Coluna da Luciana Martins

nº 117, domingo, 25 de julho de 2010

Nostalgia e memória
Parte I

jornal Turma da Barra

Para Rafisa, prima-neta recém-nascida

      Não  consigo entender por que existe este fascínio tão grande pelo que passou, pelas coisas que aconteceram ou aconteciam “antigamente”.
     Só  sei que a nostalgia que a gente tem do passado me parece faculdade intrínseca do ser humano.
      Tenho pra mim que é porque a memória é primordialmente feita de passado. Rememorar é ato de se trazer pra frente o que ficou pra trás, de se recuperar o que deixou de existir, mesmo que há poucos centésimos de segundo. Sem contar o fato de que a memória ainda é responsável por tornar presente, na consciência, aquilo que o inconsciente nos fez vivenciar. (Não ouso entrar na questão de se há ou não uma memória do futuro, porque minha filosofia é parca para tanto.)
     De toda maneira, tanto pensadores estudam o tema como igualmente poetas tratam desse vínculo indissolúvel da memória com o passado.
     “Mnemosine” é a deusa-mãe das nove musas gregas dos processos criativos — fonte de inspiração e de engenho. Foi amante de Zeus, de quem engravidou das nove meninas. A deusa é uma das seis filhas de Urano (o Céu) e de Gaia (a Terra). Por ser herdeira da relação amorosa que engendrou o mundo, essa moça é nada insignificante.
     Não  é à toa que a memória perpassa a atividade artística e a cotidiana da humanidade desde que homens e mulheres começaram a descobrir sua capacidade de pensar, de cogitar, de raciocinar, de elucubrar, de intuir, de devanear.
     É uma contradição das brabas, um oxímoro quase trágico — isto de o passado ter sido horrível para tanta gente e, assim mesmo, possuir esse encanto contagiante.
     Um exemplo cinematográfico de critérios racionais sobre a constatação de que o passado era feio e triste — se não igual, pior do que os dias de hoje — está no filme “As invasões bárbaras” (2003), continuação do famoso “O declínio do império americano” (1986), do canadense Denys Arcand.
     O personagem em torno de quem gira toda a trama é Rémy (Rémy Girard), intelectual e professor que se encontra à beira da morte, no estágio terminal de um câncer que invadiu todo seu corpo.
     Em determinado momento, no hospital onde se interna inicialmente, Rémy discute com uma freira sobre o passado histórico da humanidade. Ela afirma, se bem me lembro, que o mundo estava doente e que o apocalipse tinha chegado.
     Rémy contra-argumenta, dizendo que antes o mundo era tão ruim quanto agora, e cita as invasões romanas, as invasões bárbaras, as cruzadas e tantas outras guerras ocorridas no passado. Enfático, ele conclui que a única diferença entre as “barbaridades” antigas e as atuais reside nas armas utilizadas então: pau, pedra, machado, faca, punhal, adaga, clava, espada — em função do que o caráter sanguinolento dos combates ficava mais explícito. De resto, conclui, estaremos sempre no mesmo barco — antes, agora e no futuro.
     Rémy está mais do que certo. Mas, venhamos e convenhamos, o passado tem realmente seu charme. Basta olharmos, por exemplo, as pinturas antigas e os retratos de família.
     Quanto ao passado mais recente, nada como a magia dos retratos de gente desconhecida flanando pelas ruas de qualquer cidade do mundo desde o início dos tempos da invenção da fotografia — invenção esta de que até o genial poeta Charles Baudelaire se ressentiu, no século XIX, considerando que “aquilo” jamais poderia vir a ser arte.
     Entretanto, fotografia e cinematógrafo vieram para deixar definitivamente a marca do passado cravada na memória das gentes. E, para completar, a recente tecnologia digital apareceu não apenas para tornar o presente, no futuro, um passado repleto de registros, como também para resgatar o que a fotografia e o cinema tradicionais não estavam dando conta de deixar eterno.
     Trazendo essa reflexão para o campo pessoal, quinta-feira passada, por exemplo — três dias depois de ter chegado “na terrinha” — fui conhecer o que se tornou o antigo aeroporto da Barra do Corda com meus amigos do TB (Álvaro, Pablo e Renilton).
     Fica bem aqui no final da Rua Isaac Martins, no início da Altamira, perto do INSS. Penso que não dista sequer mais de um quilômetro do centro da cidade. Ali, na década de cinquenta do século recém terminado, era só barro e mato, ao contrário de hoje, quando a Isaac Martins tem casa de ponta a ponta, e a Altamira se tornou um bairro três vezes maior do que o centro da Barra.
     Mal acreditei quando me levaram por dentro do quintal de uma residência e me vi diante do que foi o primeiro aeroporto da Princesa do Sertão, com sua casinha linda de madeira, que hoje não passa de uma despensa de coisa velha.
     Olhei os arredores cercados de construção por todos os lados. A dona do terreno, uma senhora falante e simpática, dizia-nos que ali é para ser construída uma casa para sua filha e seu genro, mas que não descarta a possibilidade de vender o pedaço histórico.
     Álvaro, como todos sabem, é o jovem historiador de nossa cidade. (Foi preciso vir morar aqui esse cearense para contar a história da Barra do Corda com todos os pingos nos is.) Cumpre ressaltar, todavia, que é inegável a preciosidade do livro de Galeno Brandes, “Barra do Corda na História do Maranhão”.
     Acontece que Álvaro quer ir mais longe (e a idade de quarenta e poucos anos juntamente com a saúde lhe permite): está recolhendo a história de nossa comarca por meio das fotografias de coleções privadas de cada família e também por narrativas ouvidas em toda esquina de qualquer cidadão com paciência que quiser falar do passado cordino.
     Ele não é bobo e sabe que a história de um povo se faz não unicamente com heróis (no sentido usual), mas com gente comum, que tece a tradição dia a dia.
     Fiquei bestificada quando Álvaro abriu o envelope que carregava e de lá tirou inúmeras fotografias daquele aeroporto quando de fato funcionava nos anos cinquenta. Além do mais, ele sabia o nome (e os ascendentes e descendentes) de cada um que aparecesse nas fotos, sendo que até pessoas de minha família encontrei. Ele também trazia algumas fotos do “novo” aeroporto, o segundo, inaugurado em 1958. Os aviões eram gigantes, do tamanho dos atuais, pois por aqui aterrissavam os DC3 da Varig, que por anos teve a Barra do Corda em sua rota, e aviões militares da FAB.
     Impressionou-me, acima de tudo, a representação da moda dos anos cinquenta, uma das mais elegantes de toda a História, a meu ver. Homens altivos, bem-vestidos. Algumas mulheres, ainda por cima, pareciam ter saído de um filme de Federico Fellini direto para os aeroportos da Barra.
     Reconto esse passeio para dizer como acho interessante o uso da memória do passado para estreitar laços afetivos. Ninguém se lembra sozinho de tudo o que viu e viveu. É sempre necessário recorrer à memória do outro, aos dados que estão em suas gavetas — nos guarda-roupas dos quartos e nos armários mentais. 
     Ind’agora, ao me dar as informações sobre suas lembranças do aeroporto da Rua Isaac Martins, minha tia Laura acrescentou nunca ter se esquecido de um dado curioso: o aeroporto era considerado um ponto turístico, e, toda vez que o povo lá ia passear, ao chegar, batia nas portas das poucas casas que havia na Altamira pedindo água para lavar os pés, sujos de barro. 
     No início, os moradores acediam, gentis. Aos poucos foram percebendo que seria impossível continuar lavando pés de tanta gente, visto que a água não era encanada e era trazida em baldes da beira do rio ladeira acima.
     Vejam que, no meio de todo aquele glamour a que me referi, a vida cotidiana era dificultosa e cheia de obstáculos — para os mais pobres principalmente.
     Celso Borges, amigo meu, em seu mais recente livro (“Belle Époque”), fez um poema muito engraçado sobre isso. Numa mordaz enumeração sobre os males (considerados benefícios por muitos) da vida contemporânea, destila que “antigamente era antigamente/ era antigamente era muito pior” (citando de memória, a composição dos versos pode vir aqui com algum errinho).
     Concordo: antigamente era pior. Mas o pior já passou. Ainda que volte amanhã bem cedo.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

Coluna da Luciana Martins

nº 116, domingo, 4 de julho de 2010

“Tudo pode dar certo”
jornal Turma da Barra


            Era uma vez uma mulher que tinha ficado casada por cerca de treze anos e depois se separado. Afirmava não suportar a idéia de viver sozinha na velhice. “Sem homem, sem marido, nem pensar” – dizia.  E olhem que ela possuía três filhos...
            Entre os trinta e os cinquenta anos de idade (aproximadamente), ela empreendeu a busca incansável daquele que seria seu parceiro na velhice futura.
            Em cada lugar que ia, era um tal de trocar olhares nervosos, apressados com os homens ao redor.
            Era uma mulher muito sedutora e inteligente. Conhecia tudo de teoria e crítica das artes plásticas, assunto de que dava aulas numa universidade renomada.
            Os homens acometiam aos borbotões em sua mesa quando frequentava cafés ou bares acompanhada de outras amigas. Desses passeios ela sempre saía com uma “promessa de felicidade”, tendo alguém anotado seu número de telefone com o maior entusiasmo do mundo.
            Isso quando não acontecia de ela ir direto para a cama com o indivíduo encontrado.
            Tudo nessa mulher me era antipático: sua forma de “dar o bote”, sua voz modificada diante da presença masculina, seus artifícios de sedução, sua maneira de vestir...
            Ela me parecia primitiva (da época das cavernas); suas atitudes me davam vergonha do gênero feminino.
            Até  que um dia eu comecei também a observar os homens que dela se aproximavam. E tive a confirmação do que já intuía.
            Eles correspondiam a uma versão masculina daquela mulher. Modos, gestos, falas, diálogos....idênticos. Eram iguaizinhos, homens e mulher.
            [Por que logo essas criaturas aparecem em minha cabeça para que eu narre fragmentos de suas histórias medíocres?]
            “Acabei de chegar da minha casa de praia.” – dizia um dos paqueras noturnos de minha personagem feminil.
            E ela pensava: “Que bom: esse tem casa própria e ainda possui outra além! Isso quer dizer que vale a pena investir numa relação. Ao menos não haverá problemas econômicos.”
            “Eu sou o escritor Fulano de Tal. Você nunca leu nada meu? Apareci duas vezes no programa do Jô Soares.” – dizia outro.
            Então ela escolhia um e por este era escolhida, de modo que começavam a entabular um “relacionamento”.
            Ele pensava: “Boa mulher com quem manter uma estabilidade emocional na velhice, com as puladas de cerca básicas.”
            Ela pensava: “Excelente homem para não me deixar sozinha na velhice; assim poderei morrer em paz.”
            Foram dezessete relacionamentos até encontrar o par ideal. O último foi o com quem de fato ela “deu certo”, porque pôde comprar uma sepultura para ambos no cemitério da cidade.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

Coluna da Luciana Martins

nº 115, domingo, 6 de junho de 2010

“não durou mais que uma tarde/ a trama da eternidade”
jornal Turma da Barra

Para meu amigos, Eleoterio Burrego e Marcelo Sandmann.


