Carlos Borges
20 anos depois - Saudades imorredouras

jornal Turma da Barra

 


Carlos Campelo Borges
(1921-1994)


Duas décadas sem o patriarca Carlos Campelo Borges
Por Carlos Borges - Borginho

Há vinte anos, completados neste 22 de julho de 2014, mudou-se para o oriente eterno um homem livre e de bons costumes, e também um benfeitor da humanidade, o qual, apesar de não ter sido iniciado, demonstrava possuir os requisitos exigidos para ingressar na chamada arte real. CARLOS CAMPELO BORGES, nascido e criado em Barra do Corda, foi um sertanejo que deu certo. Era considerado um Coronel do Sertão, pelo seu porte, postura e comportamento. Foi fazendeiro, agricultor e tropeiro-boiadeiro. Em conjunto com o seu compadre Antonio Martins realizaram um feito inédito nas regiões do alto e do baixo Mearim, da seguinte forma:

A pecuária do município de Barra do Corda atualmente possui expressão econômica bem destacada na economia maranhense, mas até meados da década de 1960 todo o rebanho bovino da Barra e de toda a zona do alto e do baixo Mearim era composto de animais sem raça definida – SRD, aos quais chamávamos de "Curraleiros" ou "Raciados". Foi naquela conjuntura que entraram em cena Antônio Martins e Carlos Borges (nosso pai), sendo que ambos eram compadres entre si, tendo por afilhado o nosso amigo Benedito Cássio Martins.

Os dois montaram um projeto de compra de gado na Ilha do Bananal e região vizinha, através do pecuarista Américo Gomes, residente em Carolina. Lá compravam o chamado “gado de raça” (gir, nelore, guzerá e indubrasil), e o conduzia até a cidade de Barra do Corda, com isto contribuindo para o melhoramento genético das raças bovinas naquelas regiões do Mearim.

Carlos Borges e Antônio Martins pegavam o avião da empresa AERONORTE e voavam diretamente para Carolina, na época da compra da Boiada. Preparavam tudo e entregavam a responsabilidade para dois peões muito eficientes: Quelé e Davi, este último conhecido pelo apelido de "pau pubo”, os quais eram os melhores berranteiros (tocadores de berrante) daquela região. Eles eram filhos de dona Hozina, que morava na estrada do Sítio dos Ingleses, ao lado do Sítio do Senhor Lau Neto. A comitiva desses dois pecuaristas passava seis meses pra ir e outro semestre para voltar, sendo que os dois compradores de gado voltavam de avião.

Na sequência, os dois “tropeiros” Carlos Borges e Antônio Martins desciam o rio Mearim, vendendo e trocando “gado de raça” por “boi gordo”, até Pedreiras e Bacabal, realizando negócios lucrativos e de visão estratégica para o futuro da economia daquelas regiões maranhenses.

Como naquela época praticamente não existiam automóveis, o luxo era ter um "burro de sela". Nesse quesito nosso pai e Antônio Martins eram imbatíveis, e até se orgulhavam de ter as melhores montarias da região!

Enfim, o patriarca Carlos Campelo Borges, um homem dotado de poucas letras (que estudou apenas o suficiente para ler e escrever razoavelmente), casou com a professora primária Josefa Trajano Borges e com ela constituiu uma numerosa família, composta de oito filhos. Ambos nutriam o sonho de dar aos filhos aquilo que não tiveram, ou seja, instrução digna e suficiente para prepará-los para enfrentar a vida, da forma como esta se apresentasse. Para tanto, compraram e reformaram a casa onde outrora nasceu o famoso poeta Simbolista José Américo Augusto Olímpio Cavalcanti dos Albuquerques MARANHÃO SOBRINHO, visando abrigar aquela prole numerosa, na qual sempre havia um quarto para cada filho que fosse passar férias.

Convém destacar que a família Trajano Borges, quase sentindo a proximidade do fim do seu patriarca, nas férias de julho de 1991 realizou uma grande festa que durou três dias, numa autêntica churrascada no Sítio localizado ao lado do Colégio Maranata, com a presença de uns quarenta familiares.

Três anos depois, em julho de 1994, o patriarca Carlos Borges morreu de uremia crônica, na sua residência de quase cinco décadas, deixando um legado invejável para a sociedade cordina: UM homem quase analfabeto, mas possuidor de visão estratégica, conseguiu ver as filhas e os filhos formados em Medicina, Engenharia Civil, Agronomia, Direito, Teologia e Pedagogia. Em diversas ocasiões ele comemorou, dizendo a várias pessoas: Terminei o meu projeto de vida, realizei os meus sonhos! Formei os meus filhos”.

Por ocasião do seu sepultamento, a saudação póstuma foi feita por João Pedro Freitas da Silva, que procurou destacar os feitos positivos daquele agricultor/pecuarista na condução da própria vida e na orientação correta da sua prole. Diante desse exemplo de vida simples e produtiva, podemos afirmar que temos orgulho de ser filhos daquele que os amigos mais antigos chamavam apenas de "Carro Boge".

Enfim, as qualidades e virtudes do patriarca CARLOS CAMPELO BORGES foram reconhecidas e imortalizadas no Templo Maçônico da Augusta e Respeitável Loja Simbólica "Estrela de Porto Velho nº 3.462, localizada na Cidade de Porto Velho - Rondônia", oficina maçônica já administrada pelo seu filho caçula (Estácio Borges), no biênio 2009 – 2011.

