Artigo
Vinte anos sem Raimundinho Pacheco
jornal Turma da Barra

 

*Gilson Pacheco


            No dia 15 de março e 1992, estava eu no estádio do Cave, no Guará, por volta das 17 horas, quando o meu celular tocou. Era minha esposa Joana me dizendo que o meu irmão Raimundinho, havia levado três tiros. Daí pra frente, não me lembro de mais nada que tenha dito ou feito. Lembro-me apenas quando cheguei à minha casa onde já havia algumas pessoas e uma delas me disse quem tinha sido o causador daquele horrendo ato. Naquele momento não sabia se meu irmão estava morto ou vivo. Encontrava-me indiferente a esses fatos.
            Em estado de choque não entendia o que estava acontecendo, pois via as pessoas, mas eu não conseguia perceber e entender o que se passava, era como se eu não estivesse ali. Recordo-me de ter procurado por minha esposa, mas não me lembro se me disseram onde ela estava (ela tinha levado nossos filhos que estavam assustados para a casa da mãe dela).
            Não chorei, não lembro de ter sentido nenhuma tristeza ou qualquer outro sentimento. Assim estava e assim permaneci.
            De repente estava eu no aeroporto com minha prima Ana Lúcia e o Aciran Martins, iríamos viajar para Teresina. Lá chegando o nosso primo Arildo Pacheco nos levou para Barra do Corda. Na estrada, Arildo parou o carro, saiu e começou a chorar. Mas eu não sentia nada, não tinha consciência do que se passava.
            Porém, ao chegar em Barra do Corda, não sei que hora da madrugada, avistei uma multidão na casa do meu irmão. Algumas pessoas que não me conheciam se assustaram ao me verem, devido minha semelhança com o meu. Irmão. Ao chegar à sala vi um caixão e ao lado dele estava a Laura. Ao me ver, falou-me: - Gilson, ele era como um Pai para ti. Ao que me aproximo, vejo o rosto do meu irmão, inerte, pálido e lúgubre.
            Arfou-me o peito em pranto avassalador. Não podia ser verdade aquilo que estava vendo. O herói não morre! Revoltei-me contra os céus. Onde estava Deus, que ato tão funesto permitiu? O mal não podia vencer o bem!
            Não sei quanto tempo ali fiquei chorando, sei que foi passando, como se fosse um filme, toda a minha vida ao lado do meu querido irmão.
            As pescarias, os piqueniques, o primeiro suro que ele fez pra mim, o cuidado que sempre tinha para comigo, as fogueiras de São João, com os traques, bombas, vulcões, batatas assadas que ele organizava com meus pais e irmãos. A vespa que ele me levava para passear e mais tarde me deu para eu pilotar.
            Também vieram às vezes que ele me mandava subir nos pés de goiaba lá de casa para tirá-las para ele dar para as suas namoradas. Eu só pegava porque elas eram bonitas e me davam um beijo em troca. Também não gostava quando ele me mandava ir para a loja trabalhar. Porém, hoje, vejo o quanto isso foi importante para mim. O primeiro porre que eu peguei, ele chegou na minha rede e vendo tudo vomitado, eu fingindo que estava dormindo, disse: - Este é mesmo o meu irmão!
            Outra vez, fomos ao "Buru", para a nossa primeira vez, eu e o Pipoca, não conseguíamos porque, mesmo com dinheiro, as mulheres não queriam ficar com meninos. Foi quando eu falei pro meu irmão e ele resolveu o problema. Fomos com tudo pago e bem tratados.
            Em Brasília, precisando de um carro, escrevi uma carta pra ele me arrumar o dinheiro. Pouco tempo depois, chegou uma ordem bancária.
            Já casado, queria comprar uma casa, falei com meu irmão e ele me enviou grande parte do valor.
            De repente pára o filme! Entre um soluçar e outro de dor, me vem ainda mais forte a revolta.
            Quão vil, covarde, infame, verme, miserável assassino que tirou a vida de meu amado irmão. Então jurei que me vingaria.