            Os gritos de Seu Arnaldo, neste fim de semana, ficaram insuportáveis para mim. Parece que nunca vai acabar, nunca vai parar seu bordão, este seu mesquinho ramerrão. Até porque ninguém vai socorrer mesmo esse homem mais morto do que vivo — entretanto com a voz ainda forte, os braços também; braços que insistentemente batem na janela tentando quebrar o vidro para, quem sabe, fazer o resto do corpo se lançar para baixo.
            Tenho para mim que ele só não se atira pelo fato de morar no primeiro andar, e de a queda ser curta, podendo apenas aleijar, não matar. Não seria nada cinematográfico.
            Existem dois Arnaldos: um quer morrer outro quer viver. Hoje estou sem compaixão por ambos.
            Quando vim morar no Monte Alegre, eu enxergava todo dia, embaixo do bloco, um homem sempre com a mesma roupa, andando muito devagar, indo e vindo em direção à comercial da quadra de cima — onde há restaurantes, mercados, confeitaria, butiques, padaria, salões de beleza, banco, livraria.
            Com o tempo fui descobrindo quem ele era e o que fazia pracolá. Cheguei exatamente na época em que ele andava portando uma faca, diz que para se defender de uns homens que queriam matá-lo.
            Colhi mais informações com Seu Paulo, o porteiro, e sua esposa, Ironeide. São os dois únicos que têm coragem de peitar esse homem e de entrar em sua casa. Paulo ajuda-o a pagar as contas; Ironeide, a não deixar (debalde) o lixo acumular. 
            Soube que ele vai na comercial todo dia para almoçar e, algumas vezes, para conferir seu dinheiro no banco. Soube da crosta de sujeira de cerca de cinco centímetros que costuma cobrir o chão do apartamento. Soube que não se casou nem teve filhos. Soube de seu medo constante de ser assaltado e morto.
            Nas reuniões de condomínio, fala-se das dificuldades de se achar uma solução para a vida de Seu Arnaldo. Dizem que o irmão e a irmã que ele possui e que moram em Goiânia foram avisados reiteradamente de que o homem “não anda batendo muito bem da bola”, mas não tomam as devidas providências.
            De todo modo, vieram aí há uns quinze dias, a irmã com suas filhas. Ficaram apenas de dez às cinco, tempo suficiente para ser concluída a faxina que contrataram. 
            Seu Paulo acha que não o querem levar e ficam inventando desculpa. Ironeide é mais otimista e diz que ele não vai porque argumenta que só irá se vender o apartamento, coisa que o juiz não permite dada sua condição mental. Por outro lado, também não lhe interditaram ainda, transferindo para os irmãos a capacidade de dispor de seus bens e dinheiro — condição que esses, por sua vez, estabelecem para levá-lo.
            Nos últimos quatro anos venho convivendo com esse Dom Quixote sem charme, temido por todas as crianças do prédio e também por vários adultos. 
            Isso me faz recordar o momento em que Dom Casmurro (Bento Santiago) nos narra sua situação de velhice e conclui: “Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo.” (Dom Casmurro, Cap. II, Machado de Assis)
            Sempre fiz questão de cumprimentá-lo com naturalidade, coisa que aliás ele mesmo estranha. 
            “Bom dia, Seu Arnaldo”, disse-lhe eu, ano passado no Banco do Brasil. Ele me olhou sem me enxergar e proferiu: “Arnaldo Beltrano de Tal, nascido em tanto de tanto de mil novecentos e vinte e sete.”
            Em resposta a mais um bom-dia meu, noutra ocasião, encheu-me as mãos de balas e bombons dizendo apenas: “Para as crianças”. Comoveu-me sua ternura, no entanto logo me esqueci dele, como sempre acontece.
            Mas não contei ainda o principal, o mais curioso, no fim das contas: é que, mal entra a noite, o homem perde o pouco do prumo que o sustentou durante o dia. E principia a sua cotidiana ladainha:
            “Arnaldo! Arnaldo! Arnaldo!” 
            “Arnaldo, Arnaldo, Arnaldo!!!!!” — dispara ele, como uma metralhadora giratória, a chamar, a clamar por si próprio. “Socorro! Socorro! Socorro, Arnaldo!”
            O prédio todo vai dormir com essa cantiga de ninar delirante. Os que moram mais perto, como eu, conseguem ouvir nitidamente os parcos diálogos que Seu Arnaldo trava consigo mesmo e com seu outro eu, quando este lhe atende aos chamados.
            Em Brasília, alguns prédios têm como característica mais vistosa a elegância de seus jardins. O Monte Alegre — além do pequeno bosque que lhe acompanha (o qual já citei nesta coluna) — tem o Seu Arnaldo, perdido de si. Este já faz parte da paisagem com que nos acostumamos.
            Para terminar o assunto, gostaria de relatar mais dois episódios envolvendo Seu Arnaldo.
            Desde criança sou sonâmbula, e, agora, com a chegada ora apressada ora vagarosa dos janeiros, nos fins de semana virei noctívaga, deambulando entre meu quarto e o escritório, de madrugada, a garatujar versos algumas vezes até para mim incompreensíveis.
            Numa dessas noites, sentei-me na cama e ouvi aproximadamente cinco minutos do monólogo nítido e bastante agitado de meu vizinho. Pensei em pegar o caderno para anotar, no entanto constatei assustada que iria escrever apenas um nome, o nome completo da criatura. 
            Recordei-me imediatamente da cena em que Shelley Duvall, que faz a mulher do personagem Jack Torrance (Jack Nicholson) , em “O iluminado”, vai ler o suposto livro que o marido passa horas escrevendo, e descobre que ele só repete infinitas vezes a frase “Muito trabalho e pouca diversão fazem de Jack um bobão.”
            Amedrontada, sentindo-me dentro do filme de Kubrick, achei melhor voltar a dormir, não sem antes constatar ser aquela a segunda vez que o vizinho repetia nitidamente para mim o seu nome por inteiro. Pois, de resto, o que ele faz, noite após noite, é chamar por “Arnaldo, Arnaldo, Arnaldo” — de início sussurrando e por fim gritando. 
            E agora, por último, veio o dia 28 de maio de 2010. Sexta-feira retrasada. Anotei no meu diário o seguinte diálogo — que vazava para a rua por entre os combogós de sua cozinha — de Arnaldo com Arnaldo:
            “Arnaldo!”
            “Que foi, rapaz?“
            “Quer morrer?”
            “Não quero morrer, não. Você quer, moça?” — dirigindo-se a uma passante.
            “Eu vou te matar, cara!”
            “Você não vai conseguir!”
            Dali a pouco, Arnaldo começou a gritar por socorro. “Socorro, Arnaldo! Socorro, Arnaldo”. Nesse instante, eu estava diligentemente posicionada no canto de minha área de serviço, a olhar com os olhos e os ouvidos pela janelinha, querendo ver até onde o velho ia chegar daquela vez.
            Um morador do bloco da frente, que tinha acabado de estacionar seu carro, olhou para o apartamento de Arnaldo e falou: 
            “Pára com isso!”
            “O quê?” — perguntou meu vizinho.
            “Vai dormir!” — completou o outro, virando as costas e entrando na portaria, sem paciência.
            “Como posso dormir, se não tem ninguém para me acordar?”
            Meio minuto depois: 
            “Roubaram tudo o que eu tinha.”
            Pois vejam só.
            Dois dias depois, na madrugada de domingo para segunda-feira (31) do mesmo fim de semana, foi assassinado, em Curitiba, com uma punhalada na nuca, o escritor Wilson Bueno.
            Esse cara foi meu amigo durante os anos de 85, 86 e 87... Da primeira vez que morei em Curitiba.Fomos companheiros inseparáveis na noite curitibana, exatamente quando eu não tinha ninguém para conversar sobre literatura, a não ser ele e mais um ou dois colegas do extinto “Correio de Notícias”. 
            Eu estava morando numa cidade belíssima, mas, na época, hermeticamente fechada para nordestinos escancarados como eu. 
            Aprendi muito com o impetuoso Wilson. Foi com ele e por ele que tive coragem de dizer, pela primeira vez na vida, ainda que bem baixinho, para poucos ouvirem: 
            “Eu escrevo poesia. Eu SOU escritora.”
            Quando voltei a morar em Curitiba, em 1995, Wilson então já era um escritor renomado e sério (no melhor sentido, pois tinha largado a bebida que tanto lhe fazia mal).
            Durante os dez anos que lá fiquei, vimo-nos poucas vezes, mas sempre nos olhávamos com carinho. Creio que só não voltamos a ser amigos como antes por minha causa, quem sabe por culpa de minha timidez diante de sua grandeza.
            Wilson Bueno agora está morto.
            E como diz Marcelo Sandmann,”alguém que tinha os bens básicos de qualquer um, sem qualquer ostentação. E a quem não posso imaginar que alguém, calculadamente, pudesse querer fazer algum mal. Fica aqui o registro deste sentimento de mal-estar e indignação. Para além da perda do escritor, que esse, sobreviverá a tudo isso.”
            Marcelo, assim que ouviu pela TV, fez questão de me escrever para contar a notícia trágica.
            Desde o começo tive a impressão de que não se tratava de um latrocínio ou coisa parecida, como a polícia insistia em anunciar, e como Marcelo inicialmente chegou a acreditar. 
            Parece que, depois das primeiras suposições, a hipótese de ter sido um crime passional está sendo considerada de fato.
            Wilson estava em seu tugúrio — era assim que ele costumava chamar o lugar que habitava. Foi encontrado caído diante da escrivaninha. Assassinaram-no enquanto ele fazia o que mais sabia fazer. 
            Sair de si, entrar no outro, no seu eu-profundo.
            Escrever.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

 

