Artigo
O caçador de relíquias
jornal Turma da Barra

*Kerson de Almeida


            Dentre as coisas que se devem preservar, uma delas jamais se deve abrir mão: a conservação da memória de um povo, num tempo em que desvaloriza-se o inestimável patrimônio intelectual, disposto em museus, inventários e tantos outros documentos que testemunham a história dos povos.
            São aqueles que buscam arrancar, dos arquivos mortos da historiografia universal de cunho positivista a memória do nosso povo.
            Mas há quem se preocupe, e assumindo uma postura resoluta tente de todas as formas resgatar e recuperar as relíquias, peças importantíssimas da história de nossa cidade.
            O caçador de relíquias não se cansa, não conhece barreiras por mais intransponíveis que sejam a foto, o texto, o poema, o artigo, o testemunho verbal ou escrito é o alimento para este caçador.
            Barra do Corda é o seu alvo. Tudo transpira cultura, arte, natureza e vida são nossas raízes. A imagem congelada no passado se revela no presente inundando de alegria os olhos talvez cansados de uma sociedade imagética, que tantas vezes deixa para trás seu maior legado, seus ícones, seus referenciais, que passam desapercebidos pelo negrume dos imediatismos do cotidiano. O caçador, vasculha, investiga obstinadamente como a nau procura  o horizonte, o trabalho solitário, longe do barulho das máquinas, poucos se interessam, coisas que o mundo massificado menospreza.
            Urge a participação de agentes comprometidos com nossas questões culturais.
            Não se pode permanecer reduzido a lugares ermos e extremamente restritos, ambientes onde quase ninguém conhece a fundo nossa história.
            Contemplamos uma multidão de seres passivos, alheios a sua memória, privados do engajamento necessário, nas lutas sociais por significativas mudanças valorativas, com diria Nietzche: "a grandeza do homem não está na sua razão e sim em sua capacidade de se comprometer e lutar por valores quaisquer que sejam eles."
            Os grandes valores perdem-se na infinidade de distrações das sociedades do espetáculo e da poltrona dos reality shows.
            É preciso sair da matriz infernal e preocupar-se, com nossas coisas, nossa gente, nosso patrimônio cultural, lastro de saber das futuras gerações.
            Ainda são poucos os que se alistam no exército remanescente, a exemplo do caçador de relíquias.
            Somos o que fazemos repetidamente, por isso o mérito não está na ação e sim no hábito, porém no hábito nobre de trazer a tona as fases áureas de nossa história.
            Infeliz do homem cuja vida se prolonga na mediocridade. Nossos dias não cairão no desuso de passado imemorial, mas estaremos juntos, conclamando nosso povo, a olhar para cima por detrás dos muros da ignorância e ver um passado com olhos de primeira vez , não como algo apenas nostálgico e inerte, nem por lentes embaçadas de fraseologias anacrônicas, mas em um passado que salta no presente diante das gerações contemporâneas, apontando um futuro carregado de sonhos, com nossas visões de mundo.
            Viver é a coisa mais rara do mundo, a maioria das pessoas apenas existem.
            Contudo, somos gratos pela vida e existência dos homens que se foram, mas que fincaram no antro de nossa história.
            Seus nomes agora permeiam como espectros angelicais os quadrantes metafísicos de nossa realidade imanente.
            Valeu grande Álvaro, Heider e demais colaboradores do Turma da Barra!
            Nossos caracteres pulsarão incessantemente no ser que só existe ou vegeta, e passará a viver aquilo que um filosofo francês havia dito: viveremos a noosfera, a dimensão das mentes e dos corações irmanados num só espírito.

*Kérson Almeida é professor universitário, filósofo e artista plástico, mora em Barra do Corda (MA)

(TB14mai2011/nº03)

 

 

