Cronista
O frade e os índios
jornal Turma da Barra

Este domingo 4,
o presidente da Academia Barra-Cordense de Letras, Eurico Arruda,
 faz sua estreia nas páginas do TB como cronista.
Mas ele conhece jornalismo como poucos. 
Quando estudante do colégio Diocesano, no final da década de 50,
 foi editor do jornal ‘A Juventude’, veículo que durou pouco tempo, 
mas que revela o despontar de uma das mais talentosas gerações de barra-cordenses de todos os tempos.
O TB acolhe com satisfação a volta ao mundo das letras do Eurico Arruda, 
também conhecido como Eurico da Petinha, que aposentado como juiz,
 tem muito para contar aos leitores de um tempo que Barra do Corda era puro idílio,
em um tempo que fora batizada de “Princesa do Sertão”. 
Abaixo a crônica: 

*Eurico Arruda


            Nos anos 50, dois índios Guajajaras, de baixa estatura, ambos com mais ou menos  dezoito anos, depois de passarem pelo Convento das Irmãs Capuchinhas, situado na Praça Getúlio Vargas, onde tinham ido vender  um surubim, foram aconselhados  pela Irmã Jacinta que os atendeu, a vender o peixe ao Frade Superior. Seguiram, pois, para o Convento dos Frades, situado na Rua da Tripa, hoje Gerâncio Falcão. Um dos índios levava com dificuldade o peixe que pesava aproximadamente oito quilos e estava dependurado pelas guelras por um gancho feito de um galho de árvore.
            Quando chegaram defronte do Convento, verificaram que a entrada era por um corredor largo, no fundo do qual havia uma porta reforçada que dava acesso ao interior. O índio que estava com as mãos livres, se esticou todo para conseguir  alcançar e puxar com vigor uma grande argola de ferro, presa na ponta de uma corda, que acionava um sino que ficava na parte de dentro do convento, para avisar que havia visitante.
            Passado algum tempo, surgiu um Frade que tomou quase todo o espaço da porta. Era de estatura alta, meio gordo, carrancudo, vestido numa batina grossa e surrada, de cor marrom escuro, rosto avermelhado, testa larga, sobrancelhas espessas, usando óculos de aros finos, bochechudo, nariz grande e grosso, barba farta e em parte grisalha,  calçado numas  sandálias tipo franciscana. Destacava na cabeça uma coroa de cabelos com alguns fios brancos, ou seja, uma faixa de cabelos naturais, bem delineada, com mais ou menos quatro centímetros de largura, com a parte inferior um pouco acima das orelhas, onde se verificava que os cabelos acima e abaixo dela tinham sido raspados recentemente. A coroa de cabelos simbolizava, desta forma, a coroa de espinhos de Cristo. Nas têmporas, os primeiros traços de calvície.
            Diante da figura avantajada do Frade no umbral da porta, o indiozinho que carregava o peixe, com um sorriso tímido no rosto, fez um grande esforço para levantá-lo o mais alto que pode, pelo gancho de madeira, para melhor mostrá-lo  e assim valorizar o seu produto, e foi logo dizendo:
            - Oia aqui o qui “o teu muié” mandou pra tu comprá !
            O Frade, já zangado, grunhiu umas palavras que o índio entendeu que ele não era casado com a Freira. Então o índio  respondeu:
            - Se ela não é “o teu muié”  é “o teu raparigo”.
            Com a resposta do índio, o Frade ficou furioso. E esbravejando, tirou da cintura o grosso cordão de São Francisco  que cingia a batina e que mais parecia uma corda, no qual se via em destaque os três nós em uma das pontas, que simbolizavam as três quedas de Cristo no suplício do Calvário e partiu na direção dos dois índios; estes, amedrontados, não tiveram alternativa: correram o mais rápido que puderam para a rua, arrastando com eles o surubim.
            PS – Segundo consta, o Frade se chamava  Frei Cosme e era originário da região norte da Itália (Lombardia). Tinha a fama de zangado  e de ter raiva de mulher. Quanto à idade dele na época, não se sabe ao certo.

*Eurico Arruda é presidente da Academia Barra-Cordense de Letras, mora em Barra do Corda (MA)

 

(TB/4dez2011)