Coluna da Luciana Martins

nº 113, domingo, 18 de abril de 2010

Ética na propaganda
jornal Turma da Barra

*Luciana Martins


            Faltam menos de 60 dias para a Copa do Mundo de 2010 na África do sul. Não se fala de outra coisa nos programas de esporte. Discute-se sobre quem deve ser candidato a participar do time de Dunga, mas que ainda não foi convidado por este; sobre quem não está jogando bem na seleção já formada e que deveria sair etc.
            A curiosidade é tanta que até documentários sobre o país que vai sediar o campeonato — país que poucos conhecem e que tem muita história para contar —, estão sendo transmitidos num canal da TV paga.
            Nas férias de janeiro, quando passei por São Luís na volta, fiquei impressionada com Pedro, o filho de um casal de amigos meus, que agora está  com sete anos e que é louco por futebol como o pai.
            Conheço-o desde que nasceu, em São Paulo, e sempre soube de sua paixão por esse esporte tão a cara de nosso país, mas confesso que, desta vez, Pedrinho se superou. Na noite em que passei com a família, o menino andava pra lá e pra cá com o globo terrestre que ganhara de presente da mãe, a nos fazer perguntas sobre qual o nome da capital de dezenas de países que ele mesmo citava a esmo, primeiramente sem olhar no mapa.
            Pedro Oliveira Borges não somente dava o nome exato da capital como sabia a resposta de qualquer pergunta que porventura fizéssemos sobre a história do futebol do país em questão.
            Fiquei pensando nas aulas de Geografia e História em escolas de praticamente todo o terceiro mundo (aliás, andam dizendo por aí que o Brasil pulou para o primeiro mundo, mas eu só vou acreditar quando pararem de medir o desenvolvimento apenas por índices econômicos, sem se computarem os educacionais). Como ganharia a educação se fosse utilizando este método caseiro de Pedrinho — cuja mãe, Andréa, não é burra nem nada!
            Pois não é que agora Pedro concorre a uma viagem de ida e volta, com acompanhante, para assistir à Copa in loco, pela rede McDonald’s? Ele se inscreveu com uma bela narrativa sobre sua primeira experiência dentro de um campo de futebol na Vila Belmiro, estádio de seu time escolhido. Não é improvável que ganhe, mas depende de votos pela internet, que a família e os amigos têm se empenhado em dar.
            Todo esse arrodeio é para dizer que estou um pouco preocupada com o que Pedrinho vai pensar das propagandas que passam na TV relativas à  competição vindoura. O que vi nesta semana me deixou deveras inquieta.
            Considero este um assunto TABU, mas de extrema importância (coloco a palavra “tabu” em caixa alta porque sei que vou mexer numa caixa de maribondo).
            A primeira propaganda a que assisti mostra todos os jogadores da atual seleção de Dunga ouvindo atentamente “o professor” exortá-los para a luta, deles exigindo garra, força e determinação.
            A música escolhida faz recordar filmes de heróis, de guerreiros, em direção à conquista da terra. Meu “instinto de nacionalidade” — para usar uma expressão machadiana — quase me fez levantar da poltrona e colocar a mão no peito, do lado esquerdo, bem na altura do coração. Afinal, eu também sou muito amante a futebol.
            Imaginei que aquela seria uma primeira chamada para a Copa, visando anunciar aos telespectadores que está por vir o maior campeonato de futebol mundial. Qual nada! Não passava de uma publicidade da “número um”, a cerveja Brahma.
            Fiquei perplexa. O que tem a ver a bebida alcoólica com o jogo de futebol? Essa propaganda traz em si uma contradição terrível, um paradoxo de intrincadas conseqüências e implicações.
            A indústria de cervejas é muito poderosa no país.  A de cigarro foi vencida, a duras penas, sendo que até nas carteiras de cigarro aparecem, além de uma tarja preta, fotos de pessoas doentes por causa do fumo; e propaganda não pode mais passar.
            Não sei como é por aí afora, mas, aqui dentro, beber cerveja está associado a conquistas de mulheres bonitas e à alegria. Agora, para completar, a bebida vem associada ao esporte.
            No entanto, ao contrário do que se costuma pensar, o alcoolismo é  uma doença grave que deve ser combatida duramente pela saúde pública, mobilizadas, para tanto, todas as redes sociais.
            As advertências no final de cada propaganda (“Beba com moderação”, “Se beber, não dirija”) de nada adiantam, basta se verem as estatísticas de brigas e de crimes em bares e em família, ou as de acidentes de trânsito envolvendo pessoas alcoolizadas.
            A bebida não é considerada uma droga pela maior parte da sociedade. O jogador Adriano, do Flamengo — o “Imperador” —, anda tendo diversos problemas com o álcool, faltando constantemente aos treinos do time, mas já ouvi gente dizendo que: “o problema de Adriano não é com drogas, é só com a bebida.”
            Qual é o limite entre “beber socialmente” e se tornar um viciado? Penso que a sociedade deve discutir isso o quanto antes, doa a quem doer.
            Pedro não corre o risco de querer beber para ficar parecido com seus ídolos, porque possui pais presentes, amorosos, dispostos a lhe ensinar a discernir o certo do errado. Mas o que vai acontecer com aquelas crianças e adolescentes que não têm uma situação familiar estável e que também idolatram jogadores de futebol?

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

Coluna da Luciana Martins

nº 112, sábado, 20 de março de 2010

Ganhando o dia
jornal Turma da Barra


*Luciana Martins

     Daí então quem sabe alguém chegasse
     Buscando um sonho em forma de desejo
     Felicidade então pra nós seria....
     Johnny Alf (maio1929 – março 2010)

            E vinha eu vindo atravessando o vestíbulo do prédio naquele meu estado de contemplação característico — na opinião de algumas pessoas, o de uma doidivanas —, mas fui freada pela necessidade de esperar o elevador. Tão logo se abriu a porta, lancei-me para dentro de supetão, sem observar que a máquina ia descer, e não imediatamente subir como eu gostaria. Vá lá, desço e depois subo, dá tempo. Fui.
            Depois que entrei, vi-me diante da única alternativa que havia naquele momento, que era a de parar e respirar fundo, dando uma olhadinha básica pro espelho. Só então observei quem estava me acompanhando: o elevador levava para a garagem um homem de meia-idade, que me olhou sorridente. Abri-lhe um sorriso também.
            Chegando ao destino final, o homem simpático me perguntou para que andar eu ia, na intenção de apertar o botão pra mim. “Décimo”, respondi. “Allways on top”, concluiu ele em voz forte e alta, oportunamente reproduzindo e citando o que estava escrito em minha camiseta azul-marinho que tanto amo (expressão que, traduzida, vem a ser algo como: “Sempre no topo”, “sempre nas alturas”, ”sempre lá em cima”). É que décimo era o último andar servido por aquele lado de elevadores do espigão onde fica meu fisioterapeuta.
            Entre desconcertada e aturdida com a rapacidade de raciocínio do homem-rapaz, respondi assim: “É o que as palavras dizem!”
            E novamente ele me surpreendeu pela firmeza: “Dizem a verdade; dá para ver pelo semblante.”  
            Uau!!!! Olhei-o agradecida, embevecida. Esse cara não faz idéia do quê falou, e a quem falou. Logo à mulher mais melindrosa da face da terra, logo à que possui o maior complexo de inferioridade do Brasil e do mundo.
            Vendo-me sozinha, e subindo, subindo, subindo... resolvi confirmar se de fato meu semblante era revelador, assim com tamanha obviedade, de uma existência vitoriosa conforme a opinião do gentil-homem.
            Ri pro espelho.
            No dia em questão, eu estava de cara lavada, sem lápis de olho nem batom (a maquiagem predileta). “Just the way I am”, exatamente do jeito que sou — lembrando Bridget Jones. (Entretanto não devo ser hipócrita aqui, porque é sabido de todos do TB que, para consertar a mordida e buscar melhorar a dor nas costas, fiz uma cirurgia no maxilar ano passado que também modificou para melhor a minha face, dando uma ajudinha preciosa à natureza).
            Por que o que é bom dura pouco? Sei que nunca mais nos veremos, oh homem generoso, garboso. E tu nem sabes o bem que me fizeste. Tiraste-me a pecha de excessivamente sorumbática, macambúzia e meditabunda que muitas vezes carreguei e de que na atualidade procuro me libertar...
            Com uma dessas de vez em quando não seria impossível ficar feliz. Bastaria encontrar todo mês por acaso um desconhecido bem-educado e cheio de complacência pelo sexo feminino. Pronto.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

Coluna da Luciana Martins

nº 111, domingo, 7 de março de 2010


A rainha do pedaço
jornal Turma da Barra


*Luciana Martins


            Tenho que dar o braço a torcer.Hillary Clinton, a Secretária de Estado da presidência dos Estados Unidos, é muito interessante.A substituta da pálida Condoleeza Rice sabe mais da condição dos negros no mundo do que esta última, que, mesmo negra, parecia uma patriota ariana quando trabalhava ao lado do reacionário e criminoso George W. Bush.
            Foi preciso Hillary vir aqui no Brasil e mostrar sua brilhante inteligência para convencer-me (e acho que também a muita gente) de que vale mais do que mostrou quando foi primeira-dama, tanto do estado do Arkansas (duas vezes), quando do próprio país (duas vezes também, entre 1992 e 2001).
            É que no meio de Hillary Clinton está seu marido, Bill Clinton. Não fosse este, Hillary teria brilhado muito mais como profissional e como política (elegeu-se duas vezes senadora por Nova York, e foi candidata ao cargo de presidente dos EUA pelo partido Democrata, tendo perdido a vaga para Barack Obama).
            Todos têm sua cruz, todos têm suas franquezas. As fraquezas e a cruz de Hillary são o seu amor infinito pelo Bill. Na opinião de meu amigo Carlos Loria, na verdade Hillary achou mais fácil manter o casamento e transformar Bill num “boneco inflável”. Não deixa de ser uma visão curiosa. Mas eu inda continuo achando que foi pura fraqueza de amor. O tempo dirá.
            De todo modo, a mim me causa péssima impressão o fato de uma mulher supostamente livre, em função dos avanços conquistados pelo movimento de emancipação feminina do século XX, continuar a viver com o marido depois de presepadas sexuais tão ridículas.
            Tomemos o exemplo recente, no Brasil, da esposa do ex-presidente FHC, a Ruth Cardoso, falecida ano retrasado. Foi outra que se calou ao fato de o marido ter tido um filho do relacionamento com a jornalista Miriam Dutra em plena campanha presidencial.
            É claro que o escândalo com Bill Clinton é vencedor, já que a oportunista Monica Lewinsky.fez questão até de publicar a história toda em livro.
            Mas deixemos isso pra lá, afinal, vim aqui para dizer exatamente que descobri que Hillary Clinton, apesar do marido, PENSA...
            Assisti a sua entrevista coletiva dada a jornalistas e a estudantes da Faculdade Zumbi dos Palmares de São Paulo. Durante mais de uma hora, Hillary respondeu às mais diversas perguntas de maneira tranquila e bastante percuciente.
            Gostei demais de ouvi-la falar contra a “lei da mordaça” que impede a discussão sobre o aborto em tantos lugares do mundo, incluindo o Brasil. Sem deixar de assinalar que é necessário se investir pesado em políticas públicas de planejamento familiar, Hillary lembrou que, em todo lugar onde não há descriminalização do aborto, “as mulheres ricas têm direito a fazê-lo, enquanto as pobres, não”, sendo que, para ela, este é um “direito feminino tão fundamental”.
            Outro assunto questionado foi sobre as políticas de cotas para negros em universidades. Hillary respondeu com uma máxima bem bacana; “O talento é universal; mas a oportunidade, não.”
            Destacou — no sentido de combater aos que pregam contra as cotas porque essas colocariam gente incompetente no mercado — que a política de cotas serve apenas para o ingresso na universidade, mas não garante o diploma.
            Contou que, durante muito tempo, deu aulas para pessoas que entraram na universidade por meio dessa política; e que, realmente, eram estudantes demasiado fracos em relação aos que tiveram base escolar sólida. Disse que foi preciso criar um programa de auxílio, dentro da universidade, pra esses alunos, que demandavam todo um esforço concentrado de professores e monitores para levá-los a conseguir dar seguimento ao curso superior, e concluiu que valeu a pena, porque os resultados foram surpreendentes ainda que vários deles não tenham logrado concluir a faculdade.
            Por fim, afirmou que Obama e ela têm confiança no Brasil, que, na sua opinião, vive uma “democracia vital” e tem uma imprensa livre, ao contrário de outras nações, que “possuem uma agenda diferente” da deles.
            Gostei. Que nasçam outras Hillaries! Agora sem Billies, por favor!

