Uma cachoeira grande e bela

jornal Turma da Barra

 

 


Cachoeira Grande


por Heider Moraes

 

Na década de 50, a Cachoeira Grande,
distante 21 quilômetros de Barra do Corda,
foi trabalhada para se tornar uma hidrelétrica. Não deu certo.
Mas neste século 21, é inte
nção dos índios Guajajara, da aldeia Cachoeira,
torná-la fonte de renda, atraindo principalmente empreendimento turístico.
Mas o espetáculo da queda d’água continua o mesmo décadas após décadas.
Uma cachoeira que continua grande e bela.
O repórter Heider Moraes foi visitá-la, na garupa da moto do mototaxista Cláudio Rangel.
Leia o relato:

 

por Heider Moraes


           Quando nos aproximamos da Cachoeira Grande, o coração dá sinais de aceleração, a ansiedade aumenta e a curiosidade carrega-se de emoção. Estamos ainda a 5 quilômetros quando começamos a ouvir o barulho da queda d’água, que nos conduz para pensamentos de mistérios e belezas mil. O som aumenta mais e mais e de repente estamos diante da imponente cachoeira, olhar fixo, reverenciando esse espetáculo da natureza. E a primeira constatação: a cachoeira continua grande e bela.
            De repente, extasiados, estamos frente a frente com a Cachoeira. E por um bom tempo ficamos a admirá-la. Admirar a força da queda d’água, do som que se difunde com potência estanque, da produção de espumas e névoas, que depois se transformam apenas em água a deslizar com beleza ímpar para o leito ameno do rio Corda. De chofre, nos pegamos como se estivéssemos numa espécie de reza aos céus, em agradecimento à natureza. E para nos despertar, tiramos à camiseta e tomamos um belo banho. Que banho bom. Banho que parece carregar-nos de boa energia.
            Olhando-a de frente, a cachoeira na verdade são duas. Do lado esquerdo, mais larga, extensa, talvez uns 12 metros de largura. Do lado direito, não mais do que três metros com a água a cair não mais do que entre cinco a sete metros. Mas a impressão que nos deixa, devido ao matagal e as belas árvores nativas, é bem maior do que as metragens matemáticas.
            No dia que a visitamos, neste outubro de muito calor, havia uma turma em piquenique. Umas 30 pessoas. Nos arredores da cachoeira, instalaram-se nas sombras das grandes árvores, redes atadas, os adultos a saborear um suculento frito, bebendo refrigerantes e as crianças em incansáveis banhos. Não avistamos bebidas alcoólicas. A Funai não permite e o cacique da aldeia, José Alderico Pompeu Guajajara, 47 anos, disse-nos que o exemplo não é bom aos índios. Sua aldeia, a Cachoeira, tem 42 famílias, por volta de 220 pessoas.
           Contou o cacique que seu povo há muito tempo quer explorar, de modo racional, economicamente a Cachoeira. Explicou-nos que para aproveitar os vertedouros da antiga hidrelétrica, há muito tempo entrou com um projeto para transformá-los em criatórios de peixes. Isso tem mais de cinco anos e o projeto ainda não foi aprovado.
            Disse também que há projetos com relação ao turismo. Pensa por exemplo numa lanchonete, em oferecer serviços aos turistas que hoje não há. Mas para isso a estrada de 21 quilômetros, entre a Barra e a Cachoeira, precisaria ser melhorada. Segundo o cacique, a manutenção da estrada nunca fora feita pela prefeitura, mas é sempre prometida pelos políticos no período eleitoral. Assim, quando chega à estação das chuvas, é quase impossível se alcançar à aldeia devido às condições de tráfego.
            Citou que na época do carnaval, os turistas o procuram querendo conhecer a Cachoeira, mas não podem visitá-la porque as condições da estrada não permitem. São inúmeras lagoas a cruzar no percurso da Barra à Cachoeira. Até motos é difícil trafegar, frisa. Para bem informar, para visitar a Cachoeira tem que se pedir autorização da Funai ou então ao cacique Alderico. Também se paga uma taxa a título de manutenção.
            Quando finalmente se chega à Cachoeira Grande, a primeira a imagem é da aldeia Cachoeira. Uma comunidade com mais de 200 índios. Uma casa, pintada de branco, foi erguida no cruzamento da estrada que leva ao aldeamento e uma outra propriamente à cachoeira. Naquela casa é obrigatória a apresentação da autorização de visita.
            A partir daí avistamos as primeiras imagens. De longe, o arquétipo do que seria a hidrelétrica, construída no início da década de 50, há quase 60 anos. Uma imensa ponte, larga, alta, toda em concreto, quase alcança o outro lado rio. Perpendicular à ponte, os compridos vertedouros da hidrelétrica, que podem um dia ser transformados em criatórios de peixes.
            Visita-se a ponte, passa-se à vista nos vertedouros e seguimos em direção ao espetáculo natural da queda d’água. Antes disso, avistamos o espetáculo do desperdício do dinheiro público. Uma turbina, fabricada na Hungria, dorme ao relento, no meio da mata. E a pergunta que se faz de imediato: quanto custou aquela grande turbina para os cofres do governo? Melhor: quanto do dinheiro do povo brasileiro fora pelo ralo da corrupção?...
            Pelo que se sabe, das quatro turbinas restou apenas uma, essa que está ao relento. E a hidrelétrica faltou muito pouca para ser concluída, projeto derrotado por desenfreada corrupção e ganância política. O ex-deputado Eliézer Moreira Filho, que viveu sua infância e parte da adolescência na Barra dos anos 40 e 50, disse que a idéia da hidrelétrica foi do seu pai, Eliézer Rodrigues Moreira, quando gestor da Colônia Agrícola, hoje Incra, que convenceu o governo federal a investir numa estação fonte de geradora de energia barata.
            Não se sabe ao certo quanto de dólares foram gastos na construção da hidrelétrica Cachoeira Grande. Num chute aleatório, algo em torno de 25 milhões de dólares, que descontada a inflação destes 60 anos, chega-se a algo em torno de 200 milhões de dólares atuais. Um desperdício de dinheiro público sem ninguém ter sido responsabilizado. Um mau exemplo que, hoje embora menor, não acabou de todo no país.
   
