Artigo
Reminiscências de Barra do Corda
Um domingo no Araticum

jornal Turma da Barra

 


Nicanor Azevedo Filho

 

Nicanor escreve sobre os piqueniques no Araticum: 
"chegávamos ao sítio da dona Inês e sr. Firmo. Casa simples, coberta de palha, com um paiol anexo." E completa: "A chegada era uma festa, logo corríamos em direção a duas pitombeiras frondosas, próximas uma da outra, que nos propiciavam os frutos e serviam de abrigo aos adultos que se reuniam ao redo
r de uma mesa às suas sombras."

*Nicanor Azevedo

            Barra do Corda, no início da década de 60, era uma cidade muito tranquila, isolada por falta de estradas asfaltadas e ligada aos outros municípios principalmente por via fluvial. |
            Domingo era um dia muito esperado, mais ainda quando estava programado um piquenique no Araticum.
            Lá morava um casal amigo dos meus pais (Nicanor Azevedo e Maria da Paz), o sr. Rufino e dona Inês que nos recebiam com muita alegria nessas ocasiões festivas.
            Quando era mês de maio, por volta de 6h30min da manhã, com o nevoeiro típico da estação, acordávamos, meu irmão Paulo Rogério e eu e íamos para porta da nossa casa, situada à rua Formosa, onde já nos aguardava um dos filhos da dona Inês com dois burros (ou jumentos) para nos transportar até o Araticum.
            Um dos animais conduzia o material do piquenique, panelas, carne, feijão, arroz, bebidas etc e o outro levava meu irmão e eu, cada um em um dos jacás, até o Araticum; meus pais iam caminhando.
            Para uma criança de 7 a 8 anos de idade, como era o meu caso, a jornada era uma aventura, primeiro atravessávamos as duas pontes, uma sobre o rio Corda e a outra sobre o Mearim. Em seguida tomávamos um caminho à esquerda margeando o Mearim.
            Era uma região com poucas casas, muito esparsas. Andávamos um bom tempo com o mato ladeando o caminho, no lado direito um aclive acentuado e no lado esquerdo uma escarpa até o rio.
            Logo passávamos em frente à casa do Sr. Manoelzinho, que trabalhava na Colônia Agrícola Nacional do Maranhão, onde também trabalhou meu pai. Ele sempre nos acenava alegremente e às vezes parávamos em sua casa para meus pais tomarem um cafezinho.
            Logo depois chegávamos ao sítio da dona Inês e sr. Rufino. Casa simples, coberta de palha, com um paiol anexo. Paiol era uma plataforma elevada feita de madeira rústica, onde se armazenava milho com casca, feijão, arroz e outros produtos produzidos na pequena propriedade.
            A chegada era uma festa, logo corríamos em direção a duas pitombeiras frondosas, próximas uma da outra, que nos propiciavam os frutos e serviam de abrigo aos adultos que se reuniam ao redor de uma mesa às suas sombras.
            Dessas domingueiras, minha memória me permite lembrar o casal sr. José Nogueira Arruda (Duque de Giz) e dona Guaracy, ambos de uma jovialidade e simpatia contagiantes.
            Se não me falha a memória, participavam também o casal sr. Lourival Pacheco e dona Julia, e creio que Delcimar Pacheco de Sousa (era solteira à época, mas muito amiga da minha mãe) também ia por lá.
            Algumas cenas ficam na nossa memória, lembro que Ilnar Pacheco de Sousa (irmão da Delcimar), foi a um dos piqueniques, e lá nos mostrou um revólver calibre 22, atirando em seguida no tronco de uma árvore, foi o primeiro tiro de revolver a que assisti.
            Eram dias muito divertidos, o almoço era feito lá mesmo no sítio, em um fogão de lenha. O sr. Rufino gostava de tomar uma cachacinha e ficava ainda mais alegre.
            Um dia fomos acompanhando sr. Rufino e os filhos em busca de mel de abelha selvagem. Andamos pelo mato uns dois quilômetros e encontramos uma árvore de mais de 10 metros de altura e lá no topo estava uma colmeia que me parecia ter mais de um metro de diâmetro.
            O processo de obter o mel era mediante a derrubada da árvore. Depois de afugentadas as abelhas, a colmeia preencheu uns quatro jacás e forneceu vários litros de mel. Não sei se foi o assombro de uma criança pelo ineditismo do trabalho, mas até hoje tenho na lembrança a grandeza dessa aventura.
            Existia um pouco mais acima, às margens do rio Mearim, um local que era chamado, se não me engano, de “Barracão de Gesso”, onde existia uma moenda do sr. Antoninho Araújo e lá se tomava um caldo de cana espetacular. Próximo de lá se fazia farinha e o cheiro da mandioca fermentada, mergulhada no rio, era inconfundível.
            No final do domingo descíamos de “casco” até o nosso “porto” no final da rua Formosa, no rio Corda, já imaginando como seria o próximo piquenique.

*Nicanor Azevedo Filho é engenheiro civil, mora em São Luís (MA)


(TB14nov2013)