Artigo
Bicentenário de João Francisco Lisboa
jornal Turma da Barra


           
No dia 22 de março de 1812, uma coruscante estrela, qual a dos reis magos, brilhava nos céus de Pirapemas – MA, anunciando, angelicamente, o nascimento de João Francisco Lisboa, uma das mais singulares figuras da literatura brasileira, pertencente à plêiade de escritores maranhenses que viveram e floresceram no começo do século XIX.
            Filho de João Francisco de Melo Lisboa e de Gertrudes Rita Gonçalves Lima.
            Lisboa encarna a imagem da fina flor da intelectualidade do Maranhão.
            Notável advogado, orador de coturno, historiador de mão cheia, escritor redondo, jornalista contundente e político sagaz. Deputado provincial (estadual) por mais de uma legislatura.
            Um dos mais argutos conhecedores da língua portuguesa, que a defendia com garra e apreço. Basta dizer que foi aluno de Sotero dos Reis, o maior gramático lusófono de todos os tempos, por isso constituindo-se um dos maiores expoentes das letras pátrias.
            Basta dizer que viveu na época e desenvolvimento do romantismo no Brasil. Mas não escreveu, propriamente romance. E a tentativa de escrevê-lo, em defesa histórica da escravatura, logo dele desistiu, após o aparecimento da Senzala do pai, de Beecher Stowe, por julgar seu conteúdo semelhante ao que ele pensou em escrever.
            Seu forte foi o jornalismo – essa bonomia que fere e perdoa – no éden do saber dizer em linguagem castiça.
            E nenhum escritor brasileiro do século XIX, seja em que gênero for, se fez sem ser jornalista, escola de grandeza formadora dos beletristas pátrios.
            Assim, sem desdenhar a imprensa nacional, quer na literatura, quanto na política, representou-se pelos melhores órgãos representativos e cifrados em Correio Brasiliense, 1808-1822, de José Hipólito da Costa Pereira Furtado de Mendonça, editado em Londres; Aurora Fluminense, 1827, de Evaristo da Veiga; As Variedades ou Ensaios de Literatura, 1812, o primeiro jornal literário do Brasil; O Patriota, 1813-1814; Anais Fluminenses de Ciências, Artes e Literatura, 1822; O Jornal Científico, Econômico e Literário, 1826; O Beija-Flor, 1830-1831; Revista da Sociedade Filomática, 1833; Niterói-Revista Fluminense, 1836; Minerva Brasiliense, 1843-1845; Guanabara, 1850.
            O conteúdo dessa imprensa, diante de local e data, direção, a certo ponto, efêmera, apresentava, sobretudo, matéria de orientação, ora filosófica, ora política, ora literária.
            Esta imprensa ressentia-se do delírio da personalidade, da supervisão das coisas, do transbordamento da imaginação, do egocentrismo literário.
            Ainda não havia uma academia de letras de substrato permanente. Mas uma ebulição intelectual vigorava na época. A esse ambiente, aliavam-se os postulados da história, em segurança, da vida social e econômica do país, com sua raça, sua flora e sua fauna.
            Esta circunstância, no entanto, fez resultar na criação do Instituto Geográfico Brasileiro, 1838, cenáculo dos pensadores, oferecendo reais estudos históricos, libertando a sociedade de meras memórias, crônicas e genealogias, alargando os conhecimentos e estabelecendo laços de cultura entre os escritores, sem borboletear os assuntos.
            A esta altura, João Lisboa já era gente. E não perdeu tempo, pertencendo ao famoso grupo maranhense, composto de Odorico Mendes, Gonçalves Dias e Sotero dos Reis.
            Aos 19 anos de idade, estréia no jornalismo e na política.
            Assim, em 23 de agosto de 1832, publica o primeiro número d’ O Brasileiro. E continua redigindo O Farol Maranhense, O Eco do Norte, Crônica Maranhense, Publicador Maranhense, Revista, Correio Mercantil e Jornal do Comércio.
            Daí, grande jornalista e literato, revelou-se João Lisboa, até chegar ao Jornal de Tímon, em 1852, redigindo-o com pureza de sua língua, onde exerceu crítica histórica, política e literária.
            E, segundo José Veríssimo, “o feitio e isenção do seu caráter deram-lhe a forma terça, límpida em que juntou com discernimento e garbo o castíssimo português ao natural influxo do brasileirismo.” (História da Literatura Brasileira, 5ª edição, pág. 186).
            E continua José Veríssimo: “João Lisboa é incontestavelmente um dos escritores que mais ilustraram a nossa literatura.” (op. Cit., pág. 189).
            Graça Aranha assevera “que seu estilo conserva as características portuguesas, a linha horizontal, a planície. Mesmo carregado de intenções, rancores, de sarcasmo, o estilo de João Lisboa é plano, largo, dando a sensação de serenidade.” (O Meu Próprio Romance, pág. 112-117).
            Para Nelson Werneck, João Lisboa “é uma das figuras da primeira fase do romantismo, exercendo, da província, influência ponderável nos meios intelectuais do tempo, particularmente através das polêmicas em que teve parte. Escritor correto, não mereceu ainda o estudo crítico e biográfico que há de situá-lo na posição a que fez jus.” (História da Literatura Brasileira, pág. 252).
            E Sílvio Romero dá-lhe “o posto de príncipe dos nossos historiadores”, sendo “até hoje o único historiador nosso em cujas páginas se sentem palpitar algumas das agitações da alma popular, algumas pulsações do coração da nacionalidade que se ia e se vai formando.” (História da Literatura Brasileira, 6ª edição, pág. 1574).
            Diz Manuel Bandeira: “A adoção do nome do célebre misantropo grego (Tímon) reflete o pessimismo e azedume de Lisboa diante da corrupção dos costumes políticos, cujo exame inicia a obra.” (Noções de História das Literaturas, 1942, pág. 309).
            Foi João Lisboa tido por autodidata por Nélson Sodré, José Veríssimo, Haroldo Paranhos, Otávio Tarquínio de Sousa e outros. Não é verdade. Sílvio Romero dá este testemunho: “O jornalista, sempre inspirado nos ditames da justiça, já vinha estudando a ciência do direito, e, depois que se pôs fora da agitação partidária, atirou-se de todo a ela, fazendo-se advogado.
            Nas plácidas lides do foro se demorou Lisboa até 1855.
            Na tribuna forense teve repetidos ensejos de mostrar os seus grandes dotes oratórios por dilatados anos.” (op. Cit., pág. 1572).
            O criador do Jornal de Tímon, sua obra capital, e o biógrafo de A Vida do Padre Antônio Vieira, é um legítimo heleno maranhense.
            “Vemos assim, que, em todos os gêneros que cultivou – jornalismo, história, crítica, biografia, filosofia, política e jurisprudência – João Francisco Lisboa elevou-se superiormente.” (Haroldo Paranhos, História do Pensamento no Brasil, pág. 222).
            Sempre brilhou na beleza da expressão, na pureza castiça da língua e no rigor austero de um estilo terço, nobre e vigoroso.
            Falecido em 26 de abril de 1863.
           
Aqui fica, pois, a ínclita homenagem que lhe presta em seus duzentos anos de nascimento, a Academia Barra-Cordense de Letras.

*Nonato Silva é escritor e poeta, PHD em Filologia Românica, reside em Brasília

(TB22mar2012)