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

 

 

Coluna da Luciana Martins

nº 110, domingo, 31 de janeiro de 2010


De tudo um pouco (2)
jornal Turma da Barra


            “E afinal esses rios servem pra quê? Dão emprego para quem?”
            Com a pergunta acima vamos tentar continuar a crônica anterior trazendo mais alguns dados a mais sobre o suposto desenvolvimento da Barra do Corda.
            Isso aí foi dito por um dos chefes da enorme empresa de carvoaria que veio se abancar na nossa cidade e em outras regiões do Maranhão, em resposta à colocação que assim lhe fizeram:
            “Puxa, vocês vieram para cá para destruir nossos rios com tanto desmatamento”.
            Creio que o que ele contra-argumentou revela muito claramente que visão possuem os que estão no comando de toda a destruição das matas ciliares de rios e brejos e das florestas do município.
            Que tal?
            Ouso dizer que esse senhor está deveras enganado sobre a importância dos rios para a cidade.
            E me pergunto se é de companhia de gente como essa que estamos precisando para o “desenvolvimento” da Barra... Seria interessante se pesquisar mais profundamente como são tratados os empregados dessa empresa de carvão, que ficam dias e dias exilados de sua família para ganhar uma merreca.Se isso for geração de emprego, me poupem!. A largada já foi dada por Raphael Castro, no trabalho escrito de sociologia que citei duas crônicas atrás.
            imaginaram a Barra do Corda sem os rios? Eles imaginam, e não ligam, não se importam nem um pouco com a preservação dessa riqueza local. Gente assim se importa apenas com LUCRO, com DINHEIRO... É imediatista, não pensa nem no futuro dos netos, quiçá no futuro de uma cidade, ou no do planeta como um todo.
            Imediatismo gera desastre. Andei lendo que não é diferente a situação de nosso vizinho Piauí. Juntemos tudo com as informações que já possuímos sobre a região amazônica e pronto.... ”Adeus, tia Chica”.
            Só nos restarão as fotografias do passado de ouro.
            Parafraseando Dalton Trevisan, escritor que adoro, e que fala muito de Curitiba (Paraná) onde morei muitos anos, comparando a cidade atual com a antiga, eu diria: “Barra do Corda FOI, não é mais.”
            Perdoem-me o pessimismo. Vão dizer novamente que o que digo espanta turista. Agora me digam uma coisa: e lá existe política para turismo em Barra do Corda?
            Visitei dois pontos turísticos da cidade e fiquei chocada. Os dois estão jogados às traças. Se bem que creio que traças, no momento, estão tendo muito mais consciência ecológica do que seres humanos.
            Quem acha que colocar uma placa aqui outra ali na beira do rio escrito: “Só jogue no rio o que o peixe come”, quem acha que somente isso é política para turismo ecológico está muito enganado.
            E contratar UM, apenas UM funcionário para andar de barco recolhendo o lixo que polui o rio também é pouquíssimo. Reconheço o esforço hercúleo e heróico de Raffael Pacheco que, além de catar a sujeira alheia, tenta conscientizar uma por uma das lavadeiras a não jogarem caixa de sabão em pó ou garrafa de água sanitária para descer o rio.
            Mas isso é nada, infelizmente, perto das centenas de serras-elétricas.
            Comecemos com a Boa Vista. Subi de barco até lá duas vezes e fiquei a pensar: se se deixar assim, sem nada nem ninguém para cuidar talvez seja melhor do que isso daqui ocupado por gente interessada em depredar. Se aqui virasse um “point”, não sei nem mesmo se valeria a pena.
            Por outro lado, ao menos um guardinha, uma família morando numa casa dentro de terreno tão precioso, com a incumbência de espantar os meliantes, os “entes poluentes” não seria má idéia.
            Depois fui ao Calvário, a Igreja da Altamira de onde se pode ver toda a cidade. Tudo deteriorado, estiolado.
            A igreja precisando de pintura, as calçadas e os parapeitos também. Ah, mais uma coisa: você se debruça para admirar a paisagem e sobe do mato um cheiro estonteante de FEZES  - humanas, claro.
            Esses são meus dois exemplos de hoje. Sem contar outras observações que fiz, tanto passeando de barco quanto a pé. Há quem pense que preservar é cortar tudo deixando apenas – quando muito - meio ou um metro de vegetação na beira dos rios. Vi diversos sítios e chácaras nessa situação.
            Uma tal de Chácara Reiz, onde se “evoca Jesus”, teve o muro construído diretamente nos limites da água com a terra. Tudo foi desmatado.
            Até  um shopping-center na beira do Corda intentam construir!!! O terreno é aquele que foi de Seu José Pinheiro e Dona Maria Cruz Pinheiro, durante o século vinte inteiro um enorme quintal preservado, com suas frondosas mangueiras, goaibeiras, seus cajueiros, seus bananais... Hoje resta apenas uma mangueira na beira do rio, assustadoramente solitária, à frente de imenso vazio repleto de homens trabalhando para a obra vindoura.
            Por isso insisto: nosso desenvolvimento tem que vir acompanhado de sustentabilidade, de educação e de conscientização ecológica. Senão não terá sentido e casos como os acima relatados se multiplicarão.
            Contrariando ao que o cara da carvoaria disse, no dia em que se acabarem os rios da Barra, ela não vai valer mais um tostão furado.
            A cidade sem o rio é como um homem ou uma mulher sem moral.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

Coluna da Luciana Martins

nº 109, domingo, 10 de janeiro de 2010


De tudo um pouco
jornal Turma da Barra


As pessoas da cidade

falam em reformas, temem morcegos,

matam-se, reconciliam-se depois,

e tudo é sabido.

Enquanto isso, o rio Corda,

indiferente e monocórdio,

impercebido, a sangue frio

se deixa afagar, flutuar, invadir,

sujar

Carlos Loria


           
Para início de conversa, queria esclarecer aos leitores e às leitoras que, sem dúvida, sou saudosista e nostálgica do passado “de ouro” da cidade de Barra do Corda.
            Todavia, reconheço que o crescimento é inevitável; faz parte do destino das cidades desde o advento da Burguesia (no Ocidente e, a sua maneira, no Oriente também).  Chamam a isso de “desenvolvimento”. Pois vejamos as conseqüências do que acontece com este.
            Estou há dezoito dias em férias na Barra (ficarei 25), até ontem acompanhada de minha filha. Caminho entre as ruas do centro; passeio de vespa, de carro ou de barco com meu amigo Raphael Castro pela Altamira, Tresidela e pelas bordas da cidade, fazendo de conta que sou “moradora contumaz” (é permitido, cabe no contexto dizer essa espécie de pleonasmo).
            De início, quando anunciei que vinha pra cá passar quase um mês, ouvi comentários tais como: “Logo em época de chuva! O potó vai te mijar! (Explicação para forasteiros e estrangeiros: potó é um “inseto coleóptero de secreção cáustica e vesicante”, dicionário Aurélio). “Olha a dengue!Eu peguei dengue na Barra!” “Na Barra só dá pra ficar uma semana no máximo; depois não tem nada pra fazer.”
            Potó não chega perto de mim, me respeita. Dengue anda controlada por aqui. E há muito o que fazer na cidade. Observar é a mais importante das atividades.
            O desenvolvimento trouxe melhoras para a Barra: mais médicos, por exemplo. Mais escolas (ao menos em quantidade). A cidade cresceu muitíssimo, já não cabe mais esperar o silêncio de outrora. O céu noturno de outrora, em que estrelas brilhavam mais que lâmpadas.
            Além dos povoados existentes, muitos outros apareceram, assim como bairros na periferia. Sim, agora a Barra tem periferia – essa é uma das conseqüências do crescimento.
            Como diz meu primo Ornilo Filho e seus amigos: “A Barra do Corda é um mini-Rio de Janeiro.” Se assim é, casa beleza e vida social resplandecente com pobreza e criminalidade.
            Pode-se dizer que agora esta é uma cidade de porte médio; não mais de interior. Interior é o Centro do Roque ou o Naru, que também já se desenvolveram – povoados estes que já possuem seus sub-povoados e assim sucessivamente.
            Isso tudo é bom ou ruim? O tempo vai dizer.
            Mas me deixem vir com meu bombardeio: a moda agora na cidade é o BARULHO. E, citando Shakespeare: “Muito barulho por nada”.
            Senão, vejamos:
            1) Motocicletas incontáveis, incomensuráveis: para quem vive no Centro da cidade, é chocante; a cada vinte metros há um ponto de moto-táxi. Há mais moto-taxistas do que clientes. Vejo rapazes que mal saíram dos cueiros já trabalhando com moto. E a sua formação como motoristas, como é que se dá?
            São tantos que se assemelham a vendedores em época de baixa de consumo – em março, abril, quando o consumidor não tem mais dinheiro e paga as contas do final do ano. “Senhora, quer moto-táxi?”, “Senhora, quer ir de moto?”, “Senhora, vamos de moto!”
            Em moto-contínuo.
            O que impressiona é que poucos respeitam efetivamente os sinais (um ponto positivo é o fato de haver bastantes sinais, mas já  teve gente dizendo que até isso virou uma “indústria” – naquele sentido). Passam descaradamente com o pedestre  atravessando. Fôra eu descuidada, teria ido conhecer a “geologia dos campos santos” em três ocasiões desde que aqui cheguei.  Uma delas, à noite, depois das dez, o sinal verde para o pedestre, veio um carro (não são só motociclistas, fique registrado) e se adiantou a mim, estando eu no meio da rua já. Abri os braços e, irônica, saudei o carro, deixando-o passar – como faz o mestre-sala à porta-bandeira na frente da escola de samba.
            Tenho pra mim que a quantidade de motocicletas, proporcionalmente, ultrapassa o número das de São Paulo, capital. E o pior não disse: o moto-boy vai de capacete, o cliente vai na garupa sem (e muita vez com criança de colo). Ouvi dizer que, nos acidentes, quem morre sempre é o cliente desprotegido (não que o motorista devesse morrer, é claro!).
            Ir para a guerra do Afeganistão seria mais seguro, sem exagero.
            Os antigos como eu se lembram da época em que tínhamos dois indicadores da vida noturna. Entre seis e seis e meia da tarde, havia “a hora do Angelus “, ritual em torno da anunciação do nascimento de Jesus Cristo, no alto-falante da Igreja Matriz, entoado pelo padre.
            Logo depois, vinha, do alto-falante do Cine Canecão, o “Django”, música-tema do filme italiano de mesmo nome, dirigido por Sergio Corbucci, em 1966, e estrelado por Franco Nero, José Bódalo e Loredana Nusciate. Depois da “abertura”, o filme do dia era anunciado, e mais música era tocada até o horário do início a película, às oito da noite, que vinha precedido pelo “Django” novamente (canção de Luiz Enríquez Bacalov) – após o quê reinava o silêncio, porque quem não estava no cinema estava na porta de casa, sentado nas cadeiras de macarrão, vendo as estrelas brilharem e jogando conversa fora.
            Havemos de lembrar que na programação musical do Canecão ouvia-se Ennio Morriconi, na trilha sonora da trilogia de Sergio Leone inciada pelo filme “Por um punhado de dólares”. Ouvia-se o talentosíssimo e precocemente falecido Sérgio Sampaio, com seu “Eu quero é botar meu bloco na rua”, dentre outras canções de qualidade.
            Havia os carros de propaganda, afinal não possuíamos rádio alguma além da do Mandu, nem televisão. Mas seu barulho ainda era discreto, não atrapalhava a paz cordina. O comércio não era intenso como hoje, mas suficiente para o consumo local. O Mandu anunciava os produtos da Casa Vanguarda (de Laura e Raimundin Pacheco), das Lojas Pernambucanas, dentre outras.
            E Barra do Corda ainda era uma cidade de interior.”Atrasada”, como diziam.
            Agora?
            PANDEMÔNIO é o teu nome, cidade do Sertão centro-sul do Maranhão!
            Não bastassem os carros-propaganda que ininterruptamente passam, desde o amanhecer, tão numerosos como as casas que anunciam (o comércio é visivelmente a maior fonte de renda local), virou moda os carros particulares passarem a todo o vapor entoando, em centenas de decibéis, cantos de louvor ao traseiro feminil: “chacoalha a tua bundinha, cachorra!” – ou coisa que o valha. Achincalha, Achincalha, Achincalha!
            Nesses automóveis, a quantidade de caixas de som é medida de status e auto-exibicionismo.
            Para lá da publicidade de “móveis e eletros (sic)” semanais (dentre a de outros produtos), há o anúncio cedo da manhã de domingo das promoções de segunda-feira. (Diga-se de passagem que os carros de som de hoje em dia mais parecem trios elétricos do carnaval da Bahia). Isso porque não comentei dos avisos da prefeitura, cujo carro é potente como os a que acabei de me referir.
            Nas noites de quinta, sexta e sábado, temos o som das boates, que se propaga como o do trovão depois do raio. Dormimos com esse acalanto.
            Nas tardes de domingo, ao som do balneário Lito-Rio, no fim da Arão Brito, transversal da Isaac Martins, em cuja esquina moro, adormeço na sesta ao som de “Vamos embora, pro bar: beber, cair, levantar.” Bis e bis e bis.
            Atualmente, havemos de reconhecer – todas as famílias tradicionais cordinas - que o lugar mais silencioso e discreto daqui é o Buraco-quente, o Buru (conhecido pelos forasteiros como zona de baixo-meretrício).

