D U A S  H I S T Ó R I A S  C U R T A S
Os contadores de histórias
de Barra do Corda

jornal Turma da Barra

 


Baton (barbeiro), Newton Brasil, Davi (Pau Pubo),
 Jesuíno (fotógrafo), irmão do fotógrafo Leônidas

 

Existe um local em Barra do Corda
onde os amigos da velha guarda
 se reúnem todas as tardes,
 unicamente para matar as saudades e o tempo, 
contar histórias, causos, chistes e outras coisas do gênero.
Esse local é a rua Isaac Martins,
 no cruzamento com a travessa que vai para a Rodoviária, na Altamira.
Os amigos contadores de histórias
 todos muito conhecidos e já passando dos setenta anos são: 
Pau Pubo, Baton Barbeiro, Newton Leite Brasil, Jackson (Didi),
Seu Peres (ferreiro), Seu Jesuíno (fotógrafo).
Conto a seguir duas pérolas colhidas nesse verdadeiro manancial
da boa prosa e do humor escrachado, que alegra as tardes daquela boa gente.

 

por Álvaro Braga

CHICO CATONHO


            Em Barra do Corda corria a década de 50 e havia uma professora muito rígida, de baixa estatura, morena, muito bem conceituada na cidade, a Irmã Helena de Acaraú. Ensinava na Escola Paroquial Pio XI.
            Nas Duas Ilhas moravam o João Catonho com sua família. Possuíam um gado razoável que dava para tirar o seu sustento vendendo o leite na Barra.
            João resolve colocar seu filho Chico Catonho para estudar com a professora Irmã Helena.
            A professora passou o mês inteiro falando sobre o descobrimento e história do Brasil e a turma de alunos estava empolgada com os novos conhecimentos adquiridos.
            Até que chega o dia da prova e a professora pergunta ao Chico quem descobriu o Brasil. Ele responde: Fui eu!
            Irmã Helena fica decepcionada e diz para ele: - Meu filho, como é que eu passo o mês inteirinho falando sobre esse assunto, passando a lição, e no dia da prova tu me responde que foi tu quem descobriu o Brasil? Onde já se viu uma coisa dessas?
            Chico Catonho responde malcriado: - E foi eu mesmo! Eu não vou mentir!...
            A professora madre, inconformada e atordoada com tamanho absurdo procura seu João Catonho, pai do Chico e desabafa: - Seu João, eu queria falar com o senhor para tirar o Chico da escola e meter a taca naquele sem-vergonha, pois quando eu perguntei quem descobriu o Brasil ele me respondeu que havia sido ele! Imagina o senhor uma coisa dessas? Ele caçoou de mim!
            Seu João Catonho tira o chapéu, dá uma cusparada de fumo no chão, coça a cabeça e responde: Olha professora, não implica com ele não. Quando "dá fé" foi ele mesmo! Me lembro bem quando nós chegamos nesse lugar. Aqui só tinha mato e capoeira!

O CAPELOBO

            Conta Raimundo Lopes que há muito tempo, o seu compadre Herculano, um tocador de gado que morava na Mata do Ermo, em Barra do Corda, andava inquieto com a história de que um capelobo andava aparecendo em suas terras durante a noite e comendo sua criação de cabras e carneiros.
            Então o vaqueiro combina com o amigo Raimundo: - Compadre, vamos selar os cavalos, que nessa noite iremos fazer uma espera para pegar esse capelobo!
            Tudo combinado e lá pelas onze da noite partiram para o local onde havia um velho tronco de sucupira, próximo ao curral e lá ficaram em silencio, observando qualquer movimento suspeito.
            A lua estava clara e as horas passavam rápido, até que um grito apavorante ecoou pela mata e uma figura horrenda saiu da escuridão e se aproximou do curral onde estavam as cabras.
            Os dois amigos ficaram pálidos e pensaram: Seria o capelobo? Seria um chupacabra?
            Os uivos fantasmagóricos fizeram gelar o sangue e os ossos dos destemidos vaqueiros. Raimundo Lopes chicoteou o seu cavalo, que saiu em desabalada carreira, fugindo desesperado daquele filme de terror.
            Herculano também quis fugir, mas, ao esporar o vazio do cavalo o mesmo especou e não se moveu.
            Sem outro recurso o vaqueiro apanhou seu rifle “papo amarelo” da lua da sela e engatilhou.
            O capelobo se aproximou. Estava agora a menos de 20 metros dele.
            Herculano apontou a arma, mas o seu cavalo, que tremia da cabeça aos pés, desmaiou de medo e caiu morto.
            O suor abundante escorreu pela face e a arma caiu de suas mãos. Só lhe restava agora o tremor que invadiu seu rosto e arregalou suas órbitas.
            E disparou também em desatinado estrupício, sem olhar para trás olhar, até que encontrou o amigo Raimundo à beira do caminho.
            Raimundo, ainda ofegante, perguntou: - Compadre, o que diabo era aquilo?
            Herculano disse: - Era metade bicho e metade cramunhão! Deus nos valha!
            Depois dessa, nunca mais eles inventaram de armar tocaia para pegar capelobo de espera!

*Álvaro Braga é pesquisador, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Barra do Corda

(TB10jul2011)