Artigo
Cinco histórias curtas
jornal Turma da Barra

 


Imagem de um dos rádios
que existiam nas casas barra-cordenses

*Álvaro Braga

O RÁDIO DE OLÍMPIO CRUZ

            Conta o Davi, vulgo Pau Pubo, que uma vez ele tangia um gado que estava próximo à casa de seu patrão Antônio Martins, ao lado do atual Correio, quando uma novilha mestiça fugiu, subindo pela rua Isaac Martins rumo à casa da calçada alta, do Pascoal.
            Naquela época haviam pouquíssimos rádios na cidade e um deles era do poeta Olímpio Cruz, que morava na esquina das ruas Luis Domingues com a Isaac Martins, em frente ao Napoleão Milhomem, canto com a antiga Funai, chamada SPI e a casa de João Bílio, atual comércio do grande goleiro Adelman.
            Era grande a aglomeração de pessoas que assistiam à programação da Rádio Nacional, recheado de músicas e novelas, no aparelho de rádio da marca Semp, na calçada do poeta Olímpio.
            Subitamente a rês fugitiva sobe pela calçada e entra na porta da casa, deixando a Dudu, irmã de Olga do Napoleão em total desespero. Ela gritava aflita:

            - Não deixa ela quebrar o rádio, Pau Pubo, não deixa!
            - Não deixa ela quebrar o rádio!

            O vaqueiro entrando pela sala, imobiliza o animal segurando-o pelo pescoço e consegue à duras penas, retirá-lo da casa com o focinho machucado, depois do mesmo haver colidido com a parede.
            Tudo para alegria de dona Dudu e das irmãs Olga e  Neomésia, que assistiam ao embate das cantoras  Marlene e Emilinha Borba, que disputavam o título de Rainhas do Rádio.

JOGO DO GRÊMIO

            O saudoso Luis Campeão certa vez foi convidado a acompanhar o time do Grêmio que ia jogar em Palmas, atual Tocantins. Após o jogo em que o Grêmio ganhou (lógico), lá pelas tantas, todo mundo bebendo cachaça pura, buscaram um alojamento. Ali haviam pouquíssimas redes. Os atletas foram logo se aninhando, cada qual em seu canto e o Luis ficou de escanteio sem ter onde dormir. Outros ainda ficaram jogando sinuca.
            Quando todos foram dormir em suas redes, sonhando com os anjos, amém, Luís ficou com umas três doses na cabeça, sentado na sinuca, pensando na vida, morto de sono e cansaço. Ele ficou olhando para o jogador que havia deitado mais alcoolizado e não teve dúvidas: pegou o atleta no fundo da rede e o depositou mansamente sobre a sinuca.
            Depois disso, deitou calmamente em seu lugar, não sem antes fazer o seguinte comentário/pilhéria: - “Vaix” dormir um sono no pano verde da ilusão!


O PRESENTE

            Elizeu Freitas estava em seu escritório na Isaac Martins quando recebe a visita de um sertanejo, vindo do Buriti, que trazia um carro-de-mão cheio de tangerinas para lhe ofertar.
            - Olha aqui, seu Elizeu, o que eu trouxe do sertão para o senhor!
            Elizeu responde na lata: - Veja ali se a Nery quer, eu mesmo não quero não. Isso aí e mijo de égua pra mim é a mesma coisa!


MARIANO

            O Mariano, da família Dino, filho da Felizalvina e irmão do Mucal, nasceu com um certo grau de retardo mental e fora criado por dona Guilnar, Helena, José Benedito Salomão e esposa Eunice.
            Fazia mandados dentro de casa e possuía uma vistosa hérnia escrotal, que o fazia andar com dificuldade. Era um personagem folclórico de Barra do Corda.
            Certa vez perguntou a Frei Marcelino de Milão eu seu linguajar característico:
            - Manu, manu! Dom Marcelino, Dom Marcelino, Nossa Senhora come pitomba come? Come pitomba, Nossa Senhora?
            Frei Marcelino respondeu zangado: - Ma vá, ma vá! Deixa de coisa, Mariano! Dio mio!