*Carlos Trajano Borges – Borginho – barra-cordense, engenheiro civil, mora em Porto Velho (RO)

Saudades do pai educador

Por Estácio Borges

            Meu pai, Carlos Campelo Borges, nasceu numa família bem numerosa e ficou maternalmente órfão antes de completar dez anos de vida. Mesmo diante das adversidades vividas por seu pai viúvo, por ele e pelos demais irmãos e irmãs também nascidos no lugarejo chamado Cocal Grande, localizado na margem direita do Rio Mearim, a família respectiva seguiu o seu destino simples e peculiar àquelas pessoas que viviam da agricultura de subsistência e da criação de gado bovino.
            Contava ele que, numa determinada época, apareceu por aquelas paragens um indivíduo mais ou menos letrado (que provavelmente tinha terminado aquilo então conhecido como “curso primário”) e recebeu do meu avô, Antonio Vieira Borges, a missão de ensinar as primeiras letras e alfabetizar as crianças das redondezas, numa sala de aula improvisada na própria casa.
            A curta permanência daquele professor improvisado e meio andarilho lá no Cocal Grande, por apenas três meses, foi suficiente para que boa parte da criançada de lá aprendesse a ler, a fazer contas de adição, subtração e multiplicação (a divisão era mais complicada e não teve boa aceitação e resultado entre a garotada). Porém, o meu pai aprendeu a ler e fazer essas operações aritméticas de baixa complexidade, naquilo que considero ser um êxito muito grande para aquela época e diante das condições precárias vigentes naquele sertão ermo.
            Meu pai dizia que o citado professor era muito rigoroso, não permitia conversas paralelas e cobrava resultados diariamente. Quando algum aluno queria sair para cumprir ou satisfazer as necessidades fisiológicas, deveria levar uma pequena “pedra de fogo” consigo (seixo de rio), isto como forma de evitar que dois ou mais alunos saíssem ao mesmo tempo e fossem brincar um pouquinho, distante da visão daquele mestre. Porém, quem não demonstrava ter aprendido as lições levava “bolo” de palmatória, um eficiente incentivo à aprendizagem naquela década de 1920 ou 1930.
            Quanta saudade dos resultados obtidos por aquele método! As crianças aprendiam verdadeiramente, decoravam a tabuada e ninguém ficava frustrado e muito menos desrespeitava aos pais e as pessoas mais velhas. Agora existe a chamada Lei da Palmada ou Lei do Menino Bernardo (Lei nº 13.010, de 27 de junho de 2014), proibindo qualquer forma de “castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante” às crianças e adolescentes, com a incorporação dessas diretrizes bizonhas contidas nos artigos 18-A e 18-B ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
            Agora, quando uma criança dos dias atuais chuta a perna dos pais, lhes dá socos, xinga palavrões bem cabeludos, não respeita qualquer pessoa, a Lei da Palmada impede a necessária correção que somente os pais verdadeiros sabem dar (ou pelo menos deveriam saber), mas sem espancamentos brutais. Eis a ação do Estado, tentando meter o bedelho onde não é chamado, onde não tem capacidade para educar e onde a sua ação é sempre desastrosa (lembrem-se dos exemplos advindos da FEBEM). É claro que umas palmadas corretivas, dadas no momento certo e na intensidade correta, contribui para tornar verdadeira aquela afirmação atribuída ao filósofo grego Pitágoras: “Educai as crianças e não será necessário punir os homens!” Afinal, como escreveu o colunista e blogueiro da revista Veja, Reinaldo Azevedo, “essa lei tem a idade mental do “Xou da Xuxa” e a idade moral do stalinismo e do fascismo”.
            Voltando ao personagem principal, Carlos Campelo Borges, falecido no dia 22 de julho de 1994, aos 73 anos de idade, tendo ele estudado por apenas três meses, a sua sabedoria era suficiente para dizer as seguintes frases: “Não quero que os meus filhos sejam lavradores como eu. Não quero que eles usem a enxada para puxar cobra para os próprios pés”! Em decorrência desse posicionamento, ele trabalhou como um mouro e contava que sentiu uma alegria muito grande quando viu os primeiros filhos fardados, saindo de casa para o primeiro dia de aulas daquilo que era chamado de primeiro ano ginasial (hoje a quinta série ou quinto ano do ensino fundamental).
            Agora convido o(a) leitor(a) a imaginar o grande contentamento dele, ao participar das festividades de formatura dos seus filhos, nos cursos de Engenharia Civil, Medicina, Pedagogia, Agronomia, Direito e Teologia. Mesmo sem abrir mão daquela visão centralizadora e dos procedimentos enérgicos dali decorrentes, traduzidos em várias surras corretivas aplicadas nos membros da sua prole (inclusive neste articulista), nenhum dos oito filhos ficou rebelde, frustrado e/ou rancoroso com ele ou com o mundo, pois ao lado do seu leito de morte estávamos todos nós, prestando reverência, pedindo-lhe a bênção e nos despedindo daquele pai sábio e sempre exigente para com a educação.
            Enfim, após o transcurso de duas décadas desde o seu falecimento, posso afirmar que a dor da perda não é maior do que a saudade que sinto dele! Que Deus o tenha ao seu lado, agora e sempre!

*Estácio Trajano Borges, barra-cordense, mora em Porto Velho (RO)

 

 


Carlos Campelo Borges faleceu com 73 anos
 


Da esquerda para direita: Carlos  Borges, o Borginho, filho;
Dona Josefa, mãe; Estácio Borges, filho
 

 

(TB22jul2014)