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

Coluna da Luciana Martins

nº 108, domingo, 27 de dezembro de 2009


Mudanças por grandes e pequenos personagens
jornal Turma da Barra


*Luciana Martins

            Referi-me certa vez aqui ao apartamento onde moro, que fica num bloco implantado num mini-bosque dentro da cidade. Semana retrasada, vinha eu em direção ao Monte Alegre (esse é o nome do edifício), quando, de longe, percebi as labaredas de uma fogueira em torno da qual várias crianças gritavam entusiasmadas, parecendo brincar. 
            Sou bastante desligada, tanto que cogitei com meus botões se aquela não seria uma fogueira de São João, esquecendo-me do fato de estarmos em pleno dezembro.
            Aproximei-me curiosa, porque o fogo era exatamente do lado esquerdo do início do Monte Alegre, onde fica minha entrada. Fui chegando perto e vendo que também havia adultos, e que esses adultos estavam fardados, e que os fardados eram bombeiros.
            Que coisa! O que será?
            A criança mais próxima – um menino muito alegre com a situação, diga-se de passagem – me explicou: “É uma caixa de marimbondo!”
            - E vocês estão contentes com a queimada de marimbondos? – perguntei, estupefata.
            - Mas é claro! – disse o mesmo menino, tão comunicativo quanto eu – Marimbondos ferroam a gente, machucam, fazem mal.
            Lancei o olhar para o bombeiro mais ágil, o que batia com fortes pauladas nos marimbondos, indistintos ali na fogueira, agonizantes, carbonizados violentamente no chão daquela pequena floresta urbana.
            (Eu havia chegado no final do processo: a fogueira não possuía mais o tamanho significativo que provavelmente tivera no inicio; também não aparentava representar restos mortais de seres antes vivos).
            - Não é, seu bombeiro, que não deveria ser preciso matar marimbondos? Não é que eles deveriam ter seu direito de continuar vivendo?
            O homem levantou os olhos para mim, rapidamente, no meio de sua atividade profissional, e, deixando de ser qualquer um, passando a ter um rosto, uma face, uma subjetividade, comentou:
            - É. Isso resultado do desequilíbrio da natureza.
            Olhei para todas as crianças, de um jeito bem professoral:
            - Ouviram? A gente tem mais é que ficar com pena desses marimbondos!
            Então entrei na portaria, pensativa, lembrando que estávamos vivendo um momento histórico; que, naquela exata hora, Letícia Mendonça (uma amiga, gestora governamental), o resto da comitiva do governo brasileiro, as ONGs, personalidades brasileiras importantes para a luta por preservação ambiental, como Marina Silva, e mais outros tantos representantes de cerca de 120 países envolvidos na “Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas” (lá na Dinamarca, em Copenhague), discutiam, reivindicavam e decidiam sobre qual seria o rumo a se tomar no que tange à sobrevivência já tão ameaçada da espécie humana e do próprio planeta.
            Alguns dias depois do ocorrido, recebi a visita de outra amiga, a Emma Cadermatori Silliprandi – que foi citada por mim no TB ano passado exatamente como ecologista e feminista –, trazendo-me a notícia sobre a atividade de que vai participar na Índia, no mês de abril de 2010.
            Emma será conferencista numa espécie de fórum internacional sobre a fome, a ser realizado por quatro países emergentes: África do Sul, Brasil, China e Índia. Além dos representantes oficiais dos governos de cada um desses quatro países, foram convidadas pessoas específicas para representar, como contraponto, o pensamento independente e mesmo crítico daquele que cada governo levará ao evento.
            Minha amiga trabalha, há dois meses, no NEPA- Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da UNICAMP(Universidade de Campinas), como pesquisadora concursada, sendo que o convite recebido foi-lhe feito especialmente por seu prestígio em atividades que já realizou na área em questão e em outros campos, como no da participação da mulher na mudança de paradigma na agricultura familiar (objeto de sua tese de doutorado recém-defendida, na UnB, sobre desenvolvimento sustentável ).
            No que concerne à COP15 – a Conferência da Dinamarca – a coisa “bichou”, como diz a gíria cheia de sentidos (uma fruta que bichou, que criou dentro de si bicho, como acontece muito com a goiaba, por exemplo, é uma fruta estragada, imprópria para o consumo – a não ser para o do bicho ele-mesmo, é claro).
            Muito barulho por nada. Tudo foi em vão em Copenhague, exceto pelo fato de sabermos que há muita gente preocupada com a questão. Um acontecimento que mobilizou o mundo quase inteiro acabou no vazio. Quando eu voltar das férias no Maranhão, quero muito ouvir Letícia dizer o que lá presenciou e saber se seu entusiasmo continua o mesmo depois desse fracasso.
            As notícias são deprimentes. Duzentos e quarenta manifestantes foram presos, dentre eles quatro ambientalistas importantes do Greenpeace. Esses foram os três homens e uma mulher que levantaram, num protesto pacífico, no jantar que família real ofereceu a cem chefes de Estado, a faixa reveladora “Políticos falam. Líderes agem.”
            Lula voltou de lá posando de crítico dos países ricos, argumentando que nossa meta era ambiciosa perto das oferecidas. Ora, não somos bestas em acreditar que o Brasil está mesmo interessado em diminuir a emissão de gases poluentes enquanto oferece acintosamente redução de impostos para a compra de automóveis e apoio a montadoras. 
            Andando pelo Maranhão, atravessando-o de norte a sul, não vejo mais as matas de antanho. Há poucos dias, li o trabalho de conclusão de curso do sociólogo barra-cordense, Raphael Castro, sobre a atividade de carvoaria, em que este pesquisa como se dá o desmatamento das florestas do município de Barra do Corda e como são as relações de trabalho nessa área econômica. Fiquei aturdida com o mapa que ali se apresenta de como evoluiu, nos últimos vinte anos, a destruição de nossas matas sem a mínima intervenção do IBAMA.
            Que papo é esse de que aqui no país o desmatamento será controlado, se os fatos GRITAM outra verdade? O exemplo do estado do Maranhão, que possui florestas tropicais pré-amazônicas, é desalentador.
            Ufa! Dá pena falar de tanta desgraça sob o efeito do clima de natal, que significa NASCIMENTO. 
            Pelo menos podemos voltar parte das expectativas também para a Índia no vindouro mês de abril! Quem sabe falando da FOME, os quatro países não acordam para a miséria que grassa neles e no mundo e para a necessidade de urgência nas atitudes a serem tomadas.
            Sejamos otimistas, porque o otimismo é a nossa (única) carta na manga!
            Se a “tal” da realidade aponta para o inverso, iremos com Pangloss, personagem do CÂNDIDO, de Voltaire, que acreditava que tudo ia às mil maravilhas até quando tudo tinha ficado irremediavelmente arruinado.
            Sabem por quê?
            Vocês sentiriam que há redenção para a humanidade se houvessem visto os olhos inquietos do menino depois do comentário precioso daquele bombeiro. Esse menino e as outras crianças que se divertiam com a dizimação da casa de marimbondos, naquela noite em Brasília, vão “parar para pensar” no meio de suas brincadeiras.
            E, como dizia o velho Heráclito, em citação feita sei-lá-quantas-vezes aqui, “O tempo é uma criança brincando.”

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

Coluna da Luciana Martins

nº 107, domingo, 22 de novembro de 2009


Viver a ferida
jornal Turma da Barra


           
Pegou pesado. Pesadíssimo. Exagerou nas tintas.
            Isso é a cara de quem? Adivinhem....
            Sim, correto, leitores. Estou me referindo ao mestre da besteira, àquele que se leva muito, mas muito a sério.
            De novo, me obrigam a falar mal de novela. É que o Manoel Carlos, a cada exemplar que traz, consegue superar a si próprio. Desta vez, logo no primeiro mês, ele galgou os píncaros da apelação.
            Eu que pensava que só a Glória Perez queria acabar com as mulheres. Com certeza, Manoel Carlos e ela estão de conspiração contra o sexo feminino. Só pode.
            Com a última e mais recente palhaçada da imperatriz da imbecilidade, fiquei até quieta no meu canto. Era tudo tão absurdo, que achei que a novela ia se denunciar por si mesma, e que o público ia sacar, em determinado momento, que a maluca da Perez estava gozando de sua cara.
            Mas o “mestre” Manoel Carlos: repito, este se leva tão a sério que pensa ser sua novela representante direta e fiel da realidade. Não é à toa que o título é “Viver a vida”, como a anterior era “Páginas da vida”, sendo que, nas duas, o autor coloca pessoas da “vida real” dando depoimentos sobre problemas sérios que tiveram que enfrentar e como estes foram “superados”.
            Na crítica que fiz a “Páginas da vida”, eu reclamava que um assunto tão cotidiano não tenha entrado em discussão quando uma das personagens principais engravida por acidente em Amsterdã, na Holanda, e nem se coloca em debate a possibilidade da realização LEGAL de um aborto (em vários países da Europa o aborto é legal nos primeiros dois, três meses de gravidez).
            Parece que agora Manoel Carlos decidiu que o aborto entraria em cena, mas escolheu a forma mais reacionária de abordá-lo. Modelo de sucesso, a protagonista Helena (Taís de Araújo) realizou um aborto numa determinada época de sua vida para não perder um contrato importante para sua carreira.
            Pronto. Sobrou para ela toda a culpa cristã que a humanidade vem carregando. Nem é preciso assistir à novela para saber o que está acontecendo, porque as propagandas dos capítulos, atualmente, contam praticamente toda a trama. Portanto, quase todo o Brasil sabia que as duas modelos, Helena e sua enteada Luciana(Aline Morais) estavam viajando juntas a trabalho e tendo um relacionamento tenso e complicado (Luciana é uma mocinha muito mimada).
            Desafortunadamente, Luciana, nessa viagem, sofre um acidente que a deixa tetraplégica. Ela estava, com as outras modelos, no ônibus que ia para Amã, onde tomariam o avião de volta para o Brasil. O ônibus virou na estrada.
            Detalhe: isso tudo acontece porque, um pouco antes, Luciana acusa Helena desse aborto realizado no passado, e esta lhe dá um tapa (isso depois de ter agüentado todo tipo de chatice da enteada), decidindo não viajar com ela no mesmo carro. Luciana vai de ônibus para Amã, enquanto Helena vai num carro alugado a que tinha direito.
            Pois bem. Agora a pobre Helena “vai carregar” essa culpa por toda a vida. Eu confesso que não acreditei quando vi a cena em que Tereza (Lilia Cabral), mãe de Luciana, “devolve” a Helena o tapa que a filha recebeu, sem antes não perder a oportunidade de dizer que Helena passaria a viver agora com “esses DOIS crimes”: a “criança” que matou por ambição, e a moça que deixou tetraplégica.
            Minha amiga Felicia ficou horrorizada: “Luciana (eu – não a Aline Morais), logo quando se tem pela primeira vez na TV uma protagonista negra, veja o que lhe preparam: a moça fica de joelhos pedindo perdão por uma fatalidade de que não é culpada e ainda apanha na cara da matriarca branca.”
            Era só o que se podia esperar deste autor. E ainda vem muito mais para a coitada da Helena. Quem mandou ser negra? Já levou chifre do marido em menos de um mês de novela. Ela que se prepare, porque a personagem feita por Giovanna Antonelli vai vir com tudo e mais um pouco para acabar com sua paz.
            Enquanto isso, Marcos (José Mayer) posa de pai ofendido...
            E mais uma vez perde-se a oportunidade de se discutir decentemente o aborto na televisão. Também, o que estou querendo? O próprio ministro da saúde tentou colocar o assunto em pauta como problema de saúde pública, mas teve que recolher os argumentos, porque a igreja reagiu com veemência.
            Lá vamos nós voltar ao tempo das cavernas.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

 

 

Coluna da Luciana Martins

nº 106, sábado, 11 de novembro de 2009


Tristeza soberana
jornal Turma da Barra


            Tenho muito medo da análise que se faz das estatísticas. Exemplo é a que se realizou na revista Época de 19/10 passado, que reproduz o resultado de um estudo da universidade norte-americana da Pensilvânia, feito durante trinta e sete anos, relacionando a emancipação à satisfação emocional feminina.
            O estudo revela que quanto mais a mulher conquista liberdade no mundo ocidental desenvolvido mais infeliz e triste ela se encontra.
            O estudo mostra que tal tristeza não pode ser relacionada necessariamente à sobrecarga de trabalho (a famosa dupla jornada: trabalhar fora e em casa na mesma medida) porque o homem vem assumindo paulatinamente as tarefas domésticas nos países desenvolvidos, e, somando tudo, ambos – mulher e homem – trabalham a mesma quantidade.
            Outra descoberta é que, enquanto fica triste a mulher, o homem progressivamente vai ficando mais feliz.
            A análise da pesquisa vai nas direções seguintes:
            a) A mulher exige muito de si mesma; quer abarcar o mundo inteiro com as mãos: igualar-se ao homem no mercado de trabalho (inclusive recebendo salário igual), criar bem os filhos, possuir sexo de qualidade, dividir com o parceiro as tarefas do lar, e, ainda por cima, manter-se bonita – o que gera uma sobrecarga emocional inevitável.
            b) A mulher envelhece mais rápido do que o homem, na menopausa pára de reproduzir, vive num mundo em que a juventude e a magreza são hiper-valorizadas; em contrapartida o homem fica mais atraente do que a mulher aos cinqüenta anos, e ainda pode procriar e constituir nova família quando se separa – o que provoca uma desigualdade gigantesca na forma de viver a idade madura.
            Acontece que os estudiosos colocam tais constatações como um PARADOXO. Aí é que está o erro. Não há paradoxo nem contradição alguma nesse estado de coisas. É lógico, é óbvio que, quando a mulher passou a ocupar mais lugar, além do doméstico, na sociedade, passou também a ter contato com mais informações e a desenvolver sua capacidade de reflexão, antes restrita aos conflitos das quatro paredes do lar.
            Diante da abertura de universos, da amplitude de competência para a busca do conhecimento intelectual e filosófico, não há como evitar a melancolia e a tristeza feminina. O mundo “aqui-fora” é sangrento e repleto de barbaridades; o mundo do trabalho, particularmente, é tão competitivo que nele impera uma atmosfera bélica.
            O que me apavorou na matéria citada(escrita por uma mulher, inclusive) foi o fato de se colocar a possibilidade de retorno ao estado anterior que vivia a mulher como saída para o suposto entrave provocado pela tristeza feminina.”Será que as mulheres seriam mais felizes se retornassem ao papel tradicional de mãe e esposa?” – pergunta-se.
            Tristes mulheres....
            De onde se tirou que ser triste é problema? Problema é não poder ser triste. È não conhecer a forma mais genuína da tristeza, que é ser triste com independência para de verdade sê-lo.
            Além do mais, quem disse que antes da emancipação feminina vertiginosa (em um século a mulher andou o que não andou em trinta) não éramos tristes?
            Eu queria que fizessem uma pesquisa também sobre a que levava antes a tristeza feminina e a que esta leva agora. Creio que descobrirão que os suicídios de mulher antes eram em maior quantidade do que atualmente.
            Vim defender, nesta crônica, o direito feminista de se ser triste. Vejam a citação abaixo, do século dezenove.
            “É inútil dizer que os seres humanos deveriam se satisfazer com a tranqüilidade: eles precisam de ação; e, se não a encontrarem, fabricá-la-ão. Milhões são condenados a um destino mais calmo que o meu, e milhões vivem em silenciosa revolta contra sua sorte.[...] Supõe-se que as mulheres em geral são muito calmas. Mas as mulheres sentem da mesma forma que os homens: precisam exercitar suas faculdades, precisam de um campo para seus esforços, da mesma forma que seus irmãos; sofrem com limitações muito rígidas, com a estagnação absoluta, exatamente como os homens sofreriam.” Do livro Jane Eyre, de Charlotte Brontë (1816-1855).
            Será preciso constatar mais alguma coisa? Creio que já é suficiente.
            Em outra ocasião, podemos discutir os falsos valores implícitos na formulação mesma das análises e conclusões da pesquisa tão “reveladora”.


*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br


Coluna da Luciana Martins

nº 105, sábado, 3 de outubro de 2009


Que bons ventos tragam a universidade
jornal Turma da Barra


                Eu costumo chegar atrasada em muitas discussões que ocorrem no Turma da Barra, mas não é por descaso (queria deixar isso claro a meus leitores e leitoras). É mais por desligamento mesmo, e por temperamento, personalidade, jeito de ser.
                Somente agora foi que, olhando a página dos leitores, vi que estão discutindo a possibilidade de se trazer um campus de expansão da UFMA para Barra do Corda. Recordo-me vagamente de ter ouvido isso ano passado, e cheguei a ter conhecimento de que já existe implantada, na cidade, a UEMA, em forma de ensino a distância.
                Legal esse debate. Importantíssimo. Tudo, absolutamente tudo o que envolve EDUCAÇÃO é fundamental para o desenvolvimento de nossa cidade. Seja no âmbito da educação básica — tão carente — seja no âmbito da educação superior (carente também, mas menos).
                Uma corda puxa a outra. Trazendo-se a universidade PÚBLICA para a Barra do Corda, com salas de aula, com professores, com alunos, com curiosos — sem dúvida, toda essa movimentação vai incutir energia no povo para se debaterem os assuntos mais prementes da comunidade, como é o caso, por exemplo, da educação ela mesma, do sistema de saúde e da preservação ecológica.
                Ventos bons a tragam, UFMA...!!!!Universidade Federal do Maranhão. Pobre, lascada, mas com gente competente e desesperada para fazer o melhor por este país. Não é preciso ler isso divulgado em lugar algum, pois é publico e notório que o que mais sobrevive neste país de políticos desonestos e empresariado pouco sensível são as universidades federais e estaduais públicas.
                Uma boa política do atual governo, que deve se estender para o governo seguinte (com certeza o da Marina Silva), foi a de expandir a educação tecnológica (criando-se novos e bons Centros Federais de Educação Tecnológica, os CEFETs e transformando o CEFET-PR na primeira Universidade Tecnológica Federal do Brasil), além de criar novas universidades fora dos centros urbanos tradicionais, tais como a Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) em Mossoró (RN) , a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em Cruz das Almas (BA), a Universidade Federal do Pampa (UniPampa) em Bagé (RS), a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UniVASF) em Petrolina (PE), a Universidade Federal do Tocantins (UFT) em Palmas (TO), dentre outras  (no total foram doze, se não me falha a memória do google).
                Confesso que mesmo reconhecendo ter sido essa uma boa iniciativa do governo-Lula, ainda a considero bastante tímida. Apenas 12 universidades? Muito pouco para a ânsia de pesquisa, ensino e estudo que há no Brasil. Sabe-se que NOVENTA E NOVE ou mesmo CEM POR CENTO da pesquisa no país é desenvolvida no seio das universidades públicas. É lá de dentro que saem as vacinas, os remédios e as curas para os males que assolam a nação.
                Lembrei de uma sentença de Macunaíma, o anti-herói de Mário de Andrade: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são.”
                Esta semana mesmo ouvi a palestra de um eminente escritor de livros didáticos da minha área, de ensino de Língua e Literatura, o Professor José de Nicola, retomando a idéia de que a EDUCAÇÃO deve se tornar uma política de ESTADO e não de GOVERNO.
                Reparem como tal idéia, antiga já, vem a calhar para o debate instaurado entre os cordinos a respeito da implantação de um campus da UFMA na Barra. Se acontecer, vai abrir frente para ser criada, no futuro, quem sabe, a Universidade Federal do Sul Maranhense (assim como se implementou a Universidade Federal do Oeste do Pará).
                Onde há universidade há reflexão, há pensamento fluindo, há debate, há mudança, questionamento, inquietação. Há “Inteligenzia”.
                Aqui está uma defensora ferrenha da universidade pública e acessível para todos, brancos e negros, pobres e ricos. Os ricos ficam sensibilizados quando convivem com os pobres e deles conhecem a realidade. Os brancos passam a entender as dificuldades por que passam os negros num país como este, que vive uma suposta democracia racial, quando, na verdade, esconde sob a capa um racismo devastador.
                Dentro da universidade há também muita gente prepotente, assim como fora dela: gente que se sente dona da verdade ou porque estudou mais tempo do que os outros ou porque possui mais títulos ou porque conhece mais países ou porque tem mais dinheiro e por aí vai. Mas é só esquecer e deixar de lado esse pessoal chato.
                O ambiente universitário democratiza o saber, isso é um axioma. Juntem professores e alunos loucos para adquirir conhecimento que rapidamente se dá um jeito de arrumar a tal da “estrutura” de que se ressente o leitor Eduardo Galvão, em carta ao TB (de 28 de setembro). “Viabilidade econômica do município”? Prezado conterrâneo Eduardo, EDUCAÇÃO é viável em qualquer nicho, em qualquer rincão, seja aqui ou na China.
                A EDUCAÇÃO, em si, é riqueza econômica. Riqueza econômica esta que não é só feita de dinheiro. E mais: Navegação para transporte de carga em rios de água potável (que desastre ecológico!!!!). Não é coisa boa nem aqui nem na China.
                Mas deixemos os rios para outra crônica, mais uma dentre as tantas que já publiquei no TB sobre eles.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br


Coluna da Luciana Martins

nº 104, sábado, 19 de setembro de 2009


Reflexão sobre a memória
jornal Turma da Barra

Para meu amigo, Carlos Loria


         Toda vez que penso na importância da memória para a vida, vêm-me à  cabeça imediatamente flashes de um sonho antigo, que eu tive quando era pequena, e que é feito apenas de pequenos barulhos e imagens de pessoas que viviam no circuito próximo à minha casa de Itapecuru-mirim (onde morei dos quatro aos nove anos de idade).
         Enxergo-me na soleira da porta do quintal, o corpo voltado para o poço coberto à direita, em cima do qual ficava a bomba dágua, ouvindo o barulho da água sendo tirada da bomba por minha mãe, e avistando pelo muro, à esquerda, a vizinha e seu filho quase adolescente me olhando e me dizendo com os olhos: “Tu nunca mais vais te esquecer de nós, nunca mais vais perder este momento, vais nos guardar na memória eternamente, mesmo que não signifiquemos nada para ti.”
         Logo em seguida vem a lembrança de uma ação que sempre fiz com reiterado espanto: eu, olhando-me no espelho, e dizendo a meu reflexo: ”Tu existes, Luciana. Tu existes. Vais existir enquanto estiveres viva e com a consciência de que existes e de que possuis memória de ti e das coisas.” (É lógico que, com nove ou dez anos, a gramática não era assim tão  “correta”, mesmo eu sempre tendo usado o pronome TU, como uma boa maranhense.)
         Em outro sentido também tais visões foram se aperfeiçoando. A inquietação diante do espelho aumentou com o tempo, sendo que atualmente me sinto com a responsabilidade de não deixar a vida passar em branco por mim nem eu por ela.
         Não possuo pretensões de deixar “a obra” literária para o resto da humanidade, porque tenho idéia da dimensão daquilo que escrevo e do meu trabalho em sala de aula, como professora. O alcance é pequeno, mas é um leque que se abre de possibilidades que eu não pretendo ignorar. Pelo contrário.
         Carlos Loria, um dos amigos escritores, aconselha-me: “Não se preocupe com a memória. A gente somente guarda o que interessa de verdade.” Acontece que me interessa guardar bastante coisa, daí por que não largo meus cadernos e “moleskines” (cadernetas,) nem dentro de casa nem quando saio, onde anoto lampejos ora de lucidez ora de alucinação.
         É claro que não saio publicando, porque tenho, ao menos nesse aspecto, senso de ridículo. Isso tudo é um procedimento pessoal, de quem lida com as palavras e não consegue se livrar delas. Cada escritor ou escritora tem o seu processo mnemônico.
         Costumo anotar palavras soltas apenas por sua beleza ou vigor (para somente mais tarde colocá-las em algum contexto), frases desconexas, pedaços de sonho e de imagem mental, vislumbres...Às vezes, poemas inteiros nascem prontos como que ditados pela melodia da lira de Orfeu... De todo modo, poucos deles sobrevivem a meu crivo impiedoso. Posteriormente, os sobreviventes ainda haverão de enfrentar leitores mais criteriosos.
         Além de toda a parafernália verbal de minha “autoria”, guardo jornais e revistas durante anos, alguns pela vida toda. Em minha casa existe mais papel do que qualquer outro tipo de material. Dir-se-ia que tenho, de forma moderada, a síndrome de Diógenes.
         Tal mal é o de acumular muito lixo e coisas inúteis em casa e costuma acontecer com pessoas velhas e solitárias, mas eu comecei muito cedo. (Diógenes foi um filósofo grego do século IV a.C. que viveu como mendigo,  dormindo dentro de um barril para onde levava tudo o que encontrava nas ruas).
         A cada ano, aprofundam-se investigações científicas a respeito da manutenção, da perda e da recuperação da memória. Li, na revista “Superinteressante”, que estão até criando a pílula da supermemória. Não sei no que vai dar, mas gente falecida como o escritor francês Marcel Proust, o argentino Jorge Luis Borges e a brasileira Clarice Lispector sem dúvida não a poderiam ter tomado em sua época, sob pena de ocorrer um revertério com sua memória prodigiosa e de nos terem deixado como legado somente meia dúzia de frases imbecis.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

Coluna da Luciana Martins

nº 103, sábado, 29 de agosto de 2009


Novidade na política
e o puxa-saquismo reinante

jornal Turma da Barra


            Estes dias, creio que muita gente comemorou, como eu, o fato de Marina Silva ter se desligado do PT (depois de 30 anos de partido) para se filiar ao PV(Partido Verde) e, ao que tudo indica, dispor-se a sair candidata à Presidência da República.
            É claro que o “novo” Lula declarou que “não faz diferença” ela ter abandonado o partido para se tornar candidata. Interessante como determinadas pessoas “mudam” com o tempo.
            Marina Silva é da mesma safra de Chico Mendes, seringueiro defensor das causas ecológicas que foi assassinado na década de oitenta do século passado. Perder-se um membro como esse no Partido dos Trabalhadores deveria ser um acontecimento a se lamentar.
            Mas acredito que gente como Eduardo Suplicy não pensa o mesmo que Lula. Eduardo Suplicy que esta semana aferventou as sessões do Senado tendo literalmente “dado um cartão vermelho” ao coronel José Sarney.
            Ele foi bastante criticado por “não ter dado cartão vermelho a Lula” e, por ter, como disse o cantor Fagner num programa de TV, “chegado tarde demais com relação a toda a sociedade”, que já teria dado cartão vermelho há muito mais tempo ao Senado.
            Atrasado ou não, achei magnífica a metáfora icônica escolhida por Eduardo Suplicy.  Eu assisti a toda a votação da “causa Sarney” no conselho de ética na TV Senado. Ouvi a declaração de Suplicy de que “se estivesse como membro do Conselho, votaria a favor da abertura de processo contra o Presidente da Casa.”
            Conversando com uma amiga ontem à noite, chegamos à conclusão de que se Suplicy caísse fora do PT também, seria um excelente candidato a Vice-Presidente na chapa de Marina Silva. Quem dera.
            Ainda não sabemos como se encaminharão as conversas nesse sentido, mas que o ideal seria os dois juntos, ah, seria.
            Agora voltando ao velho político Sir Ney. O homem é mesmo poderoso, não há dúvida. Mesmo assim, ainda nutro a esperança de que um dia não haverá mais políticos como ele.
            Sei que há gente também no Maranhão que o venera. Conheci um poeta, por sinal um relativamente bom poeta, que um dia me apareceu com um poema épico em comemoração aos setenta anos de José Sarney.
            Quase não acreditei quando, no meu endereço de Curitiba, recebo pelo correio uns dez exemplares do tal poema, em formato de Jornal, com o Sir Ney estampado na capa.
            O poeta em questão me mandou todos esses exemplares achando que eu ia distribuir entre meus conhecidos. Realmente, é muita cara de pau (e muita falta de conhecimento de quem sou eu).
            Peguei todos eles e os joguei no lixo seco. Para reciclagem. Não sem antes ter dado uma olhada no tal poema. Comparava José Sarney a um santo e citava outro santo que haveria no Brasil, do mesmo porte do maranhense: o santo Antônio (Carlos Magalhães, da Bahia).
            É.... tem gente pra tudo neste mundo.
            Este senhor um dia me mandou um de seus livros e me ligou pra perguntar o que eu tinha achado. Este telefonema foi um pouco antes da palhaçada acima citada.
            Perguntei: “Que livro? Eu ainda não consegui chegar ao livro, eu ainda não o encontrei, porque nas páginas iniciais (e até quase mais da metade da edição) o que encontro são apenas elogios ao teu livro, à tua poesia e a tua pessoa.” Critiquei-o severamente por isso, dizendo que a prova dos nove é a poesia da gente, e não o que dizem fulano, cicrano ou beltrano sobre nós em prefácios infindáveis à obra propriamente dita.
            É claro que ele nunca mais me ligou, né?
            Eu queria ver nossos poetas empenhados era em fazer a epopéia do povo maranhense, do povo mesmo, que está vivendo na miséria, ao invés de poemas encomiásticos, laudatórios, cheios de puxa-saquismo feitos para gentinha cuja única expressividade na vida é a espoliação dos bens alheios.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

 

Coluna da Luciana Martins

nº 101, sexta, 31 de julho de 2009


Sou da Turma
jornal Turma da Barra

 

            Em criança e na adolescência, nunca fui muito de participar de turmas. E olhem que tentava, tentava mesmo. Vivia rodeada de gente, mas sempre me quedava solitária.
            Na adolescência, que é a fase em que mais buscamos uma cara, uma identificação com determinado grupo, comigo acontecia o contrário. Não que eu não quisesse, a princípio; pelo contrário. Procurava — por exemplo — comprar roupas parecidas com o pessoal do rock in roll, vestir-me como cocota (era assim que se chamavam as garotas populares da época), mas nada dava certo!
            Chegava no meio do povo, começava a conversar, mostrava até que conhecia o jargão; no entanto, necas de pitibiriba. Em certo momento, lá se ia a Luciana, sozinha pra casa, com o coração apertado, decepcionada, certa de não ter agradado a ninguém.
            Nunca me ajustei a grupo algum. Tentei com os hippies, com os malucos-beleza, com os comunistas de carteirinha, com as mulheres fatais...
            Aos poucos, comecei a entender a dinâmica de minha personalidade, e relaxei. Quem não gostar de mim assim, que se dane — pensei certo dia. Por isso, sou louca por aquela canção do Zeca Baleiro, “Minha tribo sou eu”, a qual os leitores do TB muito provavelmente conhecem.
            Eis que o Heider Moraes me convida, certa feita, para escrever crônicas para o Turma da Barra, ainda em papel. No começo, não levei muito a sério: escrevia bastante esporadicamente e quando me dava na telha. Possuía outros interesses que me consumiam mais as energias naquela ocasião.
            Acontece que o Heider não é qualquer um. Resolveu insistir, resolveu investir em mim como um verdadeiro empresário. E, diga-se de passagem, eu não era dada a escrever crônicas, embora sempre tenha adorado o gênero. Mesmo assim, Heider quis tirar leite desta pedra.
            E ele não estava errado, modéstia à parte. O leite começou a manar e nunca mais parou.
            Aqui me encontro, orgulhosa, participando de uma turma.
            Quem diria?
           
Juro por todas as forças da natureza: enquanto viva estiver, serei do TURMA DA BARRA. Serei da turma do Turma. Eclética, cibernética, plena de diversidade; ora madura ora criança, ora certa ora errada, ora reta ora oblíqua —como é a liberdade.

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília

lucianamar@terra.com.br

Coluna da Luciana Martins

nº 82, quinta-feira, 15 de maio de 2008

Padre Antônio Vieira
jornal Turma da Barra

            Dando continuidade às três homenagens a que me propus fazer este ano, chego hoje ao Padre, que, de uma certa forma, também como Machado de Assis e Guimarães Rosa, foi um funcionário público, na medida em que, como membro da Companhia de Jesus, servia à Coroa de Portugal, no século XVII.
            Chamo atenção para este dado biográfico, porque venho observando que a maioria dos escritores brasileiros costuma ter um emprego público com que manter a estabilidade; estabilidade esta sem a qual, em nosso país, seria muito difícil viver. E, contrariando a visão romântica de que “todo escritor vive perigosamente”, isso revela a necessidade de um porto onde ancorar o corpo para a alma poder, de fato, viajar.
            Machado de Assis passou a vida ocupando cargos burocráticos, a maior parte no, na época, Ministério da Viação - tendo trabalhado, inclusive, na seção de contabilidade deste. Guimarães Rosa, por sua vez, formado em medicina, exerceu por um tempo a carreira de médico, mas terminou mesmo foi como diplomata.
            O Padre, que dividiu sua vida entre Brasil e Portugal (curiosidade: atravessou o oceano Atlântico sete vezes), também teve seu sustento garantido pelo serviço à Coroa. Agora, quanto à estabilidade....Vieira teve a vida mais atribulada que a de nossos outros dois homenageandos.
            Guimarães Rosa e Machado muito desafiaram o “poder”, com sua literatura revolucionária, mas já viveram num tempo em que isso era mais tolerado, além do fato de que pouco se compreendeu realmente da obra dos dois enquanto ainda estavam vivos – e ainda hoje existe muita gente que não os compreende, como já ficou dito aqui anteriormente.
            Em contrapartida, diferentemente dos dois, Vieira era um homem público de verdade, um homem da oratória, que, como tal, a todo tempo se expunha demasiado ao denunciar, em altos brados, com sua verve vigorosa e peremptória, as mais absurdas injustiças que aqui e em Portugal se cometiam.
            Quando a coisa apertava para ele, o jeito era sair de um lugar para o outro. No Brasil foi ameaçado, em Portugal também. Imagino como não deve ter sofrido esse pobre homem que nada mais pregava do que a justiça e o fim da corrupção, que, àquela época, já grassava aqui como uma peste.
            Por essa perspectiva é que é preciso compreender certas “concessões” que Vieira teve de fazer em sua época. O caso mais famoso é o da escravidão negra, que o acusam de ter defendido, em troca da escravidão indígena. Não é esta uma questão para ser analisada de forma tão simplista.
            Há, sobre ela, contradições dentro da própria obra de Vieira. Segundo Ana Carolina Cernicchiaro, no ensaio “A temática da escravidão negra nos sermões de Pe. Antônio Vieira” (acessado na internet), o padre jesuíta foi amadurecendo a questão durante toda a sua vida – vida longa, diga-se de passagem: viveu 89 anos, coisa que, naquele tempo, era milagre.
            A questão do índio é menos problemática nos sermões. Vieira advogou com vontade o fim da escravidão indígena. E denunciou ao Rei Dom João IV, em carta: entre 1615 e 1652, no Maranhão haviam sido mortos, pelos colonos, mais de DOIS MILHÕES de índios. Em apenas trinta anos!!!
            Para a pesquisadora da UFSC supracitada, como alguém que estava ligado à Coroa portuguesa, Vieira sabia da inevitabilidade da escravidão negra, necessária para o enriquecimento da Metrópole. Portanto, não seria cabível considerar-lhe, da causa negra, mártir abolicionista, mas menos ainda o contrário.
            Mesmo assim, com toda a ambigüidade presente no discurso vieiriano – ambigüidade inclusive própria do espírito barroco – não é de se desconsiderar a intensidade com que Vieira defende a igualdade entre as raças branca e negra. Para Ana C. Cernicchiaro, esse teria sido o grande mérito de Vieira enquanto membro da Igreja Católica, até então defensora da tese de que os escravos eram seres inferiores porque mais propensos ao pecado, ainda que na Bíblia todos tivessem sido considerados iguais a partir de Cristo.
            “Oh, trato desumano, em que a mercancia são homens! Oh mercancia diabólica, em que os interesses se tiram das almas alheias... (...) Não há escravo no Brasil- e mais quando vejo os mais miseráveis – que não seja matéria para mim de uma profunda meditação. Comparo o presente com o  futuro, o tempo com a eternidade, o que vejo com o que creio, e não posso entender, que Deus, que criou estes homens tanto à sua imagem e semelhança como os demais, os predestinasse para dois infernos, um nesta vida, outro na outra(...)” (Sermão Vigésimo Sétimo, da série “Maria, Rosa Mística).
            Acho importante tocar nesse assunto porque estamos próximos de uma data histórica hoje. Anteontem foi o dia 13 de maio, data da suposta “libertação” dos escravos. Nós, maranhenses, somos do Estado que mais possui negros no Brasil, juntamente com a Bahia. É importante, portanto que não nos esqueçamos de colocar em pauta, sempre que possível, a discussão sobre o racismo em nosso país e no Maranhão especificamente.
            E por falar em Maranhão, ficou famosa a declaração de Vieira, que disse, no “Sermão da quinta dominga da quaresma”, em 1654, o seguinte :“A verdade que vos digo é que no Maranhão não há verdade.” Até Zeca Baleiro colocou tal declaração bombástica sendo dita, em alto e bom tom, no seu disco “Pet Shop Mundo Cão’, de alguns anos atrás.
            A declaração é realmente chocante. Dói nos nossos ouvidos maranhenses de hoje. Parece que se tornou como que uma maldição para nosso Estado, tão decantado em prosa e verso.
            Cumpre informar que Pe. Vieira morou quase dez anos no Maranhão, onde pregou sermões fortíssimos como o acima referido. Dele retirei o trecho abaixo, que acho emblemático:

       “Na Bahia, que é a cabeça desta nossa província do Brasil, acontece algumas vezes o que no Maranhão quase todos os dias. Amanhece o Sol muito claro, prometendo um formoso dia, e dentro em uma hora tolda o Céu de nuvens, e começa a chover como no mais entranhado inverno. Sucedeu-lhe um caso como este a D. Fradique de Toledo, quando veio a restaurar a Bahia no ano de 1625. E tendo toda a gente da armada em campo para lhe passar mostra, admirado da inconstância do clima, disse: En el Brasil hasta los cielos mientem. Não sei se é isto descrédito, se desculpa. Que mais pode fazer um homem, que ser tão bom como o Céu da Terra em que vive? (...)Mas o que se disse do Brasil por galanteria, se pode afirmar do Maranhão com toda a verdade. E experiência inaudita a que agora direi, e não sei que fé lhe darão os matemáticos que estão mais longe da linha. Quer pesar o Sol um piloto nesta cidade onde estamos, e não no porto, onde está surto o seu navio, senão com os pés em terra: toma o astrolábio na mão com toda a quietação e segurança. E que lhe acontece? Coisa prodigiosa! Um dia acha que está o Maranhão em um grau, outro dia em meio, outro dia em dois, outro dia em nenhum. E esta é a causa por que os pilotos que não são práticos nesta costa, areiam, e se têm perdido tantos nelas. De maneira que o Sol, que em toda a parte é a regra certa e infalível por onde se medem os tempos, os lugares, as alturas, em chegando à Terra do Maranhão, até ele mente. E Terra onde até o Sol mente, vede que verdade falarão aqueles sobre cujas cabeças e corações ele influi. Acontece-lhes aqui aos moradores o mesmo que aos pilotos, que nenhum sabe em que altura está. Cuida o homem nobre hoje que está em altura de honrado, e amanhã acha-se infamado e envilecido. Cuida a donzela recolhida que está em altura de virtuosa, e amanhã acha-se murmurada pelas praças. Cuida o eclesiástico que está em altura de bom sacerdote, e amanhã acha-se com reputação de mau homem. Enfim, um dia estais aqui em uma altura, e ao outro dia noutra, porque os lábios são como o astrolábio. É isto assim? A vós mesmos o ouço, que eu não o adivinhei. Vede se é certa a minha verdade: que não há verdade no Maranhão.

(...) 
          O mesmo passa nos vícios. Se o clima influi soberba, nasce a inveja, se influi gula, nasce a luxúria; se influi cobiça, nasce a avareza; se influi ira, nasce a vingança. E para nascer a mentira, que é o que influi? Ociosidade. Onde o clima influi ócio, dá-se a mentira a perder. Nasce, cresce, espiga, e de um não-sei-quê, tamanho como um grão de trigo, podeis colher mentiras aos alqueires. Estes são os dois vícios do Maranhão, e estas as duas influências deste clima – ócio e mentira. – O ócio é a primeira influência, a mentira a segunda: o ócio a causa, a mentira o efeito. Não há Terra no mundo que mais incline ao ócio ou à preguiça, como vós dizeis, e esta é a semente de que nasce tão má erva.”

Como parece atual, não é? Digo e repito: veste a carapuça quem quer. Mudando de assunto, quem gostou e deseja mais, pode achar  Pe. Vieira e também Machado de Assis e Guimarães Rosa na internet, em sítios como o www.nupill.org, da UFSC, no www.dominiopublico.gov.br, do Ministério da Cultura, no www.bibivirt.futuro.usp.br e no www.bnd.bn.pt, a Biblioteca Nacional Digital de Portugal. 

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br

 

Coluna da Luciana Martins

nº 80, quinta-feira, 10 de abril de 2008

Por que ler Machado de Assis
jornal Turma da Barra

[O homem é] “uma errata pensante. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.”
Brás Cubas, personagem-autor, criado por M. de Assis

 

            Bons Dias!
            (Era assim que Joaquim Maria Machado de Assis começava suas crônicas no Gazeta de Notícias, jornal carioca para o qual ele escrevia no século XIX.)
            Cento e tantos anos depois, estou eu aqui: a querer convencer os leitores contemporâneos a gastar seu “precioso tempo” com a leitura dessas crônicas, dos contos, dos poemas e dos romances desse escritor tão “antigo” e tão complicado.
            Sim, porque havemos de convir que a primeira coisa que se diz a respeito de nosso Machado é que ele é muitíssimo difícil, inacessível, hermético, e que conseguir chegar até o fim de um romance seu é uma verdadeira tormenta. A exceção fica para uma parte dos que possuem o hábito da leitura estabelecido em sua vida, e que têm o costume de “enfrentar” escritores menos populares com naturalidade.
            De fato, ler Machado de Assis não é a mesma coisa que ler Paulo Coelho, Sidney Sheldon e quejandos.
            Costumo dizer que Machado é tão difícil como a nossa vida é difícil.
            Ele mesmo sabia que não seria aceito de pronto na sociedade de sua época, tanto é que no início de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” afirma que terá no máximo dez leitores. É que esse livro, publicado em 1880, inaugurou uma nova fase do escritor, em que passou a escrever textos radicalmente diferentes dos anteriores; é nesse novo momento que vai nascer também, dentre outros, “Dom Casmurro”, o romance mais intrigante de nossa literatura. No conto, Machado também revolucionou a partir da publicação de “Papéis avulsos”, em 1882.
            Mas tocar no fato de Machado não ser lido é como tocar numa enorme ferida que nosso país possui e que vai cada vez mais ficando inflamada: a impossibilidade que temos de formar leitores tanto na escola, como pelos meios de comunicação, pela convivência, pelas conversas despretensiosas em sofás e mesas de bar.
            Os leitores que existem são exceção à regra — regra essa que é não se gostar de ler, mal se tocar em livros realmente importantes para a formação do caráter de cada um. A Bíblia, que é um livro excelente, é o único livro clássico que se tornou popular — ainda assim, conheço muita gente que a lê mas de fato não a compreende ou a interpreta de maneira equivocada.
            Existe aí a barreira da língua escrita, e da língua escrita erudita, arcaica, antiga. (Se bem que convém informar que Machado de Assis, em sua época, já escrevia de maneira “moderna’ e única.). Essa barreira não será transposta enquanto não houver uma educação voltada para o letramento efetivo dos estudantes, e a oferta generosa de bons livros nas escolas públicas.
            Além do mais, ficam-se onze anos (agora foi pra doze) nos bancos escolares estudando-se uma língua de maneira artificial, sem que se faça uma ponte com a realidade dos leitores. De uma vez por todas, a gramática pela gramática não leva ninguém a lugar algum! E, infelizmente, sobra para o Machado de Assis, que fica sendo considerado o “terror” dos estudantes.
            Entretanto, esse “terror” é nossa salvação. É o que temos de melhor e mais importante na nossa lavoura literária. É preciso conhecê-lo, mergulhar em seus livros para encontrar nossa própria alma, por ele “discretamente”escancarada.
            É só com Machado de Assis que podemos dizer isso, que uma coisa é escancarada (arreganhada) de forma discreta, mas, diga-se de passagem, sem a mínima delicadeza. A escritura desse “Bruxo do Cosme Velho” (como ficou apelidado, por causa do bairro onde morou no Rio de Janeiro) tem esse dom de ser a antítese, o paradoxo, o oxímoro perfeito.
            Vamos lá, leitores, munidos de um bom dicionário, decifrar os enigmas do Bruxo, antes de nossa morte, amém.
            Como diz ele: “matamos o tempo; o tempo nos enterra.”

*Luciana Martins é professora e poetisa, mora em Brasília
lucianamar@terra.com.br