Memória

Manoel Galdino de Moraes
faz 100 anos
(1911 – 2011)
jornal Turma da Barra

 


Manoel Galdino de Moraes com 27 anos

O TB conta a história de Manoel Galdino de Moraes, 
que se estivesse vivo, estaria com 100 anos. Uma homenagem do TB a um dos barra-cordenses que conseguiu criar nove filhos, se desdobrando para educá-los nas melhores escolas do país

 

por Álvaro Braga 


            A saga do ”Seu” Manoel Galdino de Moraes, nascido a 5 de abril de 1911 em Pastos Bons, teve início bem antes, quando seu pai Galdino Pereira de Moraes e sua mulher Maria Joaquina Santos de Moraes, partiram de Missão Velha e Crato com destino ao eldorado maranhense da época, que era a região de Pastos Bons, próspera região, rica em terras de aluvião, propícias para a atividade agropastoril, no final do século 19.
            Atravessando o rio Parnaíba, em Floriano, procuraram se situar na região de Pastos Bons que abrangia as cidades de Colinas, Buriti Bravo, Fortuna, Jatobá e outros lugarejos menores.
            Colinas, primordialmente, denominava-se Vila da Consolação. Com a emancipação passou a se chamar Picos do Maranhão. Devido à confusão que pessoas faziam com Picos do Piauí, nova mudança foi realizada e assim passou a chamar-se definitivamente Colinas.
            A família de Manoel Galdino passou a morar então entre Colinas e Mirador, no local chamado Angical. Depois foram para o Sítio Seco dos Alfredos. Ali Martin Bílio negociava com o fazendeiro Sales Moreira e seu irmão Dr. Bento Moreira Lima, grande chefe político da região. O gerente Lili era o encarregado por Bento para negociar com Martin Bílio.
            Dona Maria Joaquina Santos, mãe de Manoel Galdino, era irmã de Antônio Santos, pai de Jaldo Santos, que era casado com Arcângela e, a exemplo da família de Martin Bílio, este casado com Isabel Moraes, irmã de Manoel Galdino, também vieram para Barra do Corda e constituíram numerosa prole.
            Isabel Moraes e Martin Bílio vieram para Barra do Corda em uma tropa de burros, em penosa viagem por estes sertões, trazendo os filhos pequenos: Amélia, Joaquim, João, Maria, José (Zuza) e Juarez.
            Nessa travessia, já próximo a Barra do Corda, fizeram uma parada para dormir no lugar Javém. Lá Joaquim pegou impaludismo e quase morreu. Martin enviou uma pessoa a Colinas para trazer uma 'garrafada' e assim Joaquim escapou.
            Antônio Santos, que era tio de Manoel Galdino, veio depois com a família para Barra do Corda. Morava no lugar Almeida, próximo à Colinas, margeando o rio Itapecuru, perto da junção deste com o rio Alpercatas, na direção da estrada para Buriti Bravo.
            Maria Joaquina Santos e Galdino Pereira de Moraes tiveram os seguintes filhos: José Galdino, Domingos, Antonio I, Antonio 2, Isabel, Inácia e Maria Rosa. Manoel Galdino era o filho mais novo do casal.
            Domingos Moraes era pai da Dica, que foi criada por Manoel Galdino e se casou com Gonçalo Gonçalves, o Banana, que foi prefeito de Colinas por duas vezes. Domingos morreu de pneumonia. Os mais velhos contam que ele chorava muito quando bebia.
            Manoel Galdino, ainda um rapaz novo, morando na região do Sítio Seco dos Alfredos, já despontava como comerciante de farinha, cachaça e rapadura e fazia negócios com o filho do velho Alfredo, chamado Velho Preto, que possuía um engenho e uma casa de farinha. Este era casado com Jardilina, irmã de Antônio Santos. Na casa do Velho Preto havia ‘dornas’, que são grandes depósitos de madeira para armazenar a aguardente, ao lado das ancoretas, também feitas de madeira.
            José Galdino, irmão mais velho de Manoel Galdino, foi o primeiro a aportar em terras barra-cordenses, casou com dona Zica e não teve filhos. Cedo estabeleceu-se como próspero comerciante na Tresidela e construiu uma casa nas proximidades do rio Mearim, onde atualmente existe um posto de gasolina. Passou a comprar glebas de terras à medida em que seus negócios evoluíam.
