Três poemas
de Ferreira Gullar

jornal Turma da Barra

O poeta maranhense Ferreira Gullar é considerado o maior da língua portuguesa em vida.
 Gullar não precisa incorporar a bandeira do artista incompreendido pela sociedade e continua engajado politicamente, mantém ativa a produção de artes plásticas e, em seu novo livro esbanja juventude. Em alguma parte alguma, Gullar emana transcedência e faz valer a sua definição de linguagem poética: Só o que não se sabe é poesia . Veja três poemas de Gullar



Perplexidades

a parte mais efêmera
de mim
é esta consciência de que existo
e todo o existir consiste nisto
é estranho!
e mais estranho
ainda
me é sabê-lo
e saber
que esta consciência dura menos
que um fio de meu cabelo
e mais estranho ainda
que sabê-lo
é que
enquanto dura me é dado
o infinito universo constelado
de quatrilhões e quatrilhões de estrelas
sendo que umas poucas delas
posso vê-las
fulgindo no presente do passado

 

Toada à toa

A vida, apenas se sonha
que é plena, bela ou o que for.
Por mais que nela se ponha
é o mesmo que nada por.
Pois é certo que o vivido
- na alegria ou desespero –
como o gás é consumido...
Recomeçamos de zero.

Uma pedra é uma pedra

uma pedra
(diz
o filósofo, existe
em si,
não para si
como nós)
uma pedra
é uma pedra
matéria densa
sem qualquer luz
não pensa
ela é somente sua
materialidade
de cousa:
não ousa
enquanto o homem é uma
aflição
que repousa
num corpo
que ele
de certo modo
nega
pois que esse corpo morre
e se apaga
e assim
o homem tenta
livrar-se do fim
que o atormenta
e se inventa

 

 

(TB19out2011)