         A idéia da hidrelétrica era gerar energia barata para Barra do Corda e Grajaú. No sonho de Eliézer pai, haveria uma fábrica de cimento, aproveitando a imensa jazida de calcário existente na faixa de terras barra-cordenses. Também se aproveitaria a gipsita de Grajaú e o beneficiamento do couro do gado vacum, além de atrair outras iniciativas econômicas.
            Tudo ia muito bem. O governo federal de Getúlio Vargas aprovara o projeto e fora contratada a empresa italiana “Cursi”, que tinha experiências de construções de hidrelétricas na Indochina, hoje Vietnã, que na ocasião tinha abandonado a Ásia devido à instalação de governos comunistas, que expropriavam empresas capitalistas.
            A planta da usina era o que de mais moderno existia, salienta Eliézer Filho. A maioria dos equipamentos foram importados da empresa italiana Tosi Marelli. Para se ter uma idéia da modernidade desses equipamentos, o sistema de telemetria que seria instalado, controlaria a abertura e fechamento das comportas diretamente da cidade de Barra do Corda, distante 21 quilômetros. Dar pra imaginar a imponência desse equipamento fabricado há 60 anos?...
            Pois bem. A história registra a corrupção e a politicagem se intrometendo no projeto da hidrelétrica. Mesmo assim, faltou muito pouco para que a usina fosse inaugurada. O rio Corda tinha sido desviado do seu leito e a represa estava no estágio final. As obras de engenharia tinham sido concluídas e os equipamentos já estavam na Barra prontos para entrarem em funcionamento.
            Conta à história, que a pedra angular foi o desentendimento entre o senador Vitorino Freire, coronel-mor da política maranhense de então com o administrador Eliézer pai, que fora afastado do cargo na Barra retornando ao ministério da Agricultura, em São Luís.
            A partir dessa desavença, os sucessores de Eliézer pai na Colônia Agrícola da Barra ignoraram o projeto. Segundo Eliézer Filho chegaram ao ponto da sabotagem, de desvios de equipamentos e a obra em definitivo foi paralisada e nunca mais concluída. “Assim fazendo, pensavam destruir a memória de quem a fez e o prestígio que a conclusão daquela obra lhe daria”, frisa Eliézer Filho.
            No livro de memórias que está concluindo, intitulado “Cartas às minhas filhas”, Eliézer Moreira Filho diz também que a empresa Cursi se impressionou com o alto preço da corrupção no Maranhão. É certo que no Vietnã também havia, mas nada comparável à voracidade dos maranhenses. Sílvio Cursi, italiano proprietário da empresa, morreu pobre e vítima de enfarte. O enterro fora pago por amigos, porque fora depenado por políticos e executivos de então.
            Conclusão: a interferência política calou um sonho. Mas do que isso, ocasionou um atraso no desenvolvimento da região central por pelo menos 40 anos. Somente no final da década de 80 a energia chegava à região central maranhense. Mesmo assim, ainda hoje, empresas contatadas para se instalar em terras barra-cordenses alegam que a energia oscila muito e prejudica investimentos. Com isso o calcário da Barra nunca fora explorado e a gipsita de Grajaú começa, mas de modo incipiente, a aflorar 60 anos depois.
            Da década de 50 saltamos para a década de 80, quando os índios Guajajara, da aldeia Cachoeira, vão à justiça para garantir a posse da terra. Conseguem-na. E a partir de então está sob a liderança do cacique Alderico Guajajara, no comando daquela comunidade há 28 anos.
            O cacique disse-nos que tudo que há nas redondezas pertence ao patrimônio indígena. Explicou que a turbina está lá e ninguém está autorizado a mexê-la. Também citou a antiga casa dos engenheiros, do tempo da construção da hidrelétrica, no alto de uma colina, que era usada como moradia do administrador da usina, hoje somente escombros. (veja fotos).
            Para Alderico, a casa dos engenheiros, que fora derrubada pelos indígenas, ficará como símbolo de um tempo em que seu povo lutou pela posse da terra. E as obras da Cachoeira vão ser conservadas, porque a qualquer momento podem se transformar em patrimônio e renda.
            O cacique ainda conversou conosco sobre particularidades da sua aldeia. Disse-nos que há energia 24h e algumas residências têm parabólicas instaladas. Mas registrou a boa distância do telefone “orelhão”, que está a 5 quilômetros. Mas o celular pega ao subir a colina. Falou-nos sobre uma segunda cachoeira, localizada num povoamento vizinho, a aldeia Sardinha: “uma itaipava”, minimizou. Também sobre uma terceira queda d'água, rio Corda acima, de nome Cachoeirinha.
            Nos despedimos do cacique Alderico Guajajara, dissemos muito obrigado. Como foi bom rememorar fatos históricos, registrar novas imagens e principalmente saber que a Cachoeira Grande está sendo bem tratada pelos índios Guajajara e por quem a visitam-na. Não vimos nada de lixo. Que continue assim. A natureza agradece. Mas principalmente que a Cachoeira Grande continue grande e bela.

*Heider Moraes é jornalista

Serviços:
Para conhecer a Cachoeira Grande, de motocicleta, contate Cláudio Rangel. Telefone (99) 8808-2725

 

Veja fotos da Cachoeira Grande: Clique aqui
(TB/21/out/2007)