            O que não aconteceu porque quando estávamos na mata, no terceiro dia de procura, o coronel Assis, pediu-me para levar com os soldados para o quartel e trazer outros. Mas o objetivo era me tirar do local, pois o mesmo tinha recebido informação de onde se encontrava o monstruoso assassino.
            Hoje vejo que foi melhor assim. Mas a minha revolta ainda é grande, pois o misero assassino tirou a vida de um dos maiores empresários de Barra do Corda. Desestruturou uma família, que nunca mais foi a mesma.
            Naquele momento de extrema dor, não sabia eu que o meu irmão estava a passar-me o cajado com o qual tão bem conduzira nossa família. Teria eu que conviver com a eterna saudade e a dificílima tarefa de sucedê-lo.
            Dali não sei como sai e nem a que horas. Lembro-me de ser acordado pelo meu primo Enio, me dizendo que já estava próximo a hora do enterro. Em seguida vieram meus pais até a mim chorando. Não pude chorar, tinha que conter-me, pois meus pais precisavam de minha ajuda.
            Fomos para a missa de Corpo Presente na Igreja Matriz. Após, levamos o caixão para colocá-lo em um caminhão, para que fossemos para o cemitério. Qual surpresa, nesse momento, uma multidão que se encontrava fora da igreja, pois não puderam entrar por a mesma estar lotada. Essa multidão, em sua maioria de pobres, não queria que o corpo fosse levado de caminhão e sim, a pé. Só que era desejo do meu irmão, ser enterrado no cemitério do Matias, na Altamira, onde, geralmente eram enterradas as pessoas mais pobres. Nesse momento, não titubiei, e concordei com a multidão. Fomos a pé até o cemitério do Matias.
            Raimundinho Pacheco foi um empresário visionário, arrojado, ético, inovador e socialmente justo. Tinha também seus defeitos, claro. No campo, ele cedia as suas terras para a população mais pobre plantar. Outras vezes ele fazia o plantio e chamava os pobres para colher de "meia", onde o meu irmão ficava com a metade e o colhedor com a outra metade. Isto ninguém fazia ou faz hoje!
            Tal iniciativa, rendeu-lhe um comentário do José Arruda, que disse quando ele fez um grande plantio e a produção foi muito grande: - Raimundinho Pacheco fez dois grandes milagres em Barra do Corda! O primeiro foi dá feijão para toda a população carente do município. O segundo foi fazer o Nego Chico trabalhar catando feijão.
            No comércio, com a "Casa Vanguarda", foi pioneiro ao trazer mercadorias de Recife e, posteriormente, do Rio de Janeiro e São Paulo, onde, principalmente na época do Natal e São João, toda a cidade ficava esperando pelas novidades, brinquedos, roupas, fogos de artfícios...
            As pessoas que chegavam a Barra do Corda, Raimundinho era como uma espécie de  Embaixador, que lhes apresentava a cidade e as orientavam em seus futuros negócios ou atividades, o que terminava por torná-los grandes amigos.
            Com os pobres, era muito generoso. Constato isso, recentemente quando passei a ir pelo interior de Barra do Corda, onde é uma constante, primeiro o espanto que as pessoas têm ao me verem. Perguntam-me se sou filho de Raimundinho Pacheco, pela minha semelhança com ele, depois me relatam feitos filantrópicos que receberam de meu irmão. Não tem uma vez que eu vou a Barra do Corda, para que esses fatos não aconteçam, seja na cidade ou no interior. Sempre encontro uma nova pessoa que foi ajudada por ele.
            Meu irmão querido, nunca te esquecerei, mesmo que o quisesse, não conseguiria , pois todas as vezes que olho-me no espelho, tua face refletida está.
            Saudoso irmão, continuo a me espelhar em ti! Trabalhador, festeiro, amigo, ético, socialmente justo e, claro, também com erros.
            Raimundinho, que Deus lhe tenha num bom lugar!
            Aqui fico chorando de saudade, mas com a inquebrantável fé em Deus, que haveremos de nos reencontrar.
            Seu Irmão!
            Gilson Pacheco

*Gilson Pacheco, empresário barra-cordense, mora em Brasília


(TB/17mar2012)