            Assim, Zé Galdino, como era conhecido, resolveu chamar seu irmão Manoel, o caçula da família, para também se estabelecer na área da atual Tresidela e assim fez Manoel Galdino, que mostrou um tino comercial fora do comum.
            Naquele tempo morava nas Duas Ilhas, rio Mearim acima, próximo à casa da família do Zé e Jovina Bé, a família Araújo, formada por João Araújo Franco e por Luzia Araújo. Seus filhos eram Zelinda, Carlos Augusto, Jesus, José Lucas e Zélia. Tendo João Araújo Franco morrido de um coice desferido por um cavalo, José Galdino combina com dona Luzia para criar Carlos Augusto e esse passa a ajudar José Galdino em seu comércio até sua morte. Joaquim Bílio o ajudava na venda.
            José Galdino contraiu doença venérea, tomando várias “garrafadas”, que era o remédio da época, composto de ervas, mas não adiantou. Uma delas, de gosto horrível, fez com que Zé Galdino dissesse: 
            - Essa eu mesmo não tomo mais! É muito ruim!
            Guardaram a garrafa cheia. Tempos depois Chico Machado, tropeiro de Zé Galdino, chegando na rancharia disse: - Ninguém me oferece uma bebida! Só por que eu não sou um lord? E Manoel Galdino, gozador como ele só, lembrou da velha garrafada amargosa e encheu um copo, oferecendo ao tropeiro. Este virou o copo de um só gole. Parou para respirar, enxugou a água dos olhos, cuspiu e disse: - Conheci que dessa não escapo!
            Com a morte de José Galdino, na Tresidela, às 17h do dia 30 de setembro de 1939, coube ao irmão Manoel tocar os negócios de ambos, já que não possuía filhos e a mulher do mesmo, Zica, sofria de problemas mentais. Tudo foi divido entre os parentes que moravam em Barra do Corda.
            Mas no dia da morte de José Galdino, o pequeno Joaquim Bílio, acompanhado de Joaquim Moreira, estavam numa capoeira da Tresidela, à época conhecida como Baixão, de tocaia, para caçar veados mateiros, que proliferavam naquela região, quando ouviu a voz de Candinho Barbeiro, irmão de Zica, que tinha uma quitanda na beira do rio Mearim, gritando: Zé Galdino morreu!
            Assim Manoel Galdino tomou à frente dos negócios e se enamorou por Zelinda Araújo, casando-se em seguida e formando numerosa descendência, formada pelos filhos: Clélia, Elton, Cléa, Ednan, Heider, Elber, Wilma, Clesemir e Clésia.
            Mas Manoel Galdino cedo passou a negociar com miudezas, secos e molhados, só não partindo para o ramo de tecidos. Acostumou-
se a sortir suas malas de couros e partir com as cangalhas dos burros cheia de mercadorias para vender nos lugares mais distantes.
            Sempre iniciava pela velha estrada que ia para o lugar Alto Alegre, São Pedro dos Cacetes, São Carlos, Satuba, Naru, Farinha, Jacaré e Jenipapo. Dali fazia outra rota, que derivava para a região do Alto Brasil, que se chamava Serrinha, lugar de descanso dos viajantes. De lá partia para diversos povoados do interior de Grajaú e retornava por lugares como Mamona, Santa Maria e Copaíba.
            Os vizinhos da casa de Manoel Galdino, depois do Mearim, eram Raimundo Lima, Carlos Lopes, Eduardo Galvão, do outro lado do campo do Namariuára, depois campo do Cordino; e pelo lado de cima do campo, tinha por vizinho próximo, Antônio Santos.
            Na época em que a Colônia Agrícola indenizou quase todos os proprietários de terras na Tresidela, Chico Soares, que morava onde hoje é a atual casa de Bena Almeida, não quis vender a terra e perguntaram onde estava a escritura. Imediatamente ele mostrou um velho pé de coqueiro plantado no quintal, dizendo: - Ali está a escritura!
            Antoninho Araújo, pai de Linton Araújo, Zé Carmelio e Ilídio, proprietário de terras no Araticum, irmão de dona Luzia Araújo e Augustinho Araújo, vulgo Goela, carpinteiro da Colônia, também não quis sair.
            A venda de Manoel Galdino do outro lago do rio Mearim, depois da velha ponte de madeira, ficava à margem da estrada de Grajaú, que beirava o rio.