MINHA ROSA

            Conta o Totó Rosa, que o papagaio mais esperto que existiu em Barra do Corda, foi a “Minha Rosa” da dona Dalila, viúva de Odorico Ferreira, vulgo Maxixe e também viúva em segundas núpcias de Damião Cruz, pai do Bombardo.
            Dona Dalila traz a infinita virtude de haver ensinado à dona Dica do Raimundo Gato, a  sublime arte de fazer os bolos de arroz, que tinham gosto de azeite de côco.
            Mora ainda na rua da Tripa, atual rua Gerôncio Falcão, vizinha ao carnavalesco irmão Madian Barros, no centro de Barra do Corda.
            Um dia a “Minha Rosa” estava tagarelando na sala, quando alguém bate palmas e grita: - Ó de casa!
            A papagaia era um ser especial, pois não sabia apenas falar, ela “conversava”!
            As palmas continuaram e o que se viu daí por diante, foi um desfile de todo o talento vocal de que a ave era possuidora, pronunciando seguidamente as frases:
            - Dalila, ô Dalila! Dalila, tem gente!
            - Dalila, tu tá no banheiro, Dalila?
            - Ô Dalila! Se tu vê que não vem, despacha!


(TB18set2011)

 

 

Artigo
Quatro histórias curtas
jornal Turma da Barra

 


Imagem da praça Getúlio Vargas (1949) em Barra do Corda (MA)
À direita, Capela de Santo Antonio de Pádua; Ao centro, hotel da dona Petinha
À esquerda, quitanda do Eli Nava, tempos depois Bita do Napoleão

por Álvaro Braga

O Terecozeiro (Macumbeiro)


Um indivíduo estava com uma dor de cabeça tão grande que nem o médico conseguia resolver. 

Exausto de tanto sofrer e cansado de tomar remédios caseiros, o homem apelou para os préstimos de um conhecido macumbeiro de Barra do Corda, atendendo a conselhos de uma comadre rezadeira. 

Chegando em sua casa de taipa às margens do rio Mearim, com a frente enfeitada por pés de tipi, vassourinha e pinhão-roxo, o nosso paciente avista logo na sala, dezenas de quadros de santos, como São Jorge e o dragão, Santa Bárbara, Santa Luzia com um prato cheio de olhos, São João Batista crivado de flexas e São Lázaro rodeado de cachorros. 

Contando rapidamente o seu caso, o pai de santo dá logo o seu diagnóstico: 

“- É trabáio feito! Fizero pro meu fio espocá a cabeça! Mas ninguém pode mais do que o véio aqui não. Compre pó de sapo, pó de cobra preta, pó de urubu camiranga, areia de sumitéro e faça um chá pra beber tudo sexta-feira, meia noite, numa encruziada. 

- Adispois reze 3 ave-maria, 3 pai-nosso, 3 salve-rainha e um credo-em-cruz.

- E pra garantir, leve um caché de Tilenol 500 miligrama, bote no chá e beba.

- É um tiro e uma carreira!” 

 

Nome de hospital

Em 1987 acontecia em Barra do Corda a inauguração do Hospital Acrízio Figueira, ainda na rua Benedito Leite, no centro da cidade.

Palanque cheio para a solenidade. Entre os presentes estavam o prefeito Elizeu Freitas, dona Nery Freitas, deputado Galeno Brandes, Senador Edson Lobão, Gael Lobão, Iêdo Lobão, Eli Cavalcante, deputado Eliézer Moreira Filho, Americano, Zezico, Adalberto Brasil, Pril Morais, Fátima Arruda, dona Iolanda Nepomuceno, dona Elizeth Delgado e dona Aurora Falcão, convidada  para cortar a faixa.

Uma pessoa se aproxima do prefeito Elizeu e diz:

Seu Elizeu, esse nome de Acrízio Figueira para batizar o hospital é muito feio!

Elizeu responde: - É, nome bonito é o teu: Zé do Fumo!

 

A índia romana

Quando os índios Canelas do Ponto vieram para a Aldeia Sardinha em 1963, trazidos pelo SPI – Serviço de Proteção aos Índios, após desavenças com os fazendeiros, muitos deles ficavam andando pelas ruas de Barra do Corda buscando meios para sobreviver.

Havia uma índia chamada Romana, quase centenária, que todos queriam bem e não lhe negavam qualquer ajuda, inclusive os frades Capuchinhos.

Romana falava o português com dificuldade e uma vez aconselhou umas moças que proseavam com ela:

- Num caje não mochinha, num caje não! Mochinha solteira dorme noite todinha e cajada o cabôco é só chamando po pico! 

 

Os sapotis de Ismael Salomão

 Ismael Salomão, advogado provisionado já falecido, pai do dentista Edem Arruda Salomão, gostava de guardar uns sapotis maduros na petisqueira para comer como sobremesa.

De repente os sapotis começaram a sumir e ele resolveu tomar providências. Reuniu os serviçais da casa e comunicou que estava muito preocupado, pois havia colocado veneno para pegar rato nos sapotis e os mesmos haviam sumido!

Notando os olhares de preocupação, Seu Ismael falou que, quem havia comido os sapotis iria morrer, mas ele possuía o contra-veneno. Se alguém se acusasse ele salvaria sua vida.

