Artigo
Dez anos
jornal Turma da Barra

*Mauro Miranda

(Para Leide e Maurinhos – em primeira mão...)

            Um jovem, tipicamente aventureiro, irrequieto como são os jovens, olha para caras assim como eu, quarentões, grisalhos, alguns até carecas e barrigudos e pensa: “como deve ser chata a vida desses coroas... eu é que não caio nessa rotina!”.
            Eu, tipicamente coroa, grisalho, em plena comemoração de Dez Anos de Casamento (e mais uns dois ou três de “experiência”) penso em alguma resposta... Mais ou menos assim:
            “Pense na aventura que é viver essa rotina... 
            De trabalhar de sol a sol; de não dormir direito; de ficar sem dinheiro; de dividir tudo que é seu e a qualquer momento... 
            De acordar cedo e dormir tarde; de ficar cansado e não se recuperar nunca do cansaço; de ter centenas de prestações para pagar; de adiar sonhos....
            De ter que ser bom em quase tudo (ou pelo menos fingir); de ser amigo, dócil e confiável e ao mesmo tempo enérgico e exemplar...
            De ter sempre um sorriso aberto e uma resposta pronta; de ser professor e também ter que aprender todo dia...
            Pense na mais bela e enriquecedora aventura de viver essa rotina... 
            E, depois, chegar à conclusão que NÃO QUER OUTRA VIDA:
            Simplesmente ver aquele sorriso de criança te esperando pra mostrar os primeiros passos, as primeiras palavras, as primeiras pedaladas, os primeiros chutes a gol...
            Desfrutar da cumplicidade no olhar e do calor dos braços da companheira... 
            E assim, como um aventureiro que desfruta daquela paisagem inesquecível após chegar ao topo da montanha...
           
Contemplo do meu canto, o desfecho vital e emocionante de mais um dia do que chamam de... “rotina”.

*Mauro Miranda é poeta, escritor e músico, mora em Barra do Corda (MA)

(TB3abr2012)

 

 


Artigo
O declínio das vocações
jornal Turma da Barra


*Mauro Miranda

“O que você quer que eu seja quando eu crescer?”


           
O meu texto para o TB, desta vez, traz uma reflexão motivada por três frases marcantes que ouvi no decorrer dessa minha modesta carreira de servidor público e que gostaria de dividir com meus “quase meia dúzia de leitores!”. Porque tenho certeza de que em algum momento já ouviram algumas histórias parecidas.

PARTE 1- Frases marcantes

     *A primeira dessas frases, ouvi de um Juiz, com quem viajei a serviço do TRT. Disse o Magistrado: “Muitos servidores têm deixado o TRT para tentar outras carreiras (vivíamos, na época, uma carência de novos servidores). Ficaram apenas aqueles que não quiseram estudar.” Logo em seguida ele emendou: “Ou não puderam!”, numa respeitosa alusão ao barnabé que se encontrava ali, ao seu lado.
            Nesse momento, fui informado com sutileza que eu fazia parte do contingente dos que “não quiseram mais estudar”. Fiquei com muita raiva da minha professora de Latim e Filologia que vivia dizendo que eu era um aluno brilhante. Aquela velhinha bonitinha me enganou direitinho! Depois de tantas noites em claro tentando entender aspectos anacrônicos e sincrônicos dos fenômenos que a Linguística nos mostrava (a mim e a outros malucos (?) que acreditávamos estar fazendo a coisa certa, lá Curso de Letras); tantos mistérios e surpresas das seletas latinas... E aquelas aulas de alemão que matavam a gente de cansaço com aquelas pronúncias guturais...? Pois é, depois de todo aquele tempo “perdido”, fiquei sabendo que eu não passava de um analfabeto funcional.
            *A segunda, ouvi de um colega de trabalho quando decidi me mudar para uma Unidade do interior. Disse o colega: “Pra quem não quer mais NADA interior é bom!”. Fiquei perplexo em saber, naquele momento, que eu não queria mais nada, e que a partir daí eu começaria a lutar por um monte de... nada. Concluí então, que no momento em que deixasse a capital, a minha vida, na concepção do meu colega, chegaria ao fim, ou ao nada? E que bela oportunidade esse meu colega teve de reescrever, quem sabe, a obra de Sartre, numa edição que ele até poderia intitular de “O interior e o nada...”. Mas claro, não dei a dica pra ele. Engoli mais um sapo... Vai que o sacana publica, fica rico e eu ainda figuraria como personagem do seu livro, na miserável condição de um “barnabé rumo ao NADA??”
            *A terceira frase é a que considero além de mais engraçada, a mais contundente. Essa frase não poupou nem mesmo uma colega analista judiciária (bacharela em direito). Disse a ela, numa fila de banco, uma outra servidora que acabara de iniciar o curso de Direito: “Puxa, você é formada em Direito? Pena que você não tenha aproveitado seu curso...!” A tradução de aproveitar curso é: passar em concurso para promotor, juiz, procurador etc. Nesse momento, a minha colega, assim como eu em outras oportunidades, estava sendo informada que na nova escala hierárquica da humanidade, ela apenas ocupava posição meramente estatística, ou se preferirem, como diz um colega (também barnabé): ela nem aparece na foto!