            Por esse tempo Reinaldo vendeu a Manoel sua casa de morada no centro da cidade onde hoje fica de esquina com o Mercado Público. Reinaldo era o pai de Cléris, esposa de João Bílio, e morreu de complicações com a bebida.
            Galdino passou a vender e comprar couros de caça para revendê-las a Livino Resende, comerciante de Grajaú. Os couros eram diversos como de gato maracajá, pacas, cotias, veados mateiros, veados campeiros e muitos outros.
            Então Livino e Manoel se reuniam e iam separar os couros, os que prestavam e os que eram de segunda categoria.
            Quando Livino ia embora Manoel Galdino mandava chamar Joaquim Bílio e procuravam os couros que tinham falhas, cabelos, para raspá-los, e colocá-los de molho para depois espicharem, surrarem e beneficiarem, o que fazia ganharem nova aparência.
            No retorno do comprador Livino, ele perguntou: Galdino, cadê aqueles couros que não prestavam? Galdino respondeu: - Eu vendi. Pra quem? Perguntou Livino. - Pra tu mesmo, respondeu Manoel.
            Assim era Manoel Galdino, que tinha habilidade para os negócios e nada desperdiçava. Joaquim conta com pilhéria que Galdino “amolava gilete” dentro de um copo cheio de água para fazer a barba várias vezes.
            Uma vez Manoel Clemente trouxe um carregamento de malva , planta muito valiosa, usada na confecção de tecidos, para vender a Manoel Galdino, que desconfiando do peso achou muitas pedras pelo meio das malvas.
            Outra vez um certo freguês falou fiado e Manoel vendeu e não anotou, pois ele possui essa característica. Preferia anotar na cabeça. Nada lhe escapava.
            E o tempo passou e o freguês não pagou e sumiu. Até que um dia ele aparece na mercearia e faz uma grande compra para pagar a dinheiro, pensando que Manoel havia esquecido.
            Na hora de cobrar pela nova mercadoria, Manoel subtraiu a velha conta e o freguês, espantado, disse: - Não desconte agora não. Manoel falou: - Não, rapaz! É melhor pra ti, que vai deixar de pensar na conta e ainda vai ficar com crédito!
            Manoel Galdino possuía uma cultura mediana. Lia e escrevia pouco, mas era bom de aritmética, fazia contas de cabeça e tinha grande senso de humor. Adorava folhear jornais antigos e dizia: - Notícias que ainda não se leu é nova. Tinha uma característica comum aos carcamanos, que é a de assoviar enquanto estava fazendo negócios.
            Ele sempre procurou educar os filhos, com muito esforço, para que todos fossem pessoas de bem. Os primeiros estudaram em escolas de São Luís, Goiânia, Fortaleza e os últimos em Brasília. Há filhos graduados e pós-graduados em agronomia, psicologia, contabilidade, letras, pedagogia e jornalismo. Entre os netos: médicos, engenheiros, advogados e alguns com mestrado e doutorado.
            Costumava receber em sua casa nos anos 60 os sobrinhos e parentes: Dica, Joca e Zé Pereira.
            Frequentou por muitos anos a Associação Católica Beneficente dos Vicentinos, juntamente com Ivan Pacheco, José Maria de Moura, Ovídio Cezar de Miranda, Perdicanda, Zé Arruda (pai do Limão), Bita, Artur Rodrigues, Arrudão, Manoel de Dentro e muitos outros beneméritos, que se reuniam semanalmente para ajudar alguma família que estivesse em sérias dificuldades financeiras.
            Tinha o hábito de visitar a venda do Ferreirinha para comprar vassouras de palha, calçando chinelas de couro fechada e usando camisas mangas compridas, uma delas enrolada até a metade do braço, para dizer baixinho: - Cadê aquela nossa vassourinha?
            Gostava também de ir comprar pessoalmente ao raiar do dia no Mercado Público: gêneros, frutas, carne e verduras.
            Manoel Galdino faleceu em 16 de março de 2005, de morte natural, deixando muitas saudades em sua família, que também lhe presta homenagem no seu primeiro centenário.

*Álvaro Braga é pesquisador, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Barra do Corda


Manoel Galdino e dona Zelinda Araújo com três filhos:
Clélia, Ednan e Elton


Manoel Galdino de Moraes poucos anos antes de falecer
com quase 94 anos

 

 

(TB5abr2011)