corda por um grande número de cavaleiros.

O noivo, Deodoro Martins de Arruda, tinha 49 anos, nascido em 21 de novembro de 1889, era filho de José Martins de Arruda e de Josefa Alves de Arruda. Tinha cinco filhos havidos nas primeiras núpcias que se chamavam Ester, Delma, Ana Amélia e Cássio. Deodoro foi Prefeito de Barra do Corda no período de 1936/37. Como registro de sua passagem pela Prefeitura, consta, com algumas poucas alterações, o prédio onde funciona a Delegacia de Polícia e a Cadeia, situado na Praça Melo Uchoa, totalmente reformado e ampliado em sua gestão.

O casamento foi realizado na residência de Dona Oadia Salomão situada na esquina das ruas Manoel José Salomão e Frederico Figueira. Estiveram presentes na solenidade as pessoas mais representativas da sociedade local. Depois foi servido um grande banquete, durante o qual os oradores se revezavam, formulando votos de felicidades aos nubentes.

DEODORO era comerciante e pecuarista. Tinha um armazém de secos e molhados. Fornecia mercadorias para GRAJAÚ e adjacências que eram levadas através das várias tropas de burros que tinha. Por meio da relação comercial, fez grandes amigos.

Todos os comerciantes de Grajaú, quando pretendiam ir a São Luís fazer compra, ou por outra razão, aguardavam os dias que antecediam o embarque na lancha que descia o rio Mearim, hospedados na casa de Deodoro. No retorno, a espera era sempre mais demorada, pois era de Barra do corda que o comerciante telegrafava para os familiares em Grajaú, pedindo o envio da tropa de burros, para levar as mercadorias adquiridas. Em muitas ocasiões, Deodoro cedia suas tropas de burros para levar as mercadorias do amigo, sem nenhum custo adicional.

O filho do casal chegou no dia 20 de fevereiro de 1940 e recebeu o nome de Fernando Eurico.

Deodoro foi acometido de um AVC em março de 1945, tendo ficado com sequela nos membros do lado direito. Andava com certa dificuldade. Em 15 de novembro do mesmo ano sofreu uma parada cardíaca e faleceu.

Mesmo depois da morte de Deodoro, os velhos amigos de Grajaú e vizinhanças, continuaram hospedando-se, agora, na casa da viúva. Como achavam injusto à viúva nada cobrar pela estadia que às vezes era longa, os amigos do falecido passaram, então, a pagar pela hospedagem. Foi assim que surgiu o “Hotel da Petinha” que funcionou de 1947 até junho de 1975. Quando o Hotel estava sem hóspede, PETINHA costurava, pois era excelente costureira e chegou a ter um atelier.

Ao longo da vida, PETINHA fez muitos amigos. Considerava-se verdadeira mãe adotiva de Luís Campeão, Genézio Alves, Bertulina, Leonilde (Nega)- esta foi criada desde quando nasceu e veio de Balsas em sua companhia, morava em Timon – MA onde faleceu em abril último –, Joana e a filha Nazaré, Conceição da Dária e a filha Ana Paula e Josélia. Muitas pessoas chamavam-na de “Mãe PETINHA”. Afora aqueles que a chamavam de madrinha apenas por estima, consideração ou porque eram afilhados de fogueira, costume muito em voga na época, na realidade PETINHA teve mais de trezentos afilhados de batismo, crisma e consagração.

PETINHA faleceu de infarto diafragmático quando faltavam 16 dias para completar 86 anos, isto é, no dia 15 de maio de 1999.”

No ano de seu passamento, o neto Cid Veiga, filho de Eurico Arruda, escreveu comovente poema:

Minha Avó Petinha Arruda
(Cid Veiga Arruda)

Quantas vezes,
Na madrugada, levantaste
Para cobrir meus pés
Enregelados de frio

Quantas vezes,
cantastes “parabéns pra você”
com sua voz meida e suave,
no meu aniversário

Quantas vezes
repousei minha cabeça
no seu regaço, com o rosto
banhado em lágrimas
por causa das surras da vida
e tu me confortaste
com essa mão trêmula,
mas delicada, que transmitia
tanto amor...

*Álvaro Braga é escritor e mora em Barra do Corda (MA)


Dona Petinha


No fundo, à direita, hotel da Dona Petinha


’Santinho’ publicado após falecimento de dona Petinha

 

(TB31mai2012)