Carta a Filinto Milhomem
Adeus, avohai (avô e pai)
jornal Turma da Barra

 


Filinto, avô, com Alex, neto

por Alex Macedo


            São muitas as imagens que me vem em mente, na viagem mais difícil de minha vida.

            Nesse momento me vejo correndo, meio imundo, com o uniforme do Colégio Nossa Senhora de Fátima - o Diocesano - e lá está sua figura naquele corredor, cujo chão se encontra bem desgastado pelo tempo. À minha espera, me acena e vejo que é hora de ir embora. Por conta do moleque inquieto e travesso, fazemos o trajeto que passa pela Eliézer Moreira, também pelo então mercadinho São João e a velha ponte de cimento, rumo à Pedro Braga, com as indagações pertinentes de um neto curioso ao seu querido avô. E a conversa segue em cumplicidade, como foi sempre nossa relação.

            Cumplicidade... Essa palavra traduz, de fato, toda nossa relação. Muitas foram às vezes em que trancafiado em casa, de castigo mesmo, por conta de alguma peripécia à la Alex, ouvimos um “deixa o menino brincar, Rosa!”. “Vai, Alex, mas volte logo!” E as brincadeiras na rua Tiradentes podiam novamente contar com a presença, desculpe-me a petulância, de uma de suas figuras mais ilustres. E graças, não à fuga do já conhecido “Alex-fujão”, como diria uma de nossas vizinhas, mas sim ao código velado entre o netinho levado e o Sir Filinto.

            O rio Corda também banhou e, certamente, foi banhado pelo nosso amor. Entre mergulhos, conversas e espumas de sabonete “Senador”, o seu preferido, esse rio, cujas águas cristalinas embeveceram gerações, muitas vezes quis parar suas correntes para agraciar por um pouco mais de tempo, cenas triviais, que eram nossos banhos, e de uma importância ímpar para nós. E, muitas dessas gerações que passaram por aquelas águas não souberam dar o valor que demos àqueles mergulhos...

            A viagem segue e a cada quilômetro meu coração vai se dilacerando. Olho o relógio, as horas parecem demorar no seu percurso. Nesse gesto, percebo que o relógio que trago no pulso foi mais um presente seu e minha cabeça é tomada por peças de um mosaico que, ao se formar, me traz uma frase inesquecível: “É de coração, meu filho!”. Como estava por recusar um presente estendido pelas suas mãos, aquele senhor, sem muitas afinidades a atitudes temperamentais, olha nos meus olhos e lança o “É de coração, meu filho!”. Engasgado, e com os olhos mareados, recebo orgulhosamente o objeto estendido. E cada vez que nele olhos as horas mais pareço um milionário, cuja riqueza foi herança de uma pessoa de grande importância em sua vida.

            Ainda longe de nossa chegada penso em um refrigerante! E isso me dói! Me dói por saber que, ao chegar, se eu encontrar alguma garrafa gelada de refrigerante Jesus, não será para acompanhar uma partida de baralho ou dominó: será para matar a sede de tantos outros que estarão chorando tua partida. E nesse momento não terei você me falando com uma voz de adversário debochante: “Quem é o campeão aqui rapaz?”. E não verei o seu sorriso depois de eu retrucar que o primeiro é dos patos.

            Um parênteses é aberto para agradecer à tecnologia, que nesse momento é o que me permite não colocar letras trêmulas nesse texto e também permite a falta de lágrimas no papel, cujos pingos manchariam sua compreensão!

            Muitos são os acontecimentos que poderiam estar nessas lembranças, mas isso seria fadar o texto ao infinito. E ao infinito também direcionar o aperto no meu peito, pelo qual sinto meu coração sangrar de saudades.

            Mas eis que tenho outra lembrança: a de um sonho recente, o qual credito à força divina, que estaria me preparando para esse momento. Há poucos dias recebo em meus sonhos as duas figuras que mais amei em minha vida. Nesta sala que agora o encontro embalsamado, estavam duas cadeiras e nelas sentavam você e dona Rosa. O diálogo daquele momento não se fixou em minha memória, todavia o sorriso de minha avó aliado à tua felicidade, me fez crer que ela veio te buscar e que, agora, poderão continuar com os laços de amor ensaiadamente findados nove anos atrás. Fico aqui na certeza de que estarão preparando terreno para nos encontrarmos novamente.

            Com muita dor e te amando eternamente,
            Seu neto Alex.

*Alex Macedo, 24, é um dos editores do TB, mora em Inhumas (GO)

(TB13nov2010)