PARTE 2 – Crônica:

            Em primeiro lugar, quero que saibam que assimilei com bom humor todas essas frases “motivadoras” e que, mesmo tendo partido “rumo ao nada’, como disse o meu colega, fico feliz, ao final de tudo, transformar essas situações em textos. Acho até que todo mundo deveria tentar escrever alguma coisa  de vez em quando. Tem um efeito tranquilizante de verdade. E, pensem só em quantas respostas poderíamos dar, mesmo que fossem extemporâneas...

EXEMPLO n° 1

            Tenho um amigo que mora fora do país. Depois de sofrer pressão, dia e noite, dos pais, para terminar dois cursos na universidade (diferentes do que ele realmente queria) e, em seguida ser cobrado por não ter logo passado em concursos, por não ter logo arranjado um trabalho bacana etc. O cara ficou deprimido... Foi aí que ele teve a idéia de vender uns pertences e sair do país pra “tentar a vida”! Hoje, pode ser que ele até ande estressado por causa da crise mundial. Mas, com certeza não pelos mesmos motivos de quando era uma aspirante tupiniquim a um cargo público. Lá, ele coordena uma equipe de motoristas autônomos (como ele) em um serviço de entregas de uma empresa. E daí? Perguntariam vocês? Eu explico: O cara se livrou dessa cobrança pequeno-burguesa, típica do nosso desespero de país emergente, de que todo mundo precisa ser “DOUTOR” que levou o Lula a acreditar que vamos tirar o pé da lama distribuindo DIPLOMAS, aos milhares. Urgência da aceleração educacional que futuramente poderá criar uma nova categoria que um outro amigo meu costuma chamar de “analfa com canudo”.
            Depois de um dia duro de trabalho, meu amigo lá nos EUA tem um sono tranqüilo e relativamente bem remunerado. Talvez um sono tão tranqüilo quanto o de um Médico ou de alguém que tenha “aproveitado o curso de Direito” aqui neste hemisfério. Então vemos aí uma questão resolvida por lá: o cara tem direito de ser um bom pedreiro (como foi o meu pai, Ovidio Miranda) ou um bom motorista, recebendo por sua atividade pagamento digno. Eu por exemplo, cheguei a conclusão que não seria muito bom ser pedreiro como meu pai foi, porque além de eu não saber nada de pedreiro, com o que ele ganhava quase não dava pra garantir três refeições ao dia a 12 filhos. Mas quem teria o direito de me questionar se eu insistisse em ser pedreiro? Quem sabe, pedreiro durante o dia e alfabetizador de adultos à noite, já que eu tive inclinação para outra desafortunada carreira: a de professor. Muitos dos meus colegas de profissão poderiam até ser meus alunos. E depois de uma jornada dessas, eu poderia dormir sossegado, se um pedreiro ou um professor desfrutassem de um padrão de vida que não lhe envergonhassem em momento algum.