Um garoto cria da casa de nome Arlindo, filho do Tioá, logo se apressou a falar, muito nervoso: - Seu Maé, seu Maé, não fui eu não, mas me dê um pouquinho desse remédio!

 

(TB11set2011)

 

 

Artigo
Três histórias curtas
jornal Turma da Barra

 


João Pereira
- João da Onça -

por Álvaro Braga

A dor esquecida


            Há muito tempo atrás, no sertão cordino, havia uma moça de 15 anos chamada Juvência, que estava sofrendo com as dores do parto.
            Conta seu neto Dico Eleutério, que a dor era tanta que ela queria “subir nos caibros” e resmungava: Ô dor do cão, meu Deus! Pra que diabo eu fui inventar de sair da casa de meu pai, meu Deus do céu? Ô dor! Desconjuro diabo!
            Seu marido, com pena de vê-la sofrer tanto e para consolá-la, falou baixinho ao seu ouvido:  “Minha flor, não se preocupe que essa dor vai passar logo e eu juro por tudo quanto é mais sagrado, pela alma de minha mãe, que eu vou dar um jeito de me capar, pra você não ter que passar por isso de novo.”
            O marido sai do quarto chorando e a parteira pede para Juvência soprar uma garrafa com força para ajudar o menino que não tardava a ver a luz do mundo.
            O nascimento acontecia e em meio às orações das comadres e do choro da criança, ouviu-se Juvência dizer:  Cuidado lá e cuidado cá! Não vão deixar esse doido se capar!

A mentira


            João Pereira, vulgo João da Onça, morador da Praça da Matriz, centro de Barra do Corda, gostava vez por outra de aprontar umas presepadas.
            Um belo dia, resolveu fazer um convite diferente a seu amigo Machadinho: - Compadre vamos fazer uma coisa? Fazer o que, compadre João? Respondeu Machadinho.
            É o seguinte: - Vamos sair por aí pelo mundo mentindo. Eu vou na minha burra mentindo na frente e você vai um dia depois, confirmando as mentiras, tá certo?
            Machadinho, sabendo que seu compadre era um fino gozador, topou a parada. E partiram no rumo da Mucunã. Seu  compadre João partiu na frente e ele foi no dia seguinte, na mesma pisada.
            João Pereira selou sua burra e partiu para a insólita viagem. Chegando nas proximidades do riacho Ourives, para um pouco e  descansa na casa do senhor Raimundo Fava Sêca, pai do Palmeira e do Riba da Virgínia.
            E sem perder tempo vai logo soltando a primeira mentira: - Seu Raimundo, lá na Barra nasceu um menino com sete braços, o senhor dê por visto uma coisa dessas?
            Todos ficaram admirados, mas também desconfiados com tamanho disparate.
            No dia seguinte bem cedo, um viajante também passa por lá, montado em uma burra. Era o Machadinho da Didica, que desmontou da besta e pediu água.
            - Bom dia!
            - Bom dia, seu menino! Foi a resposta.
            - O senhor tem uma água aí pra gente?
            - Home, eu ainda vou lá no Ourive pegar água pra encher os pote. Nem água na fava eu botei ainda! Mas me diga uma coisa, aproveitando que o senhor tá vindo da Barra: - É verdade que por lá nasceu um menino com sete braço?
            Machadinho respondeu bem sério: - Olha, se é verdade eu não sei, mas ontem eu vi por lá, estendida na cêrca de uma casa, uma camisa de recém-nascido que tinha sete manguinhas!

Desobriga no Naru


            Em Barra do Corda nos anos 40, os frades  visitavam os povoados nas desobrigas católicas apostólicas romanas.
            Padre Odorico Nogueira, tio materno de José Nogueira Arruda resolveu visitar o Naru, em busca de novas almas para o Paraíso.
            Chegando lá, marcou rezar uma missa  campal à noite, mas antes, havia de rezar um terço na casa de uma devota que reuniu todas as beatas da localidade.
            Ao iniciarem-se os cânticos, sempre com o padre Odorico puxando os ofícios, um garoto da casa, muito levado, teimava em sempre passar correndo na frente do ofertório.
            O padre foi ficando irritado com as malcriações do pirralho, até que perdeu a paciência de vez, bem no meio da ladaínha:
            “Ave Maria cheia de graças, o Senhor é convosco, bendita sois vós, entre as mulheres, bendito é o fruto, de vosso... SAI DAQUI MENINO FILHO DUMA ÉGUA!...”

*Álvaro Braga é pesquisador, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Barra do Corda

(TB28ago2011)