Entrevista: Enio Pacheco
Estado da mata virgem me tocou profundamente
jornal Turma da Barra

“O que mais me chamou a atenção foi o estado ainda selvagem da mata virgem, inexplorada,
não tocada pela mão do homem. Aquilo me tocou profundamente.
Ver aquelas árvores imensas, olhar por baixo delas e ver aquela área maravilhosa,
que parecia com a região do Arranca
antes de derrubarem tudo” disse Pacheco


Rio Corda

O Turma da Barra considera histórica a descida pelo rio Corda
feita recentemente por intrépidos barra-cordenses e por este motivo conversamos com o ambientalista Enio Pacheco em sua casa, para que contasse para os leitores como foi a experiência inédita de descer o rio Corda da aldeia Porquinhos até o Pau Ferrado, usando simplesmente bóias e um pequeno barco de apoio, ao lado dos amigos Gilvan, Zé Arildo e Célio Pacheco (seus primos), além de Gaguinho e Ocimar.


TB - Enio como nasceu a ideia de fazer essa aventura?

ENIO PACHECO - A gente sempre descia da Boa Vista, depois passamos a descer do Sujapé. Então, pensamos em explorar mais e fomos explorar a Pedra Marma, as Malvinas. Depois, passamos a ir na Cachoeira, isso há muito tempo, tanto no rio Corda como no rio Mearim. Fomos na Unha de Gato, Arranca, Sibéria várias vezes. No rio Corda, iniciamos há praticamente 20 anos. Quase o mesmo grupo: Eu, Zé Arildo Pacheco, Gilvan Pacheco, Célio Pacheco, Zé Hipólito, Jorge Dualibe. Também já descemos do Barreiro dos Lobos, com câmara de ar e bote. O primeiro não teve bote. A toyota esperou a gente na Cachoeira, no Craúna, dormimos lá, no outro dia nós dormimos na Vila Real. Sempre tivemos a ideia de descer do Baixão Fundo para a aldeia Porquinhos.

TB - Como foi o início da viagem?

ENIO PACHECO – Numa sexta-feira fomos com o grupo em uma “toyota” e dormimos na Boca da Mata em um barracão que existe por lá e no outro dia, sábado, saímos bem cedo. Chegamos lá no Porquinhos de 9h para 10h da manhã. Aí começou nossa descida. De quatro e meia para cinco horas da tarde nós acampamos em uma área da mata. Levamos carne seca, frito, café e rede para pescar. Pegamos peixe, duas panelas cheias de piaus. Lá um bicho me esporou no dedo e no inicio começou a formigar e depois a dor foi aumentando, uma dor tão forte que parecia que o dedo ia arrebentar por causa do veneno que havia no ferrão. Ali, longe de tudo e de todos, também pegamos muitas ferroadas de marimbondo-de-foguete. Todo mundo foi esporado. Levamos mantimentos em geral, café, açúcar, uma caixa de cachaça Ipioca, senão ninguém aguentava por causa do frio. Quase não juntamos lixo para trazer de volta pois os pacotes de sal e leite voltaram. Chegamos na Vila Real e de lá saímos das 9 e meia para 10 horas da manhã porque estava muito frio para entrar na água. Aí fizemos o almoço, armamos o acampamento, arrumamos as bagagens do barco e isso tudo é demorado. A gente tem que tratar peixe, lavar as coisas, desarmar o acampamento. No primeiro dia não, mas no terceiro dia tivemos que tratar peixe e salgar. Quando foi à noite fizemos uma peixada de piaus pequenos.

TB- Descreva para nós o que mais chamou a atenção de vocês nessa travessia no rio Corda?

ENIO PACHECO - Partimos e entramos na área de alagadiço, e o que mais nos chamou  a atenção, tanto de um lado como do outro do rio Corda, foi um trecho cheios de buritizeiros gigantes que eu nunca tinha visto antes coisa igual. A pouca área de mata que havia no lugar onde íamos acampar era completamente úmida, alagada por toda a extensão, cheia de lagos, com muitas tiriricas e buritizeiros gigantescos no seu entorno. Passaram-se dois dias e o terceiro e quarto acampamento, aí veio à mata depois de um dia e meio. Uma mata extremamente selvagem. Dava para escutar os bichos correndo em tropel pela borda da mata, uma coisa linda, emocionante. Ouvia-se ao longe o cantar das Maracanãs por entre os pés de Caneleiros e o som das Antas, Capivaras, o Gavião Mãe-da-Lua, que parece uma menina gritando: uôu-uôu-uôu. Ali a onça vem... Esse espetáculo foi à noite toda.

TB- Que outros animais vocês ouviram?