Artigo
Lata d'água na cabeça
jornal Turma da Barra

*Kerson de Almeida


            “Lá vai mãinha a passos lentos, sobe e desce ladeiras”.
            O trecho da música retrata a realidade da sequidão que assolava e ainda assola grandes conglomerados de nordestinos pelo agreste do sertão do Brasil. Mazela esta que há séculos tortura e humilha os sertanejos que se vêem encurralados sem a menor chance de verem sanadas de uma vez por todas, seu estado de carências múltiplas, dentre elas, a água o mais precioso líquido vital indispensável à sua subsistência tanto na região rural, quanto na região urbana.
            As cenas tétricas continuam a se repetir, verdadeiras procissões de grandes contingentes de pessoas tendo que se sacrificarem ao extremo, em busca de água tão abundante no Brasil, com um dos maiores patrimônios hídricos do mundo.
            Padece por falta de políticas da água, em nível não só de nordeste, como também no próprio contexto citadino, problema crônico que se arrasta há anos, trazendo incômodo, constrangimento e indignação.
            Situação que levou populares ao limite do desespero ao promoverem litígio nas instalações do órgão responsável pelo fornecimento de abastecimento d'água.
            Nem mesmo isso foi suficiente para que uma voz clame, não no deserto da Palestina, mas em pleno oásis: Barra do Corda, princesa que habita em meio aos mananciais de todos os cantos do Brasil.
            Milhares de pessoas vem beber de suas fontes, rejuvenescem-se nas águas da juventude. Já não é mais o mesmo quem se banha duas vezes em nossos rios, e nessas águas um dia sempre voltarão.
            Espera-se sim, que os turistas não nos abandonem, não nos deixem morrer em meio a tanta vida porque água é vida.
            Porém nossas torneiras escorrem apenas o vácuo e a ausência de um direito minado que vez por outra nos sobrevém.
            Acreditamos que o Rei do Baião. Luiz Gonzaga, não precisará voltar da eternidade nas asas de um velho abutre que ronda as regiões áridas do esquecido sertão a espera da próxima vítima.
            Sua velha sanfona ecoa eternizada nos ouvidos dos depauperados, fazendo nascer um renovo de esperança, que para eles, talvez se resuma apenas numa utopia milenial apocaliptica, até quando forem ouvidas suas preces peticionais como nas estrofes de Luis Gonzaga ''Eu perguntei a Deus do céu porque tamanha judiação''

* Kerson de Almeida Silva é professor e artista plástico, mora em Barra do Corda

(TB29jan2011/nº02)

 

 

Artigo
O lamento de um planeta
em crise

jornal Turma da Barra

*Kerson de Almeida


            Quem sabe amanhã não haja o que lamentar. As chamas da infâmia humana encobrem o mundo.
            Não há mais preocupação com as futuras gerações, a humanidade consome trinta por cento a mais de sua capacidade gerativa, o homo sapiens, transforma-se em homo demens.
            A brutal forma de degradação estraçalha toda camada biótica da terra, a grande GAIA, nossa única e última morada. O clamor dos ecossistemas eclode no meio natural, convocando os filhos da terra para o grande mutirão pelas causas transhumanistas.
            Todas os reinos da natureza permanecem à mercê da exploração indiscriminada. As manchas do liquido negro espalha a morte de milhões de espécies de vida nas profundezas dos oceanos. Quem pagará a conta? A Posteridade será vitima das ações irresponsáveis do presente, a banalização da catástrofe já não mais incomoda os culpados.
            Os autores das calamidades ambientais jamais serão penalizados por seus atos monstruosos. A imensa biodiversidade, os peixes, as aves, os moluscos, todas as formas de vida, nada representam para o lobby do petróleo.
            A mancha visualizada até mesmo por fotos de satélite manchará a alma de todos aqueles que renunciaram à torpeza do capitalismo de mão cega, que nada enxergam a não ser os grandes lucros gerados pela indústria petrolífera.
            Talvez amanhã em vez de manchas de petróleo, presenciaremos o sangue de nossa espécie jorrar pelos olhos tristes do pequeno caboclo, nos rincões das selvas densas de nossa Amazônia, e lá, inserido como uma parte de si mesmo, ele se reconhece como parte indissociável do macrocosmo, desconhece os acordos que submetem sua própria existência, sua voz se une às vozes da floresta dizendo: somos água, ar, terra, céu.
            Não somos mais uma cifra numa multidão sem rosto do hiperconsumismo, precisamos do eterno retorno, tal qual o homem de Rossseau, para que se possa então entoar as estrofes das antologias poéticas.
            O espírito lírico vez por outra se debruça agora noutro contexto: “A minha terra ainda tem palmeiras”. Sim, o sabiá quase levantou o último vôo à procura da última palmeira. Suas asas exaustas pervagam o Maranhão, o Brasil, e o mundo afora.
            As negridões da fumaça ofuscam seus olhos, mesmo assim as vozes esquecidas da floresta ecoam, ganhando os céus infindáveis, e encontram arrego no seio do Grande Projetista do universo:
            - Diz ao sabiá! Teu canto será ouvido e atravessará a barreira do limiar, e do tempo eterno, abarcando de uma só vez todos que foram dizimados e sacrificados, em nome da vida, como bem e patrimônio, maior causa do existir.

* Kerson de Almeida Silva é professor e artista plástico, mora em Barra do Corda

(TB22jan2011)