EXEMPLO Nº 2

            Conheci um cidadão que teve duas filhas e um filho. Arrastava o garoto para assistir partidas de futebol, comprou para ele camisas, bonés e chuteiras do time do coração. Sonhou quem sabe que o filho se tornaria um craque artilheiro. Se não um artilheiro, mas pelo menos um bravo zagueiro. Se nada disso desse certo, quem sabe um bom árbitro. Mas o tempo foi passando e o garoto só se interessava por cinema, publicidade e desenho. O que começou com algumas gravuras do menino evoluiu para belíssimos quadros mais requintados e, entre uma pintura e outra, arriscou ainda desenhos conceituais em design de móveis e até decoração e moda. O pai entrou em desespero e deu um jeito de dar sumiço nos trabalhos do garotão. Arranjou um emprego para o filho em uma empresa de transportes e continuou insistindo em levar o adolescente para o futebol de praia etc. Aos 16 anos o rapaz chamou o pai para uma conversa e confessou finalmente que não tinha saco para ir ao estádio e vivia magoado porque não tinha chances de continuar produzindo sua arte. Resultado: a rejeição da família lhe trouxe desânimo generalizado. Parou de estudar e ali foi por água a baixo o que poderia ser mais uma carreira de sucesso. Não que esporte e arte não possam andar juntos. Não me entendam mal. Isso também é possível. Mas não era o caso do nosso artista que virou funcionário do ramo de transportes. Bom lembrar que quero focar a atitude do pai e não do filho, nesse embaraçoso episódio.

MORAL DA HISTÓRIA:

            Desejar tudo de bom a um filho ou filha não é desejar que eles cumpram à risca nossos sonhos de pais. Olhar para o filho e dizer: “Esse menino vai ser juiz!; “Esse menino vai ser médico”!; “Esse menino vai ser jogador!...”É uma forma de desejar sucesso? Claro que sim! Mas dessa forma colocamos o peso de nossos sonhos, expectativas, nos ombros de um adolescente. Incentivar talentos múltiplos, inteligência de forma mais ampla, que se confirmarão ou não em uma carreira, é obrigação de pais e educadores. Aquele amigo que mora hoje lá nos EUA e trabalha como motorista só queria ser oceanógrafo (só esse nome já deveria encher qualquer pai de orgulho) e participar de algum desses grandes projetos ambientais. O outro rapaz, que segue hoje sua sossegada carreira numa empresa de transportes só queria se designer. Que mal fez a ponto de enlouquecer o pai?
            A moral da história está aí, exatamente nesse ponto: estaremos nos tornando escravos dos mitos da sociedade de consumo? Tornamo-nos especialistas em inventar novas formas de preconceitos?
            Os tempos avançam em tecnologia e o que vemos através desses estúpidos exemplos, são velhas formas de apologia sobre as carreiras que consideramos bem sucedidas. As coisas não são mais assim: temos que conviver com as mais inusitadas formas de sobrevivência. Os especialistas em trabalho e emprego avisam em suas palestras que haverá uma desestruturação dos conceitos tradicionais de “boas carreiras” e que pais e educadores devem estar atentos para formar cidadãos inteligentes e adaptáveis. O dinheiro virá da expressão desses novos talentos. Muito ou pouco dinheiro decorrentes de uma carreira, é um risco a que todos estamos sujeitos, não só os que consideramos “loucos” ou estranhos. Parabéns se seu filho passou para Direito. Parabéns se seu filho vai ser médico. Mas se ele falar em ser oceanógrafo, biólogo marinho, desenhista de moda, filólogo, guia de turismo de aventura; músico experimental, escritor, astrólogo, astrônomo, físico nuclear, percussionista... dê uma chance ao garoto! Senão, quem sabe, você deixa de incentivar mais uma carreira de sucesso.

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Mauro Miranda é poeta, escritor e músico, mora em Barra do Corda (MA)