ENIO PACHECO - Depois ouvimos Bacuraus, Patos-do-Mato, Jandaias. De vez em quando via-se um Camaleão caindo na água. E marimbondo nas impucas por todo lugar.
O que mais me chamou a atenção foi o estado ainda selvagem da mata virgem, inexplorada, não tocada pela mão do homem. Aquilo me tocou profundamente. Ver aquelas árvores imensas, olhar por baixo delas e ver aquela área maravilhosa que parecia com a região do Arranca antes de derrubarem tudo.
Foi nessa hora que me emocionei muito vendo aquelas árvores. Parece que eu havia morado ali, pois o rio Corda faz parte da minha vida, representa muito para mim desde criança. Representa a água de beber, de banhar, de cozinhar, de descer por água, de nadar, de brincar na Ilha Central, que chamamos a “Ilhinha”; a Ilha dos Urubus que foi encoberta pelas águas; as pescarias; as cangas d'água; o barco Cisne Branco do Zé Arruda com o maestro Moisés na proa tocando a Canção Cordina; as lanchas chegando na Rampa; O futebol e pic-nic na Ilha; as peixadas do Raimundinho Pacheco e Alcione. Estava com essas lembranças tomando todo o meu ser e a emoção desabrochou de dentro da alma, incontrolável, como um rio em cascatas. Em êxtase, só conseguia balbuciar: - Que coisa linda! Que coisa linda! Fiquei imaginando que ali era a continuação do que havia antes no encontro dos rios em Barra do Corda, e não existe mais. Quando criança a Barra era daquele jeito. Aqui tudo foi ceifado e lá a floresta ainda existe em plena exuberância. Foi emoção igual a que tive quando vi a nascente do rio Corda pela primeira vez, aquele filete de água, quando uns 30 jovens declamaram poesias sobre o Corda, cada qual falando uma coisa diferente. Eu me afastei um pouco e entrei na mata para chorar.

TB- Que mais observaram no decorrer da viagem?

ENIO PACHECO - Foram uns paredões imensos a uns 30 ou 40 metros da margem do rio, todo furado por bichos, que ali fazem suas tocas. O lugar se chamava Barreira Alta. Nos buracos as pacas entravam e saiam rapidamente. Dava para ver os rastros dos porquinhos por entre as veredas na mata, à margem do rio, no local onde eles vem beber água. No portinho mais à frente marcas de pés e cocô de Capivara. No início da viagem perguntamos para um índio: - Vocês já ouviram falar que algum dia alguém desceu esse rio de bóia ou barco? Ele respondeu que não. Fizemos a mesma pergunta nos lugarejos à margem do rio e a resposta foi sempre a mesma. Fomos muito bem tratados pelos índios Canelas da reserva dos Porquinhos. Passamos um dia e meio arrodeando a aldeia, por que o rio possui muitas sinuosidades e curvas fechadas. Por ali ficamos sabendo da existência do Brejo do Atolador, do Brejo do Cavador, Brejo do Cavalo e muitos outros brejos até onde a vista alcança. A aldeia fica a um quilômetro e meio do rio Corda. Os índios preferem ficar na margem de um riacho pois o rio Corda traz para muitos deles lembranças ruins dos meninos que morreram afogados e eles choram só em lembrar, por isso evitam ir para lá. No Pau Ferrado foi que vimos casas de moradores.

TB- Existem projetos de outras viagens?

ENIO PACHECO - O outro projeto que estamos vendo é para este ano ainda. Completar do Pau Ferrado para o Barreiro dos Lobos. Como agora estava muito difícil de transpor, de continuar a descida, a gente ia demorar mais quatro dias e ia ficar muito cansativo. No próximo, o Arildo vai fazer um sobrevôo em outubro, para fazer o reconhecimento para a gente ver como vai fazer. Vamos levar uma foice e uma machadinha para desobstruir o caminho e completar a descida do Riacho Fundo até o Barreiro. Vamos completar mais 3 ou 4 dias até o Barreiro. Por terra é só 12 km e por água dá uns 50. A descida do Barreiro dos Lobos para cá talvez seja uma das mais bonitas, por causa das corredeiras e cachoeiras que se formam. Passamos em um “canyon” que é a coisa mais linda do mundo. Existe um trecho em que o rio fica sombrio, calado, não se escuta nada, em pleno horário do meio dia. Do Barreiro para cá, o Valter Lobo tirava em dois dias navegando pelo rio. O projeto foi para sete ou oito dias. Nós imaginávamos ir mais para cima. Não tínhamos ideia de como era o rio dos Porquinhos para baixo. A gente nunca desceu, não se sabia como era por lá. Era inexplorado, não se sabia o que ia ver. Ali as palmeiras e buritizeiros caem e atravessam de um lado para o outro, fazendo uma ponte natural. O trajeto durou quatro dias, foi em um dia de sábado o dia todo.

TB- Suas considerações finais para os internautas.

ENIO PACHECO - Um aviso para quem quiser fazer essa aventura: - Ali é pau de dar em doido, só vai quem tem coragem, disposição física e espírito de aventura e muita paciência por que o negócio é brabo, não é para qualquer um não.


Rio Corda


Rio Corda

Veja mais: Clique aqui

 

